sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Realidade: Pauta reivindicatória mostra grande exploração que os trabalhadores(as) sofrem no Mateus, Fribal, Frango Americano e outras.

Foto: Ilustração

A reunião com os funcionários do Grupo Mateus, Fribal, Frango Americano e outras instituições, ocorrida no dia 30 de outubro, deliberou as reivindicações dos funcionários para que não entrem em greve nos próximos dias.

A reunião foi conduzida pela direção do SINDPANIP – Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias de Alimentos Naturais, Panificação e Confeitaria, Industria da Carne, de Frio e Empresas Frigorificas.

Veja as pautas reivindicadas:

1) Piso salarial R$ 1.690,00, reajuste de 9,5% para os que ganham acima do piso

2) ticket Alimentação R$ 500,00 mês com possibilidade de uso/compra em outros locais

3) plano odontológico custeado pelo empregador, migração do plano hapvida mais barato

4) realização de laudo/perícia nos setores para indicação de insalubridade e periculosidade, acompanhado pelo sindicato

4) gozo de pelo menos 4 feriados com folga (1° de Maio, dia da Indústria/comércio, sexta feira Santa e corpus christi)

5) correção do desconto do vale transporte

6) fornecimento regular de fardamento e EPI’s

7) cesta natalina

8) penalidade para desvio de função, com aplicação de multa a ser revertida ao trabalhador

9) relatório de banco de horas mensal

10) transparência nas metas, que devem ser colocadas até 5° dia útil do mês

11) quadro de promoção

12) atestado médico sem necessidade de assinatura de supervisor ou gerente, entregue apenas ao chefe imediato quando o trabalhador não estiver em local de fácil acesso ao RH

13) até 6 declarações de acompanhamento de filho criança (até 12 anos),

14) quando o filho possuir doença que necessite de acompanhamento médico regular, entregar laudo que ateste no RH para possibilitar o aceite de declarações além dos 6 dias do item anterior

15) aplicativo da UNI MATEUS não pode ser exigido ser usado nas folgas do trabalhador, período de descanso ou fazer hora extra para cumprir os treinamentos online

Rede Amazônia Azul estudará a Margem Equatorial Brasileira


Por Allan Kardec*

Pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre “Transformação ecológica e diversificação energética” da Fundação Maurício Grabois, Allan Kardec defende a exploração do petróleo na chamada “Margem Equatorial Brasileira”.

A Amazônia está no centro da atenção internacional sobre a exploração de petróleo offshore.

Já prevendo esse debate, e com a experiência de ter servido como diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), um grupo de pesquisadores nos juntamos para formar a maior rede de especialistas sobre a Margem Equatorial Brasileira (MEQ), composta por pesquisadores de 13 universidades brasileiras, entre instituições locais e outras com grande tradição e conhecimento sobre a MEQ – chamada Rede Amazônia Azul (RAZUL).

Da mesma forma, em 2006, um grupo de 100 professores criamos a Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO), onde já tivemos 1379 teses de doutorado defendidas com 546 alunos atualmente matriculados.

Ela visa consolidar os conhecimentos locais – como a fauna e a flora do Nordeste brasileiro, conhecimentos tais como os benefícios farmacológicos de plantas como da erva cidreira, da amendoeira ou as vantagens do peixe tilápia e os direitos das populações originárias, indígenas e quilombolas em preservarem seu patrimônio ancestral.

Similarmente, a RAZUL servirá para estudar a MEQ de forma metódica e científica.

A Rede é formada por pesquisadores do Brasil inteiro, com décadas de experiência na MEQ, onde vários moram no Norte ou Nordeste do Brasil – essa foi uma condição para a formação da rede, isto é, de ter vozes que repercutissem as demandas e exarassem os conhecimentos locais, em que, por exemplo, os amazônidas estudassem e pesquisassem sobre a Amazônia.

