quinta-feira, 29 de agosto de 2024

O neoliberalismo fracassou

Foto da Fonte

O economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira esteve no Instituto Conhecimento Liberta, de Eduardo Moreira, para ministrar aula magna sobre o novo-desenvolvimentismo.

O eneagenário professor da FGV apresentou seu pensamento registrado no mais recente livro publicado de sua autoria, versando sobre o antagonismo entre o liberalismo econômico e o desenvolvimentismo e a atualização deste para se defrontar com os desafios da atualidade.

"As políticas neoliberais, que priorizam o mercado sobre o Estado, têm falhado em entregar crescimento sustentável e, com isso, agravado as desigualdades sociais."

Embora o neoliberalismo preconize a autorregulação do mercado, espera que o Estado lhe seja superior, mas apenas no sentido de garantir o seu livre funcionamento. Mostrou-se hegemônico no mundo ocidental a partir de Reagan, nos EUA, e Tatcher, no Reino Unido, nos anos 80 do século passado, perdurando até uma década após a crise financeira global de 2008. Os EUA, de tradição desenvolvimentista, voltaram a subsidiar a indústria com Biden em 2020, buscando “traze-las para casa”, após Trump, no governo anterior, já ter reforçado a politica aduaneira.

São vários os aspectos do fracasso da ideologia, dos quais Bresser destaca a diminuição do crescimento econômico, as sucessivas crises no mundo, a instabilidade financeira e a concentração de renda.

A alternativa é o desenvolvimentismo, que teve no Japão um dos seus expoentes: intervenção moderada do Estado, em economia de mercado, promovendo o desenvolvimento e a distribuição de renda.

Muitos países aderiram às teses neoliberais, o Brasil entre eles, mantendo o regime mesmo diante do fracasso nas principais economias que adotaram o ideário. As elites nacionais resultaram convencidas da sua conveniência para seus interesses particulares até os dias de hoje.

O professor qualificou a situação brasileira de subdesenvolvimento neoliberal. O famoso tripé de taxas de juros muito altas, câmbio sobrevalorizado e crescimento muito baixo (quase estagnação) foi agravado com Collor de Melo pela abertura comercial e financeira e a privatização selvagem.

Após 50 anos de elevado crescimento, o país submeteu-se aos ditames dos EUA e passou a se distanciar da renda percapita daquele país. Os países da Ásia optaram pelo caminho desenvolvimentista e hoje a China já é competidor dos norte-americanos em um cenário de sofisticação produtiva na indústria e nos serviços, com muita tecnologia e trabalhadores mais qualificados.

Bresser lembrou que a demanda, como proporção da renda, é menor que 1 no caso das comódites, e superior à unidade quando o assunto é a indústria.

Se Getúlio Vargas inaugurou a era desenvolvimentista no Brasil, duas questões ficaram mal resolvidas e podem ser superadas com o novo desenvolvimentismo: o crescimento lastreado na poupança externa – déficit em conta corrente – é insustentável no longo prazo, pois é gerador de endividamento e sobrevalorização cambial; e o crescimento do consumo lastreado na importação, se a produção local não é competitiva.

Além de corrigir essas distorções, é preciso levar em conta que os empresários tornaram-se rentistas – vivem de juros, aluguéis e dividendos e escalam técnicos burocratas para o comando das empresas, que também preferem o ganho fácil da especulação financeira.

São elites não nacionais, que há tempos abandonaram o conceito de Nação e a política desenvolvimentista, encostando-se no setor imperialista para recolher as sobras.

O ICL também recebeu outros economistas para destruir mitos econômicos.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Municípios não cumprem metas e prazo para fechamento dos lixões pode ser prorrogado

Arquivo: Agência Brasil

Em mais uma tentativa de acabar com os mais de 3 mil lixões que ainda existem no Brasil, a Câmara dos Deputados trouxe novamente o assunto para discussão. Segue em análise na casa o Projeto de Lei 1323/24, que prorroga por cinco anos o prazo para que os municípios com até 50 mil habitantes adotem a destinação adequada dos resíduos sólidos urbanos (RSU). A previsão era encerrar definitivamente com os lixões até o dia 2 de agosto de 2024. Como os problemas não foram resolvidos, o debate permanece em pauta.

