quarta-feira, 10 de julho de 2013

Mulher: Como fazer um aborto legal

Semana passada saiu uma boa notícia no jornal: o Senado aprovou um projeto que assegura atendimento e tratamento em todos os hospitais do SUS para vítimas de estupro (falta a Dilma sancionar). 
Que ótimo, né? Só que um montão de gente respondeu incrédula ao meu tweet: ué, e já não é assim? 
Não, não é. Assim como nos EUA (com a diferença que lá o aborto é legalizado há quarenta anos), só porque o aborto é permitido por lei, não quer dizer que a mulher conseguirá realizá-lo. 
Então vamos só lembrar quem pode realizar um aborto legal aqui no Brasil. Por legal (só pra esclarecer aos energúmenos) eu não quero dizer bacana ou divertido, porque não existe mulher na face da Terra que acha cool fazer um aborto. Legal é porque está na lei. Apesar de vivermos num dos países com legislação mais restritiva do planeta em relação à interrupção da gravidez (apenas por sermos o país mais católico do mundo, o que não combina com Estado Laico), ele ainda é permitido em alguns poucos casos. 
Digo ainda porque, se o nefasto Estatuto do Nascituro for aprovado, aí caixão: o aborto será proibido em todos os casos, ou dependerá da decisão do juiz caso a caso. 
Mas, por enquanto, é assim (usei principalmente o texto de um folheto idealizado pelaCFemea e outras instituições feministas):

Toda mulher pode realizar o aborto legal, seguro e gratuito se quiser realizá-lo. O artigo 128 do Código Penal Brasileiro autoriza o aborto -- sem nenhuma punição -- quando:
- a gravidez põe em risco a vida da mulher. A gestante pode então realizar o aborto em qualquer hospital ou maternidade. 
- a gravidez for resultado de estupro. Atenção: a mulher não precisa ir à delegacia fazer o boletim de ocorrência nem pedir autorização judicial. Ela deve ir direto ao hospital ou maternidade que atende à mulher vítima de violência. Sua palavra deve ser considerada suficiente. Tudo que a mulher precisa levar é um termo de consentimento escrito, declarando expressamente que quer interromper a gestação, autorizando a equipe de saúde a realizar o aborto. Entretanto, o aborto só pode ser realizado até a 20a semana de gestação.
(No caso de meninas com menos de 14 anos, o Código Penal determina que, mesmo se a criança ou adolescente consentiu, pode ter havido violência. Se a menina engravidar, portanto, ela tem direito ao aborto. Ela deve pedir ajuda aos pais, se possível, para que a levem ao hospital. Se não for possível, ela deve procurar diretamente o hospital).
- a gravidez é de um fetocom anencefalia (sem cérebro). A mulher deve ir direto ao hospital. Com o laudo assinado por dois médicxs, o aborto do feto anencéfalo pode ser realizado a qualquer tempo da gestação. Não é preciso recorrer ao poder judiciário para obter autorização.
- a gravidez for de um feto com grave malformação. Neste caso não basta a mulher se dirigir a um hospital. Se ela tiver o parecer médico, pode pedir uma autorização do juiz para realizar o aborto. 

