quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Retorno da Educação em Remuneração… e Cultura para uso de IA

Foto:G4Educação

O diferencial de salário-hora entre trabalhadores com ensino superior completo e os demais grupos de escolaridade – o chamado “retorno da educação”- tem caído no Brasil, mas ainda é bastante relevante. Isto é apontado por um estudo de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) antecipado a Anaïs Fernandes (Valor, 01/10/24)

No segundo trimestre de 2012, trabalhadores com 16 anos ou mais de estudo (o equivalente ao superior completo ou além) ganhavam, em média, 152% a mais do que os trabalhadores com 12 a 15 anos de estudo (médio completo e superior incompleto), o grupo escolar imediatamente anterior. Esse diferencial se reduziu em quase 26 pontos percentuais até o segundo trimestre de 2024, para 126%, de acordo com os cálculos dos pesquisadores, que fazem uso de modelagem econométrica.

“A gente não faz simplesmente uma comparação das médias de salários de um grupo contra o outro, porque existem características diferentes. A gente compara pessoas que têm experiências similares”, explica Janaína Feijó, pesquisadora do FGV Ibre e autora do estudo com Fernando Veloso, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti.

A queda dos retornos, em termos de ganhos salariais, para os mais escolarizados também se deu em relação aos todos os outros grupos educacionais (veja detalhes acima). Quiseram pontuar o ensino superior em relação ao ensino médio porque, nesse momento, ainda há muita dúvida entre os jovens se eles vão cursar ou não ensino superior e os ganhos que eles podem ter. Mas o retorno relativo de quem tinha ensino superior está decaindo independentemente do grupo educacional com que comparamos.

Essa diferença diminuir não quer dizer, necessariamente, que o rendimento de quem tem ensino superior caiu. Ele poderia, por exemplo, ter aumentado, mas menos do que nos demais grupos educacionais. “Porém, não foi isso que aconteceu. Não só a diferença em relação aos demais caiu como o próprio salário de quem ganha ensino superior também diminuiu. Houve uma perda absoluta na remuneração média de quem tem ensino superior completo. Então, foi algo mais forte e que se torna mais preocupante”.

Ela aponta que ocorreu uma queda de 11,7% no rendimento de quem tinha ensino superior completo ou mais entre o início de 2012 e o segundo trimestre de 2024. “Ocorreu uma queda depois da recessão de 2014, continuou caindo de forma muito lenta e tímida e, depois da pandemia, houve mais uma queda. Na margem, observamos alguma elevação, mas ainda está muito distante do observado em 2012”, diz Feijó.

Segundo os pesquisadores, dois fatores mais concretos e observáveis em números podem ajudar a explicar o retorno menor para os mais escolarizados. Um é o aumento da população com ensino superior. Feijó cita dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, segundo o qual o número de matrículas em cursos de graduação saltou de 1,4 milhão nos anos 1980 para 9,4 milhões em 2022 (último dado disponível).



Só entre os anos 2000 e 2022, o crescimento foi de mais de 250%. Em um período mais curto, desde 2012, em que está focada a análise do FGV Ibre, esse crescimento ainda foi de 34,2%.

“A população com ensino superior aumentou muito nos últimos 20 anos. E isso causa alterações na oferta de mão de obra. Se há aumento dessa oferta, o ‘prêmio salarial’ tende a se reduzir, porque esse recurso não está mais tão escasso. A tendência é que o salário caia”.

Em números absolutos, a população ocupada com ensino superior completo ou mais praticamente dobrou entre 2012 e 2024, de 11,6 milhões para 22,4 milhões. A proporção de pessoas com ensino superior completo na população ocupada também saltou de 13,1% no início de 2012 para 22% no segundo trimestre de 2024. “Pode ser que 22% da população ocupada ainda seja muito pouco, mas o fato é que isso pode ter afetado a dinâmica de salários”.

Outro fator que pode estar associado à redução dos diferenciais é a elevação da informalidade entre os mais escolarizados. A taxa de informalidade para quem tem 16 anos ou mais de estudo passou de 14% no fim de 2015 para 19,3% no segundo trimestre de 2024. Os pesquisadores usam a série a partir de 2015 porque é quando incorpora os conceitos de trabalhador por conta própria e empregadores com e sem CNPJ.