Na opinião do presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA), membro do conselho da ONU para temas de resíduos e sócio da S2F Partners, Carlos Silva Filho, o processo é lento porque faltam recursos e investimentos para a disponibilização das infraestruturas necessárias.

“Infelizmente, é um tema que acaba passando longe das principais discussões, não é uma prioridade para a população, não tem sido uma prioridade para os governos, porque não se percebe realmente o impacto amplo dessas unidades de disposição inadequada e realmente precisamos de medidas urgentes para sensibilizar tanto a população, para que se levante contra essas práticas, como também os governos”, observa.

De acordo com a nova edição do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023, elaborado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA), foram mais de 33 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos com destinação inadequada só em 2022. Do total, 27,9 milhões foram enviadas para os lixões e outras 5,3 milhões de toneladas foram incorretamente descartadas pela população que vive em áreas não atendidas por serviços de coleta – o número representa 7% de todo o lixo produzido no país.

Na opinião do superintendente da ABREMA, André Galvão Silveira, os lixões persistem porque o acesso da população à coleta de lixo e rede de esgoto ainda são precários no país.

“Aqueles domicílios que não são atendidos, lançam em algum terreno baldio, em algum local. Às vezes próximo à residência, às vezes um pouco mais longe, mas ainda assim lançam de uma forma claramente inadequada. Eles juntam em algum local que seria uma espécie de lixão numa escala menor. Outros queimam o seu lixo ou enterram”, relata.

Transição gradual

Segundo o autor da proposta, deputado Adriano do Baldy (PP-GO), a transição para uma gestão mais sustentável deverá ser gradual e planejada, e a extensão do prazo por mais cinco anos oferece uma oportunidade para o desenvolvimento de estratégias eficazes.

“A prorrogação do prazo proporcionará aos municípios um tempo adicional para a busca de alternativas viáveis de gestão de resíduos, sem comprometer serviços essenciais”, explica o parlamentar.

Assim como aconteceu com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em 2010, que pretendia acabar com os lixões até 2014, o Brasil mais uma vez não conseguiu cumprir com as metas estabelecidas para este ano. Para o presidente da ABREMA, Pedro Maranhão, o país precisa de educação ambiental e políticas eficazes.

“Vários fatores fizeram com que não avançasse. Uma, a sensibilidade dos nossos gestores, outra, a própria educação mesmo da gente instruir a sociedade, cobrar mais os seus gestores para conseguir dar uma destinação correta a esses resíduos. E aí isso vem se acumulando e se prorrogando. A primeira prorrogação foi em 2014, aí vem para 2024 e nós estamos achando que realmente não vamos conseguir erradicar lixões em 2024. Mas eu acho que não tem mais que prorrogar, tem que meter o dedo na ferida, sentar com os prefeitos e eles têm obrigação por lei de dar uma destinação ambientalmente correta ao seu resíduo”, salienta.

Novas metas

O Projeto de Lei 1323/24, que segue em análise na Câmara dos Deputados, determina que os municípios com até 50 mil habitantes favorecidos pela prorrogação devam adotar medidas como programas de coleta seletiva; inclusão de catadores de materiais recicláveis no processo de transição, com oferta de capacitação e alternativas de trabalho e estruturação de aterros controlados.

Conforme a proposta, o governo federal deverá disponibilizar recursos para municípios, a fim de auxiliar na implementação dessas alternativas. Órgãos ambientais estaduais e municipais serão os responsáveis por fiscalizar o cumprimento da futura lei.

Diante de um cenário que preocupa, existem regiões que tentaram investir em melhorias, como é o caso do município de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. O vereador Enio Brizola conta que, em 2012, a cidade instalou um programa de coleta seletiva social com os trabalhadores catadores de materiais recicláveis e ganhou até um prêmio da ONU pelo programa. Porém, ele lamenta a falta de investimentos e incentivo do governo federal.