Certo? Vamos divulgar esses poucos casos em que o aborto é legal no Brasil, porque boa parte das mulheres desconhece esses direitos. E há enorme desinformação por parte dos profissionais de saúde também. Afinal, você costuma ver muitas matérias sobre como e quando realizar um aborto legal?
Por exemplo, pegue um grande site do governo federal. Procure no, sei lá, Portal Brasil por aborto. Ish, nada, né? Ok, talvez esteja nesta página específica sobre Saúde da Mulher. Ops, não. Entre as categorias, nenhuma que lembre aborto.
Bom, vai saber? Talvez na parte da violência contra a mulher, o governo diga que uma vítima de estupro pode abortar, e explique onde? Nada. É como se aborto legal não existisse no Brasil. E, na busca do site, digitar a palavra aborto vai te levar a escassas e velhas notícias.
Não foi à toa que, menos de um mês atrás, a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, declarou que os "serviços de aborto legal estão absolutamente jogados às traças". O Brasil, esse país continental, possui apenas 65 instituições públicas que realizam o aborto legalizado.Esta tabela mostra sua distribuição desigual pelos Estados:
E este mapa, que eu tirei do ótimo dossiê de 2005 feito pelo Católicas pelo Direito de Decidir, dá uma ideia da dificuldade que é pras mulheres realizarem um aborto legal (imagine quem mora em Roraima, por exemplo):
Vi a notícia de que, em abril do ano passado, o Ministério da Saúde havia prometido ampliar, até dezembro de 2012, o número de hospitais que realizam aborto legal, de 65 para 95. 
Mas depois nunca mais se falou no assunto e, como esta excelente reportagem do Diário de Pernambuco é recente e continua falando de 65 hospitais, é porque a promessa ainda não se concretizou (perceba meu otimismo no ainda). 
tente encontrar quais são esses hospitais. Eu passei horas procurando e não encontrei nenhuma lista (me avise se encontrar). Em São Paulo, eis os endereços. Esses são os cinco hospitais que realizam o aborto em Recife. Em Belo Horizontetem este. Em Salvador, tem só um, o Iperba.
Não sei se o escamoteamento de informações sobre hospitais que fazem aborto legal é mais um sinal de que o governo é refém dos fundamentalistas cristãos, ou se é uma estratégia para não estigmatizar lugares e médicxs que realizam o procedimento. Entendo que a ala no hospital em que se faz o aborto não deve ser divulgada -- ninguém merece ter fanáticos "pró-vida" atrapalhando mulheres que já chegam lá em situação de vulnerabilidade --, mas sem os endereços, como as mulheres vão saber pra onde ir? E aí eu fico pensando: se até aborto legal é tratado como clandestino, imagine quão clandestino é um aborto clandestino, e como ele abandona a mulher a sua própria sorte.
Mais algumas informações:
É a mulher quem decide se quer continuar com a gravidez ou interrompê-la, nos casos previstos por lei. Ela não pode ser coagida por seu companheiro, por médicxs, pela família, por religiosos, ou por qualquer outra pessoa a interromper ou manter a gestação. 
Nenhum profissional de saúde deve agir com julgamentos, constrangimentos, discriminação ou qualquer outro tipo de violência. A mulher deve denunciar se houver maus tratos, omissão ou negligência. O médicx não pode citar objeção da consciência. O médicx em si pode ter questões pessoais contra o aborto, e por isso não realizá-lo, mas o hospital não tem esse direito. Logo, se um médico não quer fazer um aborto legal, o hospital deve apontar um médico que o faça.
Um profissional de saúde não pode denunciar uma mulher que tenha realizado um aborto. Isso vai contra seu código de ética profissional. A Constituição Federal estabelece que o sigilo profissional é inviolável. 
Se a mulher sofrer um processo de incriminação por ter praticado um aborto, ela tem o direito de ter acompanhamento de um advogadx ou defensor público.
A mulher que for presa por abortar tem o direito de permanecer em silêncio e pode se recusar a responder qualquer pergunta, para não produzir provas contra ela mesma. Ela também tem o direito de se comunicar com um advogadx e com a família imediatamente. 

Atenção: Se uma mulher estiver passando por um aborto, seja espontâneo ou provocado, deve ficar atenta a alguns sinais e procurar o serviço de saúde mais próximo:
- dor intensa no pé da barriga;
- muito sangramento, a ponto de esgotar um absorvente em menos de uma hora;
- secreção com mau cheiro;
- febre, calafrio, e/ou muito cansaço;
- desmaio, tonturas, perda de consciência. 

Ligue grátis: 180. SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência): 192.
Mais material pra você ler: 20 anos de pesquisas sobre aborto no Brasil. E oexcepcional guia da Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), com 139 perguntas e respostas sobre aborto legal. 
Não é só pela descriminalização do aborto ou contra o Estatuto do Nascituro que precisamos lutar. É também para que o Estado cumpra o que manda a lei e ofereça a possibilidade de aborto para quem quiser.


Um comentário:

  1. Posso ajudar!
    Quem precisar de informações, enviar email para avabr0612@gmail.com

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