segunda-feira, 27 de junho de 2011

Violência contra os camponeses do Araguaia: a história que se quer apagar


Por Juliana Sada
Guerrilha do Araguaia - Marco histórico pela liberdade
A Pública – Agência de Jornalismo Investigativo produziu uma série de reportagens sobre a Guerrilha do Araguaia, focando no impacto da repressão militar na vida dos camponeses da região. As matérias são baseadas em depoimentos de camponeses e ex-soldados que compõem os 149 volumes do processo judicial que investiga do desaparecimento dos guerrilheiros e também em entrevistas inéditas.
Nos relatos, episódios de terror e violência extrema. Muitas camponeses tiveram sua vida desestruturada e foram obrigados a prestar serviços ao Exército, não apenas denunciando mas também buscando e executando os “paulistas”, como os guerrilheiros eram chamados pelos camponeses. Muitos que não colaboravam foram presos, torturados e executados. Com as prisões em massa e falta de celas, os camponeses eram colocados em buracos abertos nos terrenos das prisões.
De lá, os camponeses eram retirados para “dançar” sobre latas abertas ou tições de fogo, forçados a beber água com sal ou sabão quando tinham sede, humilhados e espancados em rodas de “taca”(surra). Os que se prontificavam a colaborar, denunciando ou mesmo prendendo os guerrilheiros, recebiam 1.000 cruzeiros por captura.
Sobre a caça aos guerrilheiros, há relatos que indicam que muitos foram decapitados, seus corpos ficaram abandonados na mata e suas cabeças eram exibidas à população. No vídeo, Sinésio Martins,  camponês que foi preso e forçado a servir ao Exército, conta como foi enviado à mata para trazer o “bico de papagaio”, expressão para cabeça, de guerrilheiros.
Operação Limpeza
Depoimentos revelam também que em 79, já após o fim da guerrilha e da retira oficial das tropas militares, o Exército conduziu uma operação para dificultar uma possível busca de corpos. Muitas ossadas foram desenterradas e levadas para outros locais ou submetidas a ácidos ou queimadas, e os restos jogados em distintos locais. Os oficiais envolvidos trabalhavam à paisana e se apresentavam como “doutores”. Relatos dão conta que dessa operação participaram o Major Curió, que comandou a operação no Araguaia, e Romeu Tuma, que na época trabalha no Dops.
Abel Honorato de Jesus, mateiro que trabalhou para o Exército, conta que o trabalho de Tuma era “embalar e resgatar os corpos” e que vinha para os “operações das mortes”. O ex-soldado Antonio Adalberto Fonseca conta que quando “doutor Silva”, como era conhecido Tuma, aparecia “era porque ia morrer ou já tinha morrido gente”. Os entrevistados afirmam que só descobriram sua identidade muita tempo depois: “Quando eu vi ele na tevê, pensei: ‘ah, olha o doutor Silva’”.
Uma pesquisa revela que houve operações “de limpeza” após o fim da ditadura, chegando até os anos 90.
O livro “Habeas Corpus – Que se apresente o corpo”, da Secretaria dos Direitos Humanos, cita um relatório realizado pelo ex-ministro da Defesa, José Viegas Filho, que faz referência a “haver ocorrido, entre 1988 e 1993, a denominada ‘Operação Limpeza’. [...] Segundo depoimentos, as ossadas, após terem sido retiradas de suas covas, foram submetidas a ácidos e queimadas. Os fragmentos restantes teriam sido enterrados em local incerto ou jogados nos rios da região [...]”.

Militares-cobaias

Os ex-soldados Valdim e Guido, entrevistados pela Pública, pedem indenização pelo “treinamento”  que receberam durante o período. Sob o argumento de estarem sendo treinados, os militares teriam testado neles o que seria usado contra presos políticos.
“O que era para aplicar nos guerrilheiros aplicavam primeiro em nós. Me lembro de coisas como ser jogado em um buraco pequeno junto com outros soldados despidos, e aí passavam uma palha com fogo queimando por cima. Faziam a gente beber lama, sangue. Bebi muito sangue de porco, de galinha. E se chorasse, era porque era mariquinha”, recorda Guido, que serviu na base de Xambioá. Os soldados também eram jogados em formigueiros para aprender a não sentir dor e colocados na “cruz”. “Amarravam os braços e pernas e ficávamos crucificados, pendurados, feito Jesus”, conta Valdim. Na região de Marabá, os moradores e ex-soldados comentam a história do soldado Messias, que após os treinamentos ficou louco e passou a matar animais para beber seu sangue.
As reportagens completas estão disponíveis no site da Pública.


Nenhum comentário:

Postar um comentário