“Principalmente agora, os problemas aumentaram. A cidade no período de maio, junho, julho, aumentou os resíduos em consequência da catástrofe ambiental, que atingiu o estado. Então, já são mais de 18 mil toneladas de resíduos produzidos, coletados, que foram produzidos pelas enchentes”, relata.

O projeto segue para análise das comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Desenvolvimento Urbano; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Sendo aprovado, será encaminhado para votação no Senado.

Como encerrar um lixão

Como medidas iniciais para realizar o cercamento da área está a drenagem superficial e a cobertura com vegetação apropriada. As informações são da Casa Civil. De acordo com a pasta, é possível evitar novos aportes de resíduos no local. Após o fechamento, é necessário um planejamento para recuperação da área contaminada a ser feito pelo Ministério do Meio Ambiente

A Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010) determina que, após a submissão dos RSU aos tratamentos e destinações disponíveis, os resíduos restantes — ou rejeitos — devem ser enviados para uma disposição final ambientalmente adequada. Essa disposição final deve observar normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança — e ainda minimizar impactos ambientais adversos.

Lixões, aterros controlados, valas, vazadouros e áreas similares não possuem essa proteção ambiental e são considerados ambientalmente inadequados para a disposição final de resíduos

Fonte: Brasil 61

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

E nem é meme! Caps vira piada nas redes sociais disseminando preconceitos e estigmas contra pacientes psiquiátricos


Se você tem redes sociais, certamente algum desses memes já passou pelo seu feed. Dê play no link de um vídeo abaixo e confira:


O vídeo acima traz uma pequena amostra das dezenas de memes - espécie de charge moderna - postados diariamente nas redes sociais. Há meme pra tudo. Seja assuntos do momento, um deslize de alguém famoso e até mesmo de assuntos sérios. E é aí que a piada perde a graça. Na filosofia do "tudo vira meme", acabamos "curtindo", comentando e compartilhando essa imagens que, parando para refletir, são uma forma de ridicularizar um assunto muito sério: a doença mental e o paciente psiquiátrico. Estamos falando de psicofobia.

Com a força incalculável das redes socias, esses vídeos de humor disseminam, em pleno século 21, estigmas e preconceitos seculares. Se na Idade Média a doença mental era vista como possessão de demoníaca ou feitiçaria, chegamos a era moderna mudando o conteúdo mas preservando a forma preconceituosa de lidar com a saúde mental, ou a falta dela.

Entre um meme e outro, acabamos perpertuando conceitos equivocados, desinformação e preconceito, ao estigmatizar quem usa os serviços dos Centros de Atenção Psicossocial, o Caps, além de afastar quem busca tratamento. Atualmente são quase três mil unidades desses Centros, que atendem pessoas em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas.

“Isso é sempre muito ruim. Esses memes, piadas, são uma manifestação de estigma, de preconceito, de psicofobia. Foi criado esse termo que significa o preconceito, o estigma, contra não apenas a doença mental, mas tudo relacionado a ela. A pessoa que tem a doença, a doença em si, familiares, amigos, cônjuges, trabalho e etc”, explica a psiquiatra Miriam Gorender, Diretora -secretária da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e professora do departamento de Neurociências e Saúde Mental da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

“É algo danoso. As pessoas que fazem isso não têm noção do mal que estão causando, do sofrimento que estão causando aos próprios pacientes, às famílias. São pessoas que realmente não assumem uma responsabilidade”, ressalta a especialista.

Na entrevista ao TNH1, Drª Miriam alerta para o último ponto citado acima, o trabalho. Ela chama a atenção para consequências desse na vida profissional das pessoas em tratamento psiquiátrico.

“A gente vê muito problemas com pessoas com doença mental que são impedidas de trabalhar, mesmo tendo plena condição. A doença mental, apesar de frequentemente ser incapacitante, ela não é automaticamente incapacitante. Mas as pessoas e as empresas têm medo de contratar quem tem qualquer doença mental ou tome qualquer medicação psiquiátrica. Assim como a gente pode comparar com as empresas que não queriam contratar pessoas que tivessem HIV. Ou seja, preconceito”, compara.