A redução salarial entre os mais escolarizados pode estar relacionada a esse aumento da informalidade. “Em média, trabalhos informais tendem a remunerar menos, mesmo que a gente considere pessoas com a mesma formação”.

O grupo daqueles com ensino superior completo ou mais tem a menor taxa de informalidade entre todos os níveis de escolaridade.

“Conforme os anos de educação vão diminuindo, a informalidade vai aumentando. Então, tem uma relação direta entre aumento da escolaridade e redução da informalidade. Esse fato já é bem conhecido. Nesse sentido, fazer ensino superior ainda contribui muito para a formalização, só que piorou. O que, talvez, não seja muito conhecido, é esse fato de que até esse grupo ficou menos protegido da informalidade”.

Da mesma forma, ainda que o rendimento médio dos mais escolarizados esteja menor, ele passou de R$ 7.495 no início de 2012 para R$ 6.619 no segundo trimestre de 2024, o que é bem acima dos demais grupos educacionais. O rendimento médio real habitual de quem tem de 12 a 15 anos de estudos cai para R$ 2.548 no segundo trimestre deste ano.

Como hipóteses adicionais para a queda nos rendimentos dos mais escolarizados, houve um “efeito composição” de mais graduados no mercado de trabalho oriundos de faculdades de qualidade inferior.

“Para essas faculdades, o ganho salarial pode ser menor. É possível que isso aconteça, mas é importante observar também que, para avaliar se o ensino superior foi relevante ou não, a comparação deve ser da faculdade que a pessoa fez em relação à alternativa de não ter feito faculdade nenhuma”, afirma. O estudo do professor da PUC-Rio Tomás Guanzoroli e colegas que, segundo Veloso, aponta esse “efeito composição”, de que faculdades de menor qualidade oferecem “prêmio salarial” menor, mas, ainda assim, representam ganho para os graduados.

Outra hipótese para explicar a queda salarial dos mais escolarizados é o da possível inadequação entre os profissionais formados nas faculdades e as funções que essas pessoas estão, de fato, exercendo, devido às diferenças entre a oferta de cursos da graduação e demandas da economia. Há o fenômeno da “overeducation”, quando pessoas são muito escolarizadas para as funções que estão desempenhando.

“Pode ser tudo isso. Pode ser também a situação macro do país, a economia não cresce e a pessoa com ensino superior vai trabalhar em uma função abaixo da sua capacidade e como informal. As coisas podem se juntar”.

Apesar de tudo isso, os pesquisadores do FGV Ibre destacam que o grau de instrução permanece como um fator relevante na determinação dos salários, através de padrões ocupacionais. “A gente identifica que sem ensino superior é muito mais difícil acessar as boas oportunidades no mercado de trabalho, isto é, funções que remuneram bem, e também se torna muito mais difícil progredir em posições estratégicas dentro de uma empresa”.

Exemplo disso é que 30,4% dos ocupadas com até o ensino fundamental completo ou o médio incompleto estão nas chamadas “ocupações elementares”, com rendimento médio de R$ 1.322, enquanto 48,3% das pessoas ocupadas com ensino superior completo ou mais são profissionais das ciências e intelectuais e têm rendimento médio de R$ 7.245.

Quem tem ensino superior ainda pode conseguir amortecer possíveis impactos negativos da Inteligência Artificial (IA) sobre o mercado de trabalho. Em um estudo, ela cita, pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI) identificaram que trabalhadores com ensino superior terão maior probabilidade de se adaptar à IA, porque eles acabam conseguindo utilizar a IA de forma complementar, gerando ganhos de produtividade a nível do indivíduo e a nível da empresa.

“A educação é um fator fundamental para a gente entender como anda a produtividade no Brasil e as perspectivas”, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do FGV Ibre.

O estudo do FMI estima que, no Brasil, quase 40% dos trabalhadores estão em ocupações de alta exposição à IA. Desses, quase metade (20%) está em postos com alto potencial de complementaridade.

No caso de quem tem ensino superior, os números são bem maiores: aproximadamente 80% estão em ocupações com alta exposição à IA e para 50% deles ela deverá ter um papel complementar. “A conclusão que acho que não tem dúvidas é que fazer ensino superior é um divisor de águas no Brasil. Um pouco menos do que no passado, mas ainda é e com a IA isso pode voltar a aumentar”.

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