Dessa forma, juntamos o conhecimento histórico agregado aos saberes, tais como sobre as populações indígenas, agrupamentos quilombolas, comunidades ribeirinhas, além de contar com aqueles que estudam profundamente a antropologia do nosso povo assim como as formações geológicas dessa área, além das correntes oceânicas. Esse grupo de cientistas é multidisciplinar, representando campos como geologia, economia, ciências sociais, oceanografia, antropologia, tecnologia e engenharia.

A RAZUL é formada por professores pesquisadores de alto nível, em áreas como oceanografia, meio ambiente, geopolítica e petróleo. Com uma diferença. Ela nasceu como um movimento da comunidade científica preocupada com o desenvolvimento nacional.

Temos muitas contribuições. Em nossa primeira ação, fizemos uma nota técnica com Pedro Zalan, um dos maiores geólogos do Brasil e Ronaldo Carmona, da Escola Superior de Guerra. Mostramos que há possibilidades de haver entre 20 a 30 bilhões de barris de petróleo só na Bacia Pará Maranhão (PAMA)!

O professor Duque Dutra, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Carmona mostraram em outra nota técnica que o aproveitamento de um campo petrolífero na PAMA que contenha 400 milhões de barris, ao longo das próximas três décadas, poderia gerar R$ 14 bilhões de renda. Ou seja, um incremento de 12 % do PIB do Pará, ou 20% do Maranhão em valores de hoje.

Há uma mobilização nacional e diálogo da Rede com diferentes setores da sociedade. Conversamos com a Diretoria Colegiada da ANP e a Agência Espacial Brasileira; com ministros e dirigentes do Ministério das Minas e Energia, da Defesa, da Ciência e Tecnologia; com a indústria, entre elas FIEMA, FIEPA, ABEGAS, EnerGeo Alliance ou empresas como TGS, ExxonMobil e Petrobras! O nome, inclusive, “Amazônia Azul” é inspirado – e permitido – pela Marinha do Brasil.

Adicionalmente, gostaríamos de apontar alguns aspectos que ilustram o debate atual, no que segue.

Nossos pesquisadores entendem que não há conhecimento consolidado o suficiente para afirmar a existência do “Great Amazon Reef System”, formado por corais.

Corais são pequenos animais marinhos que vivem em colônias e frequentemente têm esqueletos rígidos. Por outro lado, as algas calcárias têm carbonato de cálcio, um mineral que compõe o calcário, em suas paredes celulares, sendo descritas como “algas que se tornaram pedra”. Simplificadamente, a borda da plataforma continental representa a “fronteira” entre as águas rasas do oceano próximo à costa e suas partes mais profundas.

Na região da borda da plataforma da bacia da Foz do Amazonas, predominam algas calcárias, na maioria das vezes mortas, cujo desenvolvimento máximo ocorreu entre 17 e 11 mil anos atrás, quando o nível do mar estava de 100 a 120 metros abaixo do atual, durante a Última Era do Gelo.

Ao lado das mudanças climáticas, nossa Rede acha fundamental considerar a desigualdade de renda – que afeta a região de maneira implacável, como componente fundamental de estudo e de decisão dos países da Amazônia sobre seu futuro.

Afinal, de acordo com recente publicação, a transferência de renda é importante para evitar mortes de crianças e mulheres. Por exemplo, o Amapá, estado onde está prevista a perfuração de um poço de petróleo, tem 60% de sua população dependente de transferência de renda e um PIB per capita de US$ 5.26 dólares. Para comparação, a da União Europeia é de US$ 37,15.

Finalmente, cremos fundamental esclarecer que há muita confusão na mídia nacional e internacional sobre a exploração nas águas territoriais brasileira. Em algumas publicações, alguns autores sugerem que haverá extração de petróleo da foz do Rio Amazonas, quando na verdade será na bacia sedimentar denominada “Foz do Amazonas”. Confundir “foz” com “bacia” é como confundir jabuti com jabuticaba.

