Foto: Iñaki Robles |
As construções das cidades hegemonicamente retiram o direito da participação social no processo de definição de sua edificação e urbanização. O planejamento urbano via de regra tem a frieza da técnica revestida de asfalto e concreto e o distanciamento da realidade social, dos espaços de memória, saberes, ludicidade e de uma ambiência saudável. Como podemos dimensionar a brincadeira enquanto elemento construtor da cidade?
As cidades vão se construindo de forma atropelada e dicotômica, a partir da lógica de acumulação, concentração e circulação do capital, se essa lógica é desigual, a tendência é que a apropriação do espaço urbano também seja, por conseguinte o direito à cidade é negado.
É preciso agir na contramão, compreendendo que a luta pelo direito à cidade é parte integrante da luta contra a produção social e a apropriação privada, em outras palavras, contra a lógica, do modo de produção de capitalista, que privatiza, excluir e estratifica acessibilidade dos bens, serviços e da inteligência coletiva produzida pela humanidade que poderia gerar cidades mais democráticas.
Nesse modelo dominante em que urbe vem sendo gestada, os espaços destinados para as crianças vão sendo abatidos. As ruas vão perdendo a sua tranquilidade, as sombras das árvores vão sendo extintas, o asfalto aumenta o barulho, a velocidade, a temperatura e os acidentes. Os espaços de integração comunitária e de trânsito humano vão sendo excluídos dos planejamentos e substituídos para espaços de automóveis. As praças existentes, em especial, as periféricas, são abandonadas e desprovidas de mecanismos integrativos. Na sua maioria, são construídas sem a devida escuta da população, mas apenas na derivação de área versus técnica, sem o tateamento das subjetividades e necessidades da população.
As crianças vão sendo escanteadas do direito à cidade, consequentemente do direito ao brincar. Democratizar à cidade é repensar como ela deve ser acessada a partir dos seus lugares e territórios e na inter-relação dos territórios, o que incluir a transversalidade da criança na sua relação com a cidade, na dimensão de compreender a necessidade de ambientes ecologicamente saudáveis, seguros, lúdicos, impulsionadores da imaginação, criatividade e do desenvolvimento cognitivo, psicomotor e afetivo.
A cidade é possível de ser planejada e refletida a partir dos seus lugares e territórios de forma integrada e com a efetiva participação popular, não como mero formalismo, mas como insdipensabilidade para a materialialização de urbanizações e edificações que tenham a coautoria e corresponsabilidade do povo que constrói cotidianamente a paisagem cultural dos seus lugares.
Entretanto, nesse processo, o saber popular deve servir como ponto de partida para o diálogo com a ciência e a tecnologia o que dialeticamente pode conceber cidades mais saudáveis e solidárias.
O planejamento da cidade pode ser uma construção coletiva, desafiadora, inegavelmente conflitante, mas deve ser um norte para constituição de uma memória coletiva e comunitária e uma escola para tomada de posição e de cuidado coletivo.
Incluir o brincar na discussão da cidade é reconhecer a brincadeira como instrumento indispensável para o desenvolvimento da criança. A partir do brincar a criança ensaia sua vida adulta e ao mesmo tempo se desenvolve na sua relação com outras pessoas e objetos. A interação gerada pela brincadeira proporciona a criança o desenvolvimento psicomotor, emocional, social, instiga raciocínio lógico, criatividade, imaginação, espacialidade, percepção e memória.
A defesa das cidades inteligentes, criativas, educativas, leitoras e lúdicas devem compor o argumento político e pedagógico para fazer balançar, escorregar e fluir a imaginação, num tempo em que as cidades se distanciam cada vez mais do seu povo e da sua participação e ganha tonalidades opacas e formas altas para as crianças acessarem.
*Alexandre Lucas: Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/Ceará.
FONTE: Portal Vermelho
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