segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A violência está maqueada



Um problema estatístico maqueia a realidade criminal no estado do Rio de Janeiro. Enquanto os últimos dados mostram uma redução de 28% dos homicídios no estado entre 2006 e 2009, um estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) indica que essa queda foi de apenas 3,6%, se consideradas as mortes indeterminadas. Para o autor da publicação, Daniel Cerqueira, grande parte do problema está com a polícia.
A pesquisa fez uma análise dos casos das mortes indeterminadas, que tiveram um aumento de 116% desde 2007. O pesquisador buscou o histórico dessas vítimas, até então desconhecido pelos institutos médicos responsáveis, e comparou com o perfil já conhecido das mortes por acidente, homicídio e suicídio. Os assassinatos geralmente ocorrem nas ruas, contra homens jovens, pretos ou pardos. Suicídios acometem em sua maioria homens brancos de 45 anos. E acidentes, idosos. Ambos, dentro de casa.
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A partir desse modelo e utilizando técnicas estatísticas, Cerqueira pôde concluir que a maioria das mortes indeterminadas se enquadra no perfil da vítima de homicídio. Em 2009, por exemplo, são mais 3.165 aos já 5.064 homicídios registrados. “Nós fizemos um trabalho que o Instituto Médico Legal e a polícia deveriam fazer, que é determinar qual foi a intenção do incidente”, diz Cerqueira.
A deterioração constatada do sistema de dados a partir de 2007 podem ser explicadas tanto por uma desorganização no sistema que, “de uma hora para outra ficou completamente incapaz de classificar corretamente as mortes” ou por fraude, diz Cerqueira.
“Para mim, o sistema de produção sobre as causas de morte violenta é feito para não gerar informações de qualidade. Parte tem a ver com o Instituto Médico de Legal, mas grande parte deste problema está com a polícia do Rio”, diz ele. Cerqueira enxerga nos dados incongruentes uma falta de incentivo para se ter informações de qualidade. Para o pesquisador, o Instituto Médico Legal não tem a estrutura necessária para averiguação dos dados. Além disso, a polícia realiza uma espécie de boicote ao trabalho do médico legista. “Quando ocorre um crime violento com vítimas fatais, a própria polícia é a primeira a desfazer a cena do crime, deslocando o corpo da vítima já morta para o hospital, e assim extingue os elementos materiais que permitiriam a identificação precisa das circunstâncias em que o delito foi cometido.”
Para Cerqueira, essa realidade se insere no próprio contexto da Polícia do Rio de Janeiro. “Grande parte da policia do Rio está comprometida com o crime, com grupos de extermínio, com um grande cooporativismo. Você não tem instrumentos para ter informações de qualidade, e sim todo incentivo para não produzir essas informações que podem eventualmente complicar alguém mais à frente.”
“Quanto menos informações houver determinando as circunstâncias do evento criminal, menores os riscos para os policiais envolvidos nos crimes e maiores são os lucros privados, seja por origem ilícita, seja proveniente da premiação do Estado”, diz o estudo.
Os dados alterados, no entanto, são utilizados como confiáveis para retratar uma realidade inexistente. A própria Onu, em seu último relatório sobre homicídio no mundo, utiliza essas informações para ressaltar a queda de homicídios no Rio de Janeiro. Para esse tipo de ocorrência, há bases de dados tanto da Polícia quanto do Ministério de Saúde, que foram utilizados pelo IPEA. E apesar das falhas, possuem um grande reconhecimento internacional.
“Não confio nos dados da polícia. Por isso utilizei a base de dados do Ministéro da Saúde na produção desssa informação. Mas eles utilizam informações da polícia. E é aí que está o problema”, afirma. Cerqueira lembra também que a taxa de elucidação dos homicídios é muito baixa, com apenas 8% dos dados solucionados.

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