A Rede Amazônia Azul não tem a ousadia de querer resolver todos os problemas nacionais e nem se propõe a isso! Mas os pesquisadores e professores não podemos ficar calados diante da imensa oportunidade! Mesmo porque hoje se misturam nos debates muita desinformação e forte ausência de Ciência.

Em um momento de intensos debates envolvendo igualmente a soberania nacional ou a manutenção da autossuficiência brasileira, a RAZUL se dispõe a sentar na mesa para debater, problematizar, esclarecer ou pesquisar. Sejam os problemas de exploração de petróleo, da desigualdade vergonhosa ou do meio ambiente.

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, 55 anos, é doutor em engenharia da informação pela Universidade de Nagoya (Japão). É professor titular da UFMA (Universidade Federal do Maranhão). Foi diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e atualmente é presidente da Gasmar (Companhia Maranhense de Gás). É pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Transformação ecológica e diversificação energética da Fundação Maurício Grabois.

FONTE: Reproduzido do Portal Grabois

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Retorno da Educação em Remuneração… e Cultura para uso de IA

Foto:G4Educação

O diferencial de salário-hora entre trabalhadores com ensino superior completo e os demais grupos de escolaridade – o chamado “retorno da educação”- tem caído no Brasil, mas ainda é bastante relevante. Isto é apontado por um estudo de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) antecipado a Anaïs Fernandes (Valor, 01/10/24)

No segundo trimestre de 2012, trabalhadores com 16 anos ou mais de estudo (o equivalente ao superior completo ou além) ganhavam, em média, 152% a mais do que os trabalhadores com 12 a 15 anos de estudo (médio completo e superior incompleto), o grupo escolar imediatamente anterior. Esse diferencial se reduziu em quase 26 pontos percentuais até o segundo trimestre de 2024, para 126%, de acordo com os cálculos dos pesquisadores, que fazem uso de modelagem econométrica.

“A gente não faz simplesmente uma comparação das médias de salários de um grupo contra o outro, porque existem características diferentes. A gente compara pessoas que têm experiências similares”, explica Janaína Feijó, pesquisadora do FGV Ibre e autora do estudo com Fernando Veloso, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti.

A queda dos retornos, em termos de ganhos salariais, para os mais escolarizados também se deu em relação aos todos os outros grupos educacionais (veja detalhes acima). Quiseram pontuar o ensino superior em relação ao ensino médio porque, nesse momento, ainda há muita dúvida entre os jovens se eles vão cursar ou não ensino superior e os ganhos que eles podem ter. Mas o retorno relativo de quem tinha ensino superior está decaindo independentemente do grupo educacional com que comparamos.

Essa diferença diminuir não quer dizer, necessariamente, que o rendimento de quem tem ensino superior caiu. Ele poderia, por exemplo, ter aumentado, mas menos do que nos demais grupos educacionais. “Porém, não foi isso que aconteceu. Não só a diferença em relação aos demais caiu como o próprio salário de quem ganha ensino superior também diminuiu. Houve uma perda absoluta na remuneração média de quem tem ensino superior completo. Então, foi algo mais forte e que se torna mais preocupante”.

Ela aponta que ocorreu uma queda de 11,7% no rendimento de quem tinha ensino superior completo ou mais entre o início de 2012 e o segundo trimestre de 2024. “Ocorreu uma queda depois da recessão de 2014, continuou caindo de forma muito lenta e tímida e, depois da pandemia, houve mais uma queda. Na margem, observamos alguma elevação, mas ainda está muito distante do observado em 2012”, diz Feijó.

Segundo os pesquisadores, dois fatores mais concretos e observáveis em números podem ajudar a explicar o retorno menor para os mais escolarizados. Um é o aumento da população com ensino superior. Feijó cita dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, segundo o qual o número de matrículas em cursos de graduação saltou de 1,4 milhão nos anos 1980 para 9,4 milhões em 2022 (último dado disponível).