Na unidade do CAPs visitada pela reportagem, em Maceió, as impressões com relação ao humor pejorativo são semelhantes ao da psiquiatra. “Tem usuários que negam que frequentam o Caps. Esses vídeos geram um desconhecimento grande da instituição e do serviço prestado aqui. Eles só fortalecem a desinformação”, lamenta Karla Rocha, assistente social e gerente do Caps Sadi Carvalho, um Centro que atende pacientes de 14 bairros da capital alagoana.

Para Ana Clara Parízio, assistente social e especialista em saúde mental no mesmo Centro de Karla, ridicularizar a doença mental só piora as coisas para os pacientes. “É muito prejudicial [piadas e memes], sem dúvidas. Fazer piada com uma coisa tão séria. Brincar com um problema de saúde, e ainda mais de saúde mental, só traz prejuízos para quem já não está bem”, aponta.

Usuária do Caps: "Não tem graça nenhuma"

Dona Juracy da Silva, 60 anos, uma das 400 pessoas atendidas todos os meses no Caps Sadi Carvalho, a piada não tem graça. “Não tem graça nenhuma. Não acho correto fazer piada com o problema do outro. Isso é sério, gente!”, diz dona Juracy, que há 10 anos frequenta o Centro, e fala com otimismo dos serviços prestados. “Sei que minha doença não tem cura. Mas eu tenho uma vida normal. Aqui eu fiz amigo, somos tratados como gente. Eles não largam você. Aqui no Caps eu virei até atriz. E agora estou aprendendo a ler”, afirma uma paciente otimista com o tratamento recebido, depois de relatar um histórico de surtos e tentativa de suicídio, fruto de uma vida que envolve abusos e violência doméstica.


PSICOFOBIA: SEU PRECONCEITO CAUSA SOFRIMENTO


A psicofobia, conceito pouco difundido, não nasceu com a internet, mas encontrou nas redes sociais um terreno fértil, onde o humor politicamente incorreto e, neste caso, pejorativo e até cruel, é compartilhado, curtido e comentado diariamente, sem espaço para a reflexão sobre o mal que pode causar.

Curiosamente, o termo “psicofobia” partiu de uma sugestão do humorista Chico Anysio. Em entrevista em 2011 ao presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Dr. Antonio Geraldo da Silva, o humorista revelou que fazia tratamento contra a depressão há mais de duas décadas. E sugeriu que era necessário criar-se um termo para descrever o preconceito sofrido por pessoas com doenças mentais. Após estudos e avaliações, o presidente da ABP criou o neologismo Psicofobia. Com isso, institui-se o 12 dia abril, data de nascimento do humorista, como o Dia Nacional de Enfrentamento à Psicofobia.

Certamente nem todos os que compartilham os “memes do Caps” diariamente conhecem a campanha de combate à psicofobia, encampada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), mesmo que este ano, a campanha tenha completado uma década. Um trabalho reconhecido internacionalmente, considerada a maior campanha anti-estigma do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Depois de rir dos memes, é hora de refletir. Assista ao vídeo de divulgação da campanha da ABP 2024:


Criminalização da psicofobia 

Como todo preconceito, o combate à psicofobia precisa ir além das ações educativas. Para a psiquiatra Miriam Gorender, assim como racismo, é preciso penalizar esse tipo de postura.

“Hoje, felizmente, por exemplo, você não pode sair fazendo piada racista. Por quê? Porque é crime. Então, esses comportamentos irresponsáveis, criminosamente irresponsáveis, eu acho que só vão parar quando esse tipo de preconceito for criminalizado. E nós lutamos por isso e pedimos ajuda à mídia para que nos ajude nessa batalha”, afirma.

