terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O que é fundamental? O que é ser de esquerda no Brasil hoje?



Por Elias Jabbour*

Uma das características do tempo presente está na dispersão de bandeiras e certo desaparelhamento dos movimentos sociais diante de pautas que estão se impondo. Resultado direto de duas décadas de retrocesso no campo das ideias, o momento é de refletirmos sobre o que é fundamental.


Os milhares de cartazes nas manifestações na metade do ano passado apenas demonstram o caractere da dispersão de pautas. A nossa incapacidade de prever com alguma antecedência o que estava por vir expressou falta de percepção do que estava ocorrendo em nosso país. Não se percebeu que o nível atingido na contradição entre forças produtivas x relações de produção estava (e está) em um ponto limite cuja onda de violência social e proliferação de cracolândias dizem muito mais do que algumas dezenas de teses acadêmicas são capazes (ou não).

Diante de um ano especial que terá auge nas eleições gerais de 2014, vem em mente a questão que não quer calar. O que é fundamental? Eleger Dilma é prioridade máxima. Não cabe a menor tergiversação sobre isso e as razões para este apoio encerram-se na própria história recente do Brasil. Eu, sob um prisma particular, não desejo – nem para o meu maior inimigo – um país governado por um projeto como o do PSDB. Prefiro um governo que aos trancos e barrancos mantém em pé alguma perspectiva de democracia, avanço social e desenvolvimento do que algo que a imprensa golpista se orgulhe: privatização, arrocho, alienação do bem público, ultraliberalismo na economia, cacete nos movimentos sociais, volta das ordens emitidas pelo FMI e retrocesso nas relações internacionais brasileiras. 

Ao menos do jeito que as coisas estão, algum acúmulo estratégico de forças é garantido. E isso não é pouco diante do que pode vir. Isso é essencial, acumular forças. Eis aí outro ponto fundamental numa visão de acúmulo de forças, algo que só se dá partindo de uma visão estratégica do processo presente. E o que é estratégico? Estratégia é uma palavra completamente fora do dicionário do grande jogo político. Estratégia nacional é algo que se dilui em frente a campanhas eleitorais cuja base é o dinheiro privado e onde as coisas sempre corroboram a uma pauta mais curtoprazista (antiinflacionária) e onde o planejamento dos próximos passos está condicionado à “estabilidade monetária”. Neste aspecto o fundamental é persever e agudizar o debate de ideias de forma que barreiras ao pensamento progressista sejam transpostas e o conceito de desenvolvimento passe a ganhar corações e mentes na esquerda brasileira e em nossos movimentos sociais. 

É muito comum a contraposição entre o desenvolvimento e a centralidade da questão social e democrática. Ainda convivemos com noções pobres sobre a questão do desenvolvimento, pois – para muitos – as atuais mazelas sociais que vivemos teve seu epicentro num modelo de desenvolvimento “concentrador de renda”. Nada mais falso, pois a presente questão social está mais relacionada com a semiestagnação das décadas de 1980 e 1980 do que com o “modelo” vitorioso em 1930 e brilhantemente encerrado no final da década de 1970. 

É mais interessante historicizar do que ideologizar: o desenvolvimento é um processo que resolve e aprofunda contradições. Assim é mais justo falar em crise de superpopulação agrária transformada em crise urbana e no surgimento de uma indústria poupadora de mão-de-obra (departamento 1 novo, indústria mecânica pesada) nos fins dos anos de 1970. Numa situação histórica como a posta a solução não está em mais estabilização da moeda e sim em aprofundamento do desenvolvimento. E quem deve defender o desenvolvimento é quem historicamente luta por ele, ou seja, a esquerda nacional e consequente. Ou seja, nós.

Enfim, num quadro em que a perspectiva de retrocesso é imanente – seja pela derrota de nosso campo político, seja pela cedência às chantagens do capital financeiro nacional e internacional -, o que significa ser de esquerda? Não tenho dúvidas de que ser de esquerda reside numa postura ativa, não passiva, diante da história de nosso processo de desenvolvimento. Ser passivo diante de fatos é cômodo, reacionário e pequeno. Fazemos política em circunstâncias não escolhidas por nós. Fazemos política em um país cuja complexidade desafia os mais “atentos” analistas de nossa realidade. Somos frutos da decisão de independência tomada pelo neto de “Maria, a Louca”. Fruto de uma industrialização tocada adiante pelo latifúndio feudal e onde um operário e retirante nordestino abriu a porta para a revolução democrática. Não cabem simplismos de análise, nem lamentações diante do processo histórico de construção de nossa nação.

E construir uma nação significa construir uma imensa base material capaz de dar cabo aos anseios das mais amplas parcelas de nosso povo. E entre discutir como distribuir e como gerar renda existe uma sutileza que, independente da forma e estrategicamente, pode separar o que é progressista e reacionário. Ser de esquerda, assim, é uma questão – também – muito mais de conteúdo que de forma.

O fio da meada entre nós e eles está na defesa do desenvolvimento econômico acelerado como única forma de garantir conquistas dos últimos dez anos e mesmo de fazer jus à história brilhante de nosso país. O contrário pode redundar numa tacanha visão para quem a miséria poderá ser um acorde de aproximação do Brasil ao socialismo. Se for assim não seremos dignos de dirigir nosso país e muito menos dignos de ser algo que deveria ser o nosso principal motivo de orgulho: sermos filhos de um país chamado Brasil.

Fonte: Portal Vermelho

* Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Do Conselho Editorial da Revista Princípios e membro do Comitê Central do PCdoB.

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