sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Cuti: A empáfia do poeta Gullar

Por Luiz Silva Cuti*
Por conta da publicação, em quatro volumes, da Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica, organizada pelos professores Eduardo de Assis Duarte e Maria Nazareth Fonseca, seja pela apresentação gráfica sofisticada da obra, seja pelo seu aporte crítico envolvendo profissionais de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, a questão de ser ou não ser negra a vertente da literatura brasileira que compõe seu conteúdo tem trazido à tona manifestações que vão desde respeitosas e aprofundadas abordagens até esdrúxulos pitacos de quem demonstra sua completa ignorância do assunto, má vontade e racismo crônico. Neste último caso está o que publicou Ferreira Gullar, com o título "Preconceito cultural", no caderno Folha Ilustrada, do jornal Folha de São Paulo, de 04/12/2011.
O autor do Poema Sujo, no qual compara um urubu a um negro de fraque, deve estar estranhando (estranheza é a palavra que ele emprega) que o negro não é uma simples idéia desprezível, mas um imenso número de pessoas, cuja maior parte, hoje, não come carniça, e que aqueles ainda submetidos à miséria mais miserável jamais quiseram fazer o trabalho daquela ave, e que se a "a vasta maioria dos escravos nem se quer aprendia a ler", como diz ele, não é porque não queria. Era proibida. Há vários dispositivos legais e normas que comprovam isso. Havia uma vontade contrária. Há e sempre houve um querer coletivo negro de revolta contra a opressão racista.
Quanto a existir ou não literatura negro-brasileira, deixemos de hipocrisia. No mundo da cultura só existe o que uma vontade coletiva, ou mesmo individual, diz que sim e consegue vencer aqueles que dizem não. Foi assim com a própria literatura brasileira e os tantos ismos que por aqui deixaram seus rastros. Características, traços estilísticos, vocabulário etc, que demarcam a possibilidade de se rotular um corpus literário, no tocante à produção literária negra, já vem sendo estudados. Basta lembrar três antologias de ensaios: Poéticas afro-brasileiras, de 2002, com 259 páginas;
A mente afro-brasileira (em três idiomas), de 2007, com 577 páginas; Um tigre na floresta dos signos, de 2010, com 748 páginas, além de outras reuniões de textos, estudos, dissertações e teses. Por outro lado, se Cruz e Sousa e Machado de Assis, como argumenta Gullar "foram herdeiros de tendências literárias européias", e, portanto, "não se pode afirmar que faziam literatura negra", o que dizer de Lépold Senghor e Aimé Césaire, principais criadores do Movimento da Negritude, embora herdeiros da tradição literária francesa? A literatura não é só resultado de si mesma. Só uma perspectiva genética tacanha desconheceria outras influências do texto literário, tais como a experiência existencial do autor, sua formação política e ideológica, o contexto social, entre tantas mais. Nenhum escritor é obrigado a reproduzir suas influências.

*Luiz Silva (Cuti), escritor, doutor em literatura brasileira.












Um comentário:

  1. Muito Bom este post Jorge. Acho que a crítica a alguns dogmas colocados sobre a literatura brasileira começam a cair por terra. Gullar tem que se ligar, os tempos são outros. Não se pode admitir ideias que só inflam a negação do negro. A influência cultural oriunda da cultura europeia não quer dizer que a negação do contexto em que vivemos.
    Uma abraço.
    Robson

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