segunda-feira, 25 de junho de 2012

O machismo da linguagem

As palavras têm poder. Muitas vezes não paramos para pensar o quanto elas podem refletir a sociedade na qual vivemos. Somente quando lidamos com uma linguagem sexista percebemos isso, porque, uma vez associada intrinsecamente à nossa cultura, a linguagem representa a forte influência do patriarcado.

Na quinta, 21 de junho, foi dia da Campanha por uma Educação não Discriminatória. Organizada desde 1991, pela REDEM (Rede Latino-americana de Educação Popular entre Mulheres), a Campanha passou a ter esse nome somente em 1998, antes tinha a denominação de “educação não-sexista”. Porém, percebeu-se a necessidade de abranger o conceito de educação, porque a mulher sofre diversos graus de discriminação de gênero quando observadas sua classe social, idade, etnia, raça, sexualidade, etc.

Muitos ainda defendem a tese de que a nossa linguagem não é sexista, algo que possui não só um argumento fraco como improvável. Basta fazermos a simples análise: Por que o masculino deve sobrepor o feminino? Por que “alunos” está correto quando nos referimos a uma sala de aula com 10 meninas e 4 meninos? Se não há sexismo, por que então o feminino não pode abranger também o masculino?

A resposta pode ser encontrada na própria construção histórica, onde o homem sempre aparece enquanto sujeito realizador de grandes feitos. As mulheres foram colocadas em segundo plano, trancafiadas no ambiente doméstico e mesmo aquelas que não se contentaram com o papel social imposto, foram esquecidas ou tiveram pouca visibilidade na história.

Falamos de Revolução Francesa, mas raramente de Olympe de Gouges. Conhecemos Olga e Zuzu Angel por causa dos filmes lançados recentemente. Patricia Galvão, a Pagu, geralmente é vista somente como a esposa de Oswald de Andrade. Isso sem falar das duas grandes guerras mundiais, onde as mulheres desempenharam o papel que era ocupado somente pelos homens nas indústrias e nos demais setores da sociedade, mas não são citadas nos livros de História. Na História do mundo as mulheres parecem não ter participado, mas isso não é verdade, sabemos que elas sempre estiveram lá, mas as palavras as esqueceram.

Quando digo que as palavras tem poder, me refiro a essa invisibilidade. A sermos educad@s a associar essa sobreposição à ordem natural das coisas – ou naturalizada, melhor dizendo. Acostumarmos, inconscientemente, com a idéia de que o homem construiu a história, de que alunos abrange alunas, que usar ‘presidenta’ não causa impacto e que ‘presidente’ serve para os dois, sendo até mais agradável de ouvir e falar – como alguns afirmam. Penso: presidenta soa estranho ou uma mulher no poder é que soa?

Segundo Mikhail Bakhtin, temos a “influência da cultura sobre a linguagem, com a ação da linguagem sobre o desenvolvimento da cultura”. O que é de certa forma preocupante, porque caso não venhamos a nos empoderar das palavras este ciclo pode nunca ser quebrado, pois é através delas que pensamos. Educamos as crianças através dessa linguagem carregada de machismo, e o pior, não percebemos.

Essa “regra geral” gramatical, de que o plural é masculino, contém mais uma característica que considero perigosa. É uma regra que pressupõe sermos todos iguais, mas não somos e sabemos disso. Mulheres ganham menos que os homens. Somos, em maior número, vítimas de violência doméstica. Convivemos com jornadas duplas e triplas, além da divisão sexual do trabalho. Porque, os filhos, literalmente, são da mãe!

Podemos dizer que a evolução histórica dos direitos da mulher tem sido lenta. Ainda não temos direito ao nosso corpo, não temos o devido espaço na política brasileira e quando atingimos patamares antes impensáveis, somos discriminadas. Seja pela posição que ocupamos, por nossa raça ou sexualidade.

Recentemente, foi a provada a Lei 12.605/2012, que determina a flexão de gênero nos diplomas universitários e podemos considerar isso um avanço, na Linguagem e na História das Mulheres no Brasil. Porém, ainda há muito o que se lutar, principalmente no tocante à discriminação e violência contida no significado das palavras.

A Cia Kiwi de Teatro, com a peça Carne – Patriarcado e Capitalismo, faz uma análise fantástica sobre a violência de gênero, mostrando, inclusive que a flexão de gênero de determinadas palavras nem sempre conota a mesma coisa, muito pelo contrário:
“Homem Público: homem que ocupa um papel social importante; Mulher Pública: Puta!
Vadio: que não faz nada; Vadia: Puta!
Atirado: Disponível, impetuoso; Atirada: Puta!
Atrevido: Ousado; Atrevida: Puta
Um qualquer: fulano, beltrano; Uma qualquer: Puta!”

Na quinta, em todo o mundo, as mais diversas formas de expressão da linguagem como: centenas de milhares de textos, poemas, letras de canções, desenhos, peças de teatro, concursos, programas de rádio e TV, publicações, seminários, etc.; foram divulgadas como uma forma de mostrar que homens e mulheres devem ser iguais em direitos. Esta é minha contribuição para a Campanha. Espero que a sua seja mudar a história através da linguagem, porque não podemos silenciar diante da opressão.


Reprodução com atualização: Blogueiras Feministas

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