sábado, 10 de dezembro de 2011

Memórias de um alienado: Eu também já fui papagaio da direita...


Aproveite esse  final de semana , para degustar  03 textos do blogueiro progressista André Lux, oficial do Blog TUDO EM CIMA, onde ele aborda para reflexão a alienação da "classe média" desde a juventude até os dias atuais, numa tentativa de reeducar o olhar diante das transformações da nossa sociedade. Coloco o primeiro texto e continue lendo os outros dois, nos links logo abaixo da postagem inicial.

1ª Parte: Eu também já fui papagaio da direita...



Quem visita meu blog e lê meus textos com certeza deve pensar que sou socialista desde o meu nascimento e fui criado por pais radicais de esquerda, que fizeram treinamento de guerrilha em Cuba e lutaram contra a ditadura militar...

Nada mais longe da verdade. Muito pelo contrário.

Nasci em uma típica família de classe média baixa, mas que sonhava pertencer à elite mundial. Daí que, durante toda minha infância e juventude, morei em casas (alugadas) em bairros semi-nobres a preços absurdos, enquanto era transportado numa Brasília amarela e via meus pais desesperados tentando cobrir o rombo no cheque especial todo santo mês.

Mas, como que para provar nossa posição entre a elite, eramos sócios do segundo clube no nível hierárquico sócio-econômico da cidade, o Tênis Clube de Campinas. Sim, porque o número 1 na escala social era a Sociedade Hípica, cuja maioria dos sócios podres de ricos também freqüentava o Tênis, embora o contrário não acontecesse (exceto quando éramos convidados para algum casamento realizado no gigantesco salão de festas daquele clube - não por acaso adaptado em uma Casa Grande de algum antigo barão do café).

Sempre fui cercado por parentes e amigos que, mesmo sendo honestos e trabalhadores, não tinham a visão crítica necessária para compreender como as coisas funcionavam. Meus familiares limitavam-se a repetir o que ouviam, liam e viam na mídia, especialmente na rede Globo, nas revistonas e nos jornalões (que apoiaram o golpe militar, embora hoje finjam que não). Assim, tinham medo de comunistas, pois diziam que comiam criancinhas e dividiam a casa das pessoas ao meio (o fato de não termos imóvel próprio não parecia contradizer esse receio), achavam que Che Guevara era um “baderneiro profissional” (ser pago para fazer baderna, isso é que é profissão!), acreditavam que o Brasil tinha tantos problemas “porque pobre não gosta de trabalhar” (usar o salário mensal só para pagar contas e cobrir o rombo no cheque especial, imaginavam, não era coisa de pobre) e por aí vai.

Nem preciso dizer que, obviamente, eu também repetia tudo isso e acreditava no que estava falando, mesmo sem ter o menor embasamento teórico ou prático para tanto. Minha vida escolar foi uma piada. Estudei em colégio particular (de freiras!) do maternal ao ensino médio. Para se ter uma idéia do desastre que isso significa, nasci em 1971 e cheguei até o final da minha fase educacional básica sem nem saber que vivíamos sob um regime ditatorial ilegal e imoral.

Enquanto eu brincava no clube despreocupado, assistia à televisão ou passava a manhã inteira decorando datas e fórmulas matemáticas de maneira acrítica e alienante, centenas de brasileiros e vizinhos de continente eram torturados e mortos simplesmente por se opor àqueles regimes de direita. No máximo, eu ouvia algo como “Bem feito pra esses baderneiros, quem mandou serem do contra?” quando alguém tocava no assunto.