Projeto de Lei - No Senado Federal tramita um projeto de lei com a mesma idade da campanha da ABP. Há dez anos o então senador Paulo Davim, do Rio Grande do Norte, protocolou o Projeto de Lei nº 74, que alterava o Código Penal, prevendo pena de até 3 anos para quem praticasse injúria contra pessoas com transtorno mental. A proposta chegou a ser aprovada pela Comissão de Direitos Humanos da Casa, mas não chegou a ir à plenário para votação.

INFORMAÇÃO PARA COMPARTILHAR: CONHECENDO MELHOR O CAPS

O Caps integra a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Ministério da Saúde. Trata-se de um um conjunto integrado e articulado de diferentes equipamentos que atende pessoas em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A rede envolve as esferas federal, estadual, com ações intersetoriais.

Essa rede inclui a Unidade Básica de Saúde/Estratégia de Saúde da Família (UBS/ESF), Unidades de Acolhimento (UA), Serviços Residências Terapêuticos (SRT), Programa de Volta para Casa (PVC), Unidades de Pronto Atendimento (UA), SAMU, Hospitais Gerai, Centros de Convivência e Cultura e, claro, os Caps.

Mas nem todo Caps é igual. O serviço se divide por tipo de atendimento, horário de funcionamento e número de habitantes. O Caps ad, por exemplo, que atende pessoas com problemas ocasionados por abuso de álcool e outras substâncias. Veja como funciona cada um dos 6 tipos de centro.



Mais de 26 milhões de atendimento em todo o país

Os Centros de Centros de Atenção Psicossocial são destinados a municípios acima de 15 mil habitantes. Hoje, o país conta com 2.947 Caps, distribuídos em 1.973 municípios.

São Paulo é o estado com mais unidades (489), seguido de Minas Gerais (392) e Bahia (270).

Até 2023, segundo levantamento do MS, no país foram mais de 26 milhões de atendimentos em todo o país (exatos 26.367.627). São Paulo lidera o ranking, com mais de 6 milhões de atendimentos ( 6.744,010). Em seguida vem Minas Gerais com 3.160 mil atendimentos. O Rio de Janeiro fica em terceiro em número de atendimentos: 2.043743. Vale lembrar que o número de atendimento não corresponde ao número de usuários atendidos, considerando que uma pessoa pode ter sido atendida mais de uma vez.

APÓS 23 ANOS, REFORMA PSIQUIÁTRICA AINDA DIVIDE OPINIÕES

Os memes espalhados pelas redes sociais disseminam, entre outros mitos, a confusão entre Caps e hospitais psiquiátricos. Ambos importantes na rede de apoio à saúde mental, os dois aparelhos estão no centro de uma discussão que ainda se estende passados 23 anos da Reforma Psiquiátrica, sancionada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Basicamente a queda de braço se deve ao modelo adotado atualmente, com base nos centros de acolhimento. Formato que não é unânime entre os profissionais da área.

‘Existe uma narrativa já de muitos anos de que o CAPS é um serviço substitutivo. O problema é que não tem como um CAPS substituir um leito de hospital psiquiátrico especializado. O que nós na ABP defendemos é que o Caps não tem como ser substitutivo, ele pode ser no máximo complementar, porque o objetivo com qual o CAPS foi criado foi para reabilitação social de doentes graves e crônicos, enquanto que a hospitalização é para doentes em episódio agudo”, afirma Drª Miriam Gorender.

“O hospital psiquiátrico tem determinadas características que um CAPS não tem como repor ou substituir. Então ele tem um médico psiquiatra plantonista 24 horas, nenhum CAPS tem isso. Ele tem um ambiente protegido que o CAPS não tem. E quando eu falo ambiente protegido, é por exemplo, sem possibilidade do paciente ter meios para se matar ou matar outras pessoas. Sendo que quando o paciente é internado, a indicação para o internamento, a indicação técnica para o internamento hospitalar vai ser sempre risco iminente para a vida do paciente, ou de terceiros, ou de dano grave”, defende a especialista.

Na outra ponta da discussão, os defensores do modelo Caps ressaltam a humanização dos Centros, em contraponto com os antigos manicômios, onde, em muitos casos, foram registradas cenas degradantes.