Só entre os anos 2000 e 2022, o crescimento foi de mais de 250%. Em um período mais curto, desde 2012, em que está focada a análise do FGV Ibre, esse crescimento ainda foi de 34,2%.

“A população com ensino superior aumentou muito nos últimos 20 anos. E isso causa alterações na oferta de mão de obra. Se há aumento dessa oferta, o ‘prêmio salarial’ tende a se reduzir, porque esse recurso não está mais tão escasso. A tendência é que o salário caia”.

Em números absolutos, a população ocupada com ensino superior completo ou mais praticamente dobrou entre 2012 e 2024, de 11,6 milhões para 22,4 milhões. A proporção de pessoas com ensino superior completo na população ocupada também saltou de 13,1% no início de 2012 para 22% no segundo trimestre de 2024. “Pode ser que 22% da população ocupada ainda seja muito pouco, mas o fato é que isso pode ter afetado a dinâmica de salários”.

Outro fator que pode estar associado à redução dos diferenciais é a elevação da informalidade entre os mais escolarizados. A taxa de informalidade para quem tem 16 anos ou mais de estudo passou de 14% no fim de 2015 para 19,3% no segundo trimestre de 2024. Os pesquisadores usam a série a partir de 2015 porque é quando incorpora os conceitos de trabalhador por conta própria e empregadores com e sem CNPJ.

A redução salarial entre os mais escolarizados pode estar relacionada a esse aumento da informalidade. “Em média, trabalhos informais tendem a remunerar menos, mesmo que a gente considere pessoas com a mesma formação”.

O grupo daqueles com ensino superior completo ou mais tem a menor taxa de informalidade entre todos os níveis de escolaridade.

“Conforme os anos de educação vão diminuindo, a informalidade vai aumentando. Então, tem uma relação direta entre aumento da escolaridade e redução da informalidade. Esse fato já é bem conhecido. Nesse sentido, fazer ensino superior ainda contribui muito para a formalização, só que piorou. O que, talvez, não seja muito conhecido, é esse fato de que até esse grupo ficou menos protegido da informalidade”.

Da mesma forma, ainda que o rendimento médio dos mais escolarizados esteja menor, ele passou de R$ 7.495 no início de 2012 para R$ 6.619 no segundo trimestre de 2024, o que é bem acima dos demais grupos educacionais. O rendimento médio real habitual de quem tem de 12 a 15 anos de estudos cai para R$ 2.548 no segundo trimestre deste ano.

Como hipóteses adicionais para a queda nos rendimentos dos mais escolarizados, houve um “efeito composição” de mais graduados no mercado de trabalho oriundos de faculdades de qualidade inferior.

“Para essas faculdades, o ganho salarial pode ser menor. É possível que isso aconteça, mas é importante observar também que, para avaliar se o ensino superior foi relevante ou não, a comparação deve ser da faculdade que a pessoa fez em relação à alternativa de não ter feito faculdade nenhuma”, afirma. O estudo do professor da PUC-Rio Tomás Guanzoroli e colegas que, segundo Veloso, aponta esse “efeito composição”, de que faculdades de menor qualidade oferecem “prêmio salarial” menor, mas, ainda assim, representam ganho para os graduados.

Outra hipótese para explicar a queda salarial dos mais escolarizados é o da possível inadequação entre os profissionais formados nas faculdades e as funções que essas pessoas estão, de fato, exercendo, devido às diferenças entre a oferta de cursos da graduação e demandas da economia. Há o fenômeno da “overeducation”, quando pessoas são muito escolarizadas para as funções que estão desempenhando.

“Pode ser tudo isso. Pode ser também a situação macro do país, a economia não cresce e a pessoa com ensino superior vai trabalhar em uma função abaixo da sua capacidade e como informal. As coisas podem se juntar”.