Se vocês acham que estou mentindo, relaciono abaixo fatos que marcaram essa fase lamentável da minha existência:

1) Vi o filme “Comando para Matar”, aquele em que o Arnoldão detona sozinho um exército inteiro de cucarachas sul americanos, nada menos do que seis vezes nos cinemas (e contava para todo mundo orgulhoso!);

2) Iniciava comentários com as frases “Eu vi na Veja” ou “Assisti na Globo”;

3) Ridicularizava quem dizia que existia racismo no Brasil, mesmo não tendo nenhum amigo ou conhecido negro, exceto a empregada que a gente desprezava, e repetindo “piadas” do tipo “sabe qual a diferença entre um negro e uma latinha de (censurado)?”;

4) Sentia prazer em irritar petistas, repetindo jargões que são usados até hoje (“Lula é vagabundo, ex-presidiário, arrancou o dedo para não precisar mais trabalhar”, “Sindicalista só sabe fazer baderna”, “Petista é tudo igual", "Se gosta tanto de Cuba, por que não vai prar lá plantar cana??”). Isso mesmo sem conhecer absolutamente nada de política, sociologia ou história;

5) Acreditava que o Stallone, o Arnoldão e o Chuck Norris lutavam pela liberdade, pela democracia e pela justiça para nos salvar dos vilões comunistas (eu tinha até pôster deles no meu quarto) e que os Bandeirantes foram corajosos desbravadores dos sertões brasileiros;

6) Vivia falando mal do Brasil e do “povo” brasileiro (do qual eu não fazia parte, é claro, afinal meus bisavôs eram europeus) e começava a concluir esse tipo de argumentação com a frase “Ah, mas lá nos Estados Unidos...”;

7) Passava a tarde inteira e o domingo inteiro na frente da TV, assistindo qualquer porcaria, e só ia dormir depois de ver o Fantástico, sempre deprimido por lembrar que no outro dia voltavam as aulas e eu não havia feito a lição de casa nem decorado a matéria para as provas;

8) Cantava a música “Vamos Construir Juntos!” (que eu sei de cor até hoje!) e colecionava o álbum de figurinhas do “Paulistinha”, que faziam parte do marketing institucional do governo ditatorial para nos convencer que o Brasil era "o país do futuro";

9) Assistia às novelas da rede Globo, embora ficasse falando mal delas (porque naquela época, macho que era macho não via novela, a não ser para reclamar);

10) Ficava realmente preocupado com a situação da Ponte Preta no campeonato paulista;

11) Comemorava toda vez que um novo McDonald’s era inaugurado no Brasil, pois era sinal de que o país estava progredindo (sim, eu também acreditei na ladainha sobre as maravilhas da "globalização neoliberal");

12) Queria ser astronauta da NASA quando crescesse (mas, desisti depois que me falaram que eles têm que ser bons em matemática);

13) Proferia afirmações como "não voto em partidos, mas em pessoas" (isso porque eu nem podia votar!), pois tinha aprendido que partidos eram coisas ruins e inúteis (assim, quando algum político de direita caia em desgraça, era culpa só dele, não do partido), especialmente aqueles que defendiam ideologias de esquerda;

14) Ideologia também era outro palavrão, coisa de baderneiro profissional, por isso eu também dizia, todo faceiro: "Não existe esse negócio de esquerda e direita, isso é coisa de gente revoltada que não gosta de trabalhar e só sabe ser do contra!".

Isso só para ficar no básico. Tenho certeza que você já testemunhou alguém falando ou fazendo coisas parecidas, certo?

Sinceramente, eu era um caso quase sem salvação. Mas a sorte sorriu para mim. Não fosse por alguns fatos que aconteceram em minha vida e serviram para abrir meus olhos, fatalmente eu seria hoje aquele mesmo adolescente alienado, ignorante e raivoso. Só que pesando 50 quilos a mais, com barba na cara e com um daqueles adesivos nojentos quatro-dedos dizendo "Fora Lula!" colado no vidro do carro (cuja prestação pagarei até 2010) .


Leiam aqui a PARTE 2 das minhas "Memórias de Um Alienado": .


Leiam aqui a PARTE 3 das minhas "Memórias de Um Alienado".

Fonte: Blog TUDO EM CIMA

3 comentários:

  1. Muito bom! Pura verdade! Voce descreveu 99% da classe media! Parabens pelo texto, tive tudo para ser apolitico como meus pais, sou de 1970. Mas por conta propria venci essa peressao social.

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  2. Refleti bastante sobre esse texto, parabéns ao autor .

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