Reprodução: Prefeitura de Aracaju |
A história dos quilombos no Brasil remonta a um passado marcado pela luta e resistência contra a brutalidade da escravidão. Surgidos como refúgios de liberdade para pessoas que eram escravizadas, os quilombos não são meramente áreas habitadas, mas sim símbolos de resistência negra.
A Constituição Federal de 1988 reconheceu o tombamento dos sítios com reminiscências históricas dessas comunidades, mas a decisão recente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em reconhecê-los como patrimônios culturais representa um marco significativo no valor histórico e cultural dessa forma de organização social. Mas o que esse reconhecimento significa para a sociedade como um todo?
“A decisão do IPHAN em reconhecer os quilombos como patrimônios culturais é de extrema importância porque o patrimônio cultural é, como diz o Professor Carlos Marés, a garantia de sobrevivência social de um povo, de uma sociedade humana, na medida em que é fruto e testemunho de sua vida”, responde o professor da Universidade Tiradentes (Unit) e Promotor de Justiça em Sergipe, Augusto César Leite de Resende.
Esse reconhecimento vai além de uma mera preservação histórica. “A cultura abrange aspectos como língua, modos de vida, culinária, vestimentas e crenças, sendo um reflexo da história e geografia de um povo. Nesse contexto, o patrimônio cultural assume um papel fundamental na garantia de sobrevivência social”, reitera.
Instrumentos jurídicos de proteção
Além do reconhecimento, há diversos instrumentos jurídicos de proteção do patrimônio cultural brasileiro, dentre os quais destaca-se o tombamento, um ato administrativo que reconhece o valor histórico-cultural de bens, no caso, os documentos e os sítios detentores de reminiscências dos antigos quilombos, que passam a ser preservados.
“Um dos pilares desse processo de tombamento é justamente assegurar o direito à memória, à justiça e à reparação, ou seja, assegurar a todos o acesso a informações relativas ao período escravocrata e, com isso, construir um sentimento coletivo de reprovação aos atos de violência praticados contra os escravizados, reconhecendo-os como importantes atores sociais que lutaram e resistiram à opressão vivenciada”, elenca.
A Portaria IPHAN 135/2023 reforça o propósito do tombamento, destacando a resistência quilombola à escravização, discriminação e violações de direitos humanos. Este reconhecimento visa também ressaltar o protagonismo da população afro-brasileira na luta pela liberdade através do quilombismo e do aquilombamento.
“A preservação desse inestimável patrimônio cultural brasileiro permitirá a visibilização da escravidão e, principalmente, de seus efeitos deletérios na vida do povo preto. Isso porque o racismo estrutural existente na sociedade brasileira é filho da liberdade, eis que a libertação não veio acompanhada de políticas públicas de inclusão social e econômica, ao contrário houve uma verdadeira política oficial de embranquecimento da população nacional, com a implementação de práticas racistas, tais como a criminalização da religião e cultura da negritude, para além do incentivo à imigração europeia, com doação de terras e facilitação de empregos para os imigrantes, o que não ocorreu com os pretos libertos”, reforça Augusto.
Preservação e reparação
A visibilidade proporcionada pela preservação dos quilombos como patrimônios culturais contribui para enfrentar o racismo estrutural enraizado na sociedade brasileira. O racismo, que impede a ascensão de negras e negros em posições de prestígio social, político e econômico, precisa ser confrontado. A preservação da memória da resistência quilombola é, portanto, um passo essencial na luta contra o racismo, permitindo a conscientização sobre os efeitos duradouros da escravidão na vida do povo preto.
“O racismo atual impede que as negras e os negros ocupem posições de prestígio social, político e econômico e visibilizar tal fato é o primeiro passo para a mudança efetiva desse cenário. Então, a preservação da memória da resistência e lutas dos povos quilombolas é essencial na luta contra o racismo”, revela.
O reconhecimento dos quilombos como patrimônios culturais não é apenas um ato simbólico, mas uma medida concreta para promover a justiça social, construir uma consciência coletiva de reprovação aos atos de violência contra os escravizados e trilhar o caminho rumo a uma sociedade mais inclusiva e igualitária.
FONTE: Site da UNIT
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