O Caps tem em sua filosofia um serviço de saúde de caráter aberto e comunitário, que atua para reintegração do paciente à sociedade e à própria família.

“O Caps é um serviço porta aberta. Aqui os usuários são tratados como uma pessoa, não apenas um paciente. Não se trata apenas de um serviço médico. Há um resgate da cidadania, um tratamento integrativo, um olhar enquanto pessoa”, afirma Karla Rocha, do Caps Sadi Carvalho. A colega de Centro, Ana Clara Parízio, faz coro.

“A pessoa encontra aqui um tratamento multidisciplinar. Do psiquiatra ao terapeuta ocupacional, do assistente social ao nutricionista. Aqui há um cuidado nutricional, educação física, oficinas, artes. É um cuidado completo”, afirma.

AMANDA & KENN VICTOR - UMA HISTÓRIA DE AMOR QUE COMEÇOU NO CAPS



“Parece até zoeira mas é real: o cara me conheceu no Caps e hoje em dia me trouxe para morar com ele no Japão até temos um filho”. A frase, de um post no Instagram é da pernambucana Amanda Teresa, 22 anos. O “cara” a quem ela se refere é o esposo, Kenn Victor, 26 anos, músico e atleta de ascendência japonesa. Juntos eles vivem uma história que mais parece um roteiro de um dorama, como são chamados os seriados asiáticos.

Consultas em unidade do Caps e uma lista de distúrbios que inclui ansiedade, depressão, síndrome do pânico, bipolaridade e TDAH não são exatamente atributos românticos para uma história de amor. Mas foi nesse turbilhão que nasceu o relacionamento desse casal, que hoje mora Gunma, um distrito na ilha Honshu, no Japão, com o filho de dois anos.

“Eu a via no Instagram após uma amiga dela mostrar o meu perfil pra ela. Morávamos bem distante um do outro. Eu em Porto de galinhas e ela em Paulista. O trajeto demorava em média 3 horas e eu alternava entre ônibus, metrô e Uber dependendo do horário. Quando eu que ia pra lá coincidiam com os dias de consulta dela no CAPS. Nossos primeiros meses juntos foram nessas idas ao CAPS. E eu tinha o maior prazer de acompanhar e sentir que estava ajudando a cuidar dela e fazer ela melhorar”, conta Kenn, em entrevista pelo WhtatsApp, no intervalo do trabalho em uma fábrica de autopeças.

Se ele hesitou namorar uma jovem “problemática”? “Ela estava tratando ansiedade, depressão, síndrome do pânico, bipolaridade e TDAH. Como eu já tinha conhecimento de todos esses transtornos e também tinha muito sintomas de ansiedade e depressão e TDAH (mas nada diagnosticado de fato porque não fazia terapia), não era algo que me dava medo ou algo do tipo. Então sempre fui muito compreensivo e empático, fatores que acho muito importantes para se relacionar com alguém assim, e então conseguia lidar bem com essa situação”, explica.

Mas ao contrário da postura do hoje marido, Amanda enfrentou preconceitos de outras pessoas. “A Amanda tem uma incrível trajetória de luta e superação. Desde os 14 anos ela faz terapia e tomava medicamentos de tarja preta e vermelha. A maioria das pessoas do circulo social dela não entendiam e eram ignorantes sobre saúde mental. Então falavam os maiores clichês que os ignorantes falam: falta de Deus, que se drogava (por causa das crises de bipolaridade), que precisava apanhar e etc”, observa o jovem, citando estigmas bem comum, como já mostrado na reportagem.

Otimista e cheio de empatia, mas consciente de que os memes geralmente são usados de forma negativa, Victor dá uma dica de marketing.

“Os responsáveis pela propaganda do CAPS deveriam até se aproveitar de como tá sendo muito usado no momento, para também tirar o lado da desinformação de que lá só tem ’maluco’. Quem bota o CAPS ou pessoas com transtornos mentais em piadas deve tomar extremo cuidado com as palavras e a intenção do humor”.

EBOOK EXPLICA TUDO SOBRE A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL