quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Inveja do Uruguai


Sei que a inveja não é uma coisa boa, mas quando li que, por 17 votos a favor e 14 contra, o Senado uruguaio aprovou na quarta-feira projeto de lei que descriminaliza o aborto no país, confesso que senti um certo mal-estar por ver que esse pequenino vizinho do Brasil é capaz de estar anos-luz à nossa frente em certas questões, como nesse caso - ou na discussão que o Parlamento uruguaio faz em relação à estatização da produção e do comércio da maconha.

Os méritos para esses avanços sociais vão, em grande parte, para o presidente José Pepe Mujica, o ex-guerrilheiro Tupamaro que está trazendo o Uruguai para a modernidade. 

Mujica é um caso raro entre os governantes latino-americanos, talvez de todo o mundo. O seu ar bonachão, de alguém completamente desprendido dos ritos do cargo, esconde um caráter tenaz de quem pretende fazer uma transformação profunda em seu país.

Mujica ficou famoso quando a imprensa mundial destacou que ele recebe US$ 12.500 mensais por seu trabalho como presidente, mas que doa 90% de seu salário para ONGs e pessoas carentes. Seu carro é um Fusca e ele mora num sítio nos arredores de Montevidéu e para ele o restante que sobra do seu salário é o suficiente para se manter. “Esse dinheiro me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios que vivem com bem menos”, diz.

Mas voltando à inveja...

Não posso deixar de lamentar que no Brasil, uma superpotência econômica, territorial e demográfica se comparado ao Uruguai, a campanha eleitoral para a capital do Estado mais rico da federação, e ela mesmo uma das metrópoles mais importantes do mundo, esteja centrada em um tema medieval como a homossexualidade, com um dos candidatos se comportando como um fanático de extrema-direita, desses que a gente só acreditava existir nas piores obras de ficção.

Enquanto isso, o Uruguai se transforma no segundo país da América do Sul (depois da Guiana) a permitir o aborto por qualquer mulher que deseje fazê-lo, até a décima segunda semana de gestação.

Antes de entrar em vigor, a lei precisa passar por sanção do presidente Pepe Mujica, mas ele já avisou, em reiteradas declarações, que não vetará a decisão tomada pelo Parlamento.

De acordo com estimativas de organizações sociais são feitos cerca de 30 mil abortos por ano no Uruguai. Segundo o Ministério da Saúde, no ano passado, 46.706 crianças nasceram no país.

O projeto não legaliza o aborto, mas sim impede que a interrupção da gravidez por parte de cidadãs uruguaias seja tratada como crime. A decisão final pode ser tomada pela gestante depois de ter sido observado um processo obrigatório de consulta a três profissionais vinculados ao sistema de saúde local e desde que o aborto seja praticado por centros de saúde registrados.

Entre 1934 e 1938, o aborto foi legal no Uruguai. E, desde a reabertura democrática (1985), todas as legislaturas apresentaram projetos a respeito.

O projeto aprovado é resultado de um extenso vaivém do texto na Câmara e no Senado uruguaios. Em 2008, o então presidente Tabaré Vázquez vetou os artigos da Lei de Saúde Sexual e Reprodutiva que estabeleciam a descriminalização do aborto.

Agora, com Pepe Mujica, as coisas vão mudar.



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