Apesar de tudo isso, os pesquisadores do FGV Ibre destacam que o grau de instrução permanece como um fator relevante na determinação dos salários, através de padrões ocupacionais. “A gente identifica que sem ensino superior é muito mais difícil acessar as boas oportunidades no mercado de trabalho, isto é, funções que remuneram bem, e também se torna muito mais difícil progredir em posições estratégicas dentro de uma empresa”.

Exemplo disso é que 30,4% dos ocupadas com até o ensino fundamental completo ou o médio incompleto estão nas chamadas “ocupações elementares”, com rendimento médio de R$ 1.322, enquanto 48,3% das pessoas ocupadas com ensino superior completo ou mais são profissionais das ciências e intelectuais e têm rendimento médio de R$ 7.245.

Quem tem ensino superior ainda pode conseguir amortecer possíveis impactos negativos da Inteligência Artificial (IA) sobre o mercado de trabalho. Em um estudo, ela cita, pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI) identificaram que trabalhadores com ensino superior terão maior probabilidade de se adaptar à IA, porque eles acabam conseguindo utilizar a IA de forma complementar, gerando ganhos de produtividade a nível do indivíduo e a nível da empresa.

“A educação é um fator fundamental para a gente entender como anda a produtividade no Brasil e as perspectivas”, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do FGV Ibre.

O estudo do FMI estima que, no Brasil, quase 40% dos trabalhadores estão em ocupações de alta exposição à IA. Desses, quase metade (20%) está em postos com alto potencial de complementaridade.

No caso de quem tem ensino superior, os números são bem maiores: aproximadamente 80% estão em ocupações com alta exposição à IA e para 50% deles ela deverá ter um papel complementar. “A conclusão que acho que não tem dúvidas é que fazer ensino superior é um divisor de águas no Brasil. Um pouco menos do que no passado, mas ainda é e com a IA isso pode voltar a aumentar”.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Servidores demitidos no governo Collor denunciam assédio e acionam MPT

Foto: Sindsemp/MG

Dezenas de servidores públicos demitidos ou exonerados entre os anos de 1990 e 1992 — durante a gestão do ex-presidente Fernando Collor — procuraram o Ministério Público do Trabalho (MPT) para denunciar situações de perseguição e assédio moral no ambiente de trabalho.

Um procedimento foi instaurado para apuração. Além da sistematização das informações trazidas pelos anistiados, o órgão expediu notificações para a Advocacia Geral da União (AGU), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados.

Cerca de 120 mil servidores e empregados perderam seus postos de trabalho durante a redução da máquina administrativa. Anos depois, em 1994, a Lei da Anistia dos Servidores Públicos (8.878/94) permitiu o retorno dos trabalhadores ao serviço.

Porém, houve um prazo para esse retorno, e a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) estima que apenas 10% dos prejudicados pelo enxugamento dos cargos públicos conseguiram a reincorporação.

Mesmo aqueles que voltaram a exercer suas atividades a partir de 1994, acabaram encontrando outros percalços: salários defasados, assédio moral, etarismo e condições de trabalho precárias.

Desde o mês de julho, a procuradora do Trabalho no MPT, Geny Helena Marques, vinha recebendo as denúncias.

“A intenção não é olhar a situação específica de cada um, mas levar em conjunto a situação deles. Há situações em que os servidores são escanteados por já terem idade avançada. Há pessoas que estão trabalhando em locais sem janela, sem ventilação”, disse a procuradora à CNN.

Diante de denúncias como essas, e do próprio caso do ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, o governo instituiu o Plano de Enfrentamento ao Assédio na Administração Pública.

A portaria publicada no Diário Oficial na terça-feira (1º) foi resultado de discussões realizadas desde 2023 e traz diretrizes e regras de conduta para órgãos e entidades federais. Para os anistiados, há expectativa de que seus casos também sejam debatidos nessa esfera.

Defasagem salarial

A representante dos anistiados do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marlucia de Souza, relata anos de defasagem salarial.

“Depois de muita luta e da obtenção da anistia, somente após 15 anos, conseguimos retomar ao serviço público para compor o quadro em extinção do MCTI, sob regime celetista. Sem direito à progressão desde retorno em fevereiro de 2010, sem avaliações, nem tratamento isonômico”, explica.

No caso de Marlucia, a defasagem salarial chega a mais de 40%. Com remuneração referente a R$ 3.380,19 bruto, caso a tabela tivesse sido reajustada pelo IPCA, o salário bruto com progressão nesse caso seria de R$ 6.347,50.

“Queremos direito a progressão após o retorno, com atualização urgente das tabelas de salários, pois é absolutamente ilegal o congelamento funcional dos anistiados”.

Câmara dos Deputados

Em junho, o caso dos anistiados do governo Collor foi tema de debate da Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, com foco no decreto que fixou a remuneração de empregados públicos no quadro em extinção.

Solicitante do debate na época, a deputada Erika Kokay (PT-DF) define como “um processo extremamente cruel” as medidas tomadas sobre os casos dos servidores.

“Os servidores que estavam em órgãos extintos ou que foram privatizados, retornaram em grande medida a partir de 2008 na condição de celetista, sem direito a ter um salário real desde 2010, ou promoções, progressões. Ficaram em situações de profunda defasagem salarial, exercendo a mesma função de outro servidor estatutário”, explica a parlamentar.

“Obviamente que se fizermos a transposição desses servidores celetistas que estão dentro da administração direta, nós resolvemos praticamente quase todos os problemas”.

Uma das soluções para reduzir as injustiças contra a categoria é que o tempo em que ficaram excluídos do serviço público seja considerado para efeito de aposentadoria.

“Se reconheceu a injustiça que se cometeu contra eles. E se foram anistiados pelo reconhecimento e reparação da injustiça, nada mais justo que o tempo que ficaram fora também seja computado para todos os efeitos”, argumenta Erika Kokay.

Readmissão dos anistiados

Outro pleito dos anistiados é de que o governo federal reabra o prazo para a readmissão dos anistiados no serviço público.

“Tem gente que perdeu o prazo, muita gente não ficou sabendo. Essas pessoas não foram readmitidas. É preciso um novo decreto do presidente Lula reabrindo o prazo”, explica o secretário-geral do Sindsep-DF, Oton Pereira Neves.

Nesse sentido, uma lei chegou a ser aprovada no Congresso nessa perspectiva, mas foi vetada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

De acordo com a mensagem de veto presidencial na época, que cita pareceres dos ministérios da Justiça e do Planejamento e da Advocacia-Geral da União (AGU), a proposta era inconstitucional e “contrária ao interesse público”.

Na época, foi estimado que 20 mil servidores se beneficiariam da reabertura do prazo. Conforme a justificativa do veto, os servidores já haviam tido oportunidades para optar pelo retorno, e, portanto, não se justificaria nova reabertura de prazo “decorridos 17 anos da publicação da anistia original”.

Fonte: CNN Brasil

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Israel estende ao Líbano extermínio em massa: 492 mortos e 1645 feridos em 24h

O ministro da Saúde do Líbano, Firas Abiad, disse que os ataques israelenses
atingiram hospitais, centros médicos e ambulâncias.(AFP)

Bombardeios contra o Líbano, perpetrados pelo regime supremacista israelense de Netanyahu, Gallant, Gvir e Smootrich, assassinaram 492 libaneses e feriram mais de 1640, inclusive 42 mulheres e 24 crianças, nesta segunda-feira (23), segundo o Ministério da Saúde libanês, no que a Associated Press considerou “o ataque mais letal” desde a fracassada invasão em 2006.

O morticínio de hoje se segue ao terror desencadeado por Israel na semana passada, explodindo pagers, walkie-talkies e até painéis solares, acionados remotamente, matando indiscriminadamente dezenas e mutilando e ferindo 4 mil, curiosamente no dia seguinte dos 42 anos da chacina de Sabra e Chatila. Terror rechaçado no mundo inteiro por sua perversidade e insânia. Na sexta-feira, outro ataque arrasou até o chão dois prédios residenciais, matando 45.

A última vez que Israel havia bombardeado o Líbano nessa escala foi em 2006, quando invadiu de novo o país vizinho, mas acabou tendo de bater em retirada. Agora, os bombardeios atingiram o sul do Líbano, o Vale do Beqaa, no leste do país, e a região norte, perto da Síria.

No sul, os ataques atingiram Mays al-Jabal, Aitaroun, Houla, Taybeh, Markaba, Bani Hayyan, Jabal al-Rayhan, Bint Jbeil, Hanin, Zawtar, e a região de Nabatieh. No leste, Shaara, Harbata, Hermel, Shamstar, Taraya e Boday. Também foi bombardeada a cidade de Al-Khader na região de Baalbek.

Os ataques de Israel ao Líbano marcam uma nova fase em seus esforços para arrastar toda a região para o caos”, disse o Ministério das Relações Exteriores do país em um comunicado. Por sua vez, a chancelaria egípcia pediu que “as potências internacionais e o Conselho de Segurança das Nações Unidas intervenham imediatamente” para impedir “a perigosa escalada israelense no Líbano”. O Egito novamente expressou “solidariedade” com o Líbano e afirmou sua “total rejeição a quaisquer violações da soberania e do território do Líbano”.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, está “alarmado” com a escalada no Líbano e muito preocupado com o grande número de vítimas civis relatadas pelas autoridades libanesas, disse seu porta-voz, Stephane Dujarric. Ele reiterou a “necessidade urgente de desescalada – que todos os esforços devem ser dedicados a uma solução diplomática.”

Em uma coletiva de imprensa em Beirute, o ministro da Saúde, Firas Abiad, disse que os ataques israelenses atingiram hospitais, centros médicos e ambulâncias. Milhares de pessoas deixaram as áreas bombardeadas, rumo à capital, Beirute, congestionando estradas. O país anunciou a suspensão das aulas na terça-feira.

Como de costume, os sicários de Tel Aviv se apresentam ao mundo como as “vítimas”, mas desde o genocídio em tempo real transmitido pelas redes sociais em Gaza, que tal falsificação se desmoralizou completamente.

No final de semana, os libaneses haviam reagido à escalada terrorista, fazendo disparos de foguetes e drones contra instalações militares israelenses, no norte e alcançando Haifa.

Investigado pela Corte Internacional de Justiça da ONU por genocídio em Gaza, o regime de Netanyahu também tenta fugir de cumprir decisão do mais alto tribunal mundial que considerou “ilegal” a ocupação da Cisjordânia. Na semana passada, a Assembleia Geral da ONU aprovou por larga margem resolução determinando que Israel cumpra a ordem de desocupar em “12 meses”.

Em Gaza, ao perpetrar genocídio – 200 mil civis palestinos mortos, direta ou indiretamente, segundo a revista médica The Lancet-, Netanyahu e seus cúmplices alegam suposto “direito de defesa”; já no Líbano eles matam indiscriminadamente mas mentem dizendo que só fizeram de alvo o Hezbollah.

Como registrou a agência de notícias russa Ria Novosti, o Hezbollah é uma organização criada por xiitas libaneses “em resposta às repetidas invasões do Líbano por Israel (a última foi em 2006 e, antes disso, Israel ocupou o sul do Líbano de 1982 a 2000) e ao colapso do Estado libanês.”

Dos sete milhões de habitantes libaneses, três milhões são de fé xiita “e a grande maioria deles apoia o Hezbollah, que é uma estrutura social, econômica e militar” e um dos principais partidos libaneses, e parte do governo.

Logo após o terrorismo com pagers e walkie-talkies, o governo Netanyahu anunciou que iria estender a guerra “ao norte”, supostamente para permitir “o retorno” dos moradores próximos da fronteira com o Líbano, dezenas de milhares que se albergaram em Tel Aviv e outras cidades. Nas palavras do ministro do extermínio, Gallant, será uma “nova era” da guerra no Oriente Médio, com o “centro de gravidade se movendo para o norte”.

Como respondeu o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, “a frente libanesa não vai parar antes que a agressão em Gaza pare. Vocês não poderão devolver essas pessoas ao norte. A única maneira de fazer isso é parando a agressão a Gaza e à Cisjordânia. Este é o único caminho.”

Já o primeiro-ministro iraquiano, Mohammed Shia al-Sudani, pediu uma reunião urgente de líderes árabes à margem da Assembleia Geral da ONU em Nova York. O Iraque “pede e trabalha para convocar uma reunião urgente dos líderes das delegações árabes … para rever as repercussões da agressão sionista [israelense] sobre nosso povo pacífico no Líbano e trabalhar em conjunto para impedir seu comportamento criminoso”, disse al-Sudani em um comunicado.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Conversa de Feira: BC confirma sabotagem ao país: juro sobe a 10,75%

Conversa de Feira: BC confirma sabotagem ao país: juro sobe a 10,75%: Gabriel Galípolo, diretor do BC, indicado para presidir o banco, e o  ministro da  Fazenda,  Fernando Haddad. Foto: Frame Emar Nobre/Canal G...

BC confirma sabotagem ao país: juro sobe a 10,75%

Gabriel Galípolo, diretor do BC, indicado para presidir o banco, e o ministro da 
Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Frame Emar Nobre/Canal Gov

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) subiu nesta quarta (18) a taxa de juros básica da economia em 0,25 ponto percentual. Com esse acréscimo, a taxa sai dos 10,50% para 10,75% ao ano, com a finalidade de impor a derrubada da atividade econômica e gerar desemprego no país.

A decisão do Copom aconteceu mais uma vez de forma unânime, ou seja, com o apoio do diretor indicado para substituir Campos Neto na presidência, Gabriel Galípolo. Em comunicado, o Copom sinalizou que deve realizar novos aumentos na taxa básica de juros, já que “atividade econômica e do mercado de trabalho têm apresentado dinamismo maior do que o esperado”.

“O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta…“, diz também outro trecho do documento.

Assim, o Brasil retoma a segunda colocação entre os maiores pagadores de juros do planeta. Descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses (4,10%), a taxa de juros reais brasileira fica em 7,33%, segundo o Ranking Mundial de Juros Reais, de responsabilidade do site MoneYou.

Ranking Mundial de Juros Reais – MoneYou/Reprodução

O site de consulta financeira também aponta que, entre 40 países sondados, 52,5% cortaram suas taxas, 45% mantiveram, enquanto apenas 2,5% elevaram suas taxas de juros. No cômputo geral, entre 40 países, a média de juros reais ficou em 0,63%.

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o aumento da Selic pode frustrar “a recuperação da indústria de transformação e do investimento” no país.

“Não é hora de o Banco Central subir a Selic”, afirma o presidente da CNI, Ricardo Alban, ao destacar que a decisão do BC vai na contramão do que o mundo está fazendo nesse momento, que é a redução das taxas de juros”.

“[Elevar os juros] apenas traria restrições adicionais ao crescimento econômico, se convertendo em menor bem-estar para a população”, alerta Alban. “O foco deve ser a consolidação dos elementos capazes de pavimentar o caminho de retomada dos cortes na taxa de juros, para que ocorram o quanto antes, criando um ambiente mais favorável para a execução de projetos fundamentais para a modernização da matriz produtiva brasileira”, defende Ricardo Alban.

Nesta quarta-feira, o Federal Reserve (Fed) – o BC dos EUA, – decidiu cortar em 0,50 p.p os juros, depois de ter jogado a taxa entre 5,25% e 5,50%, o que esfriou a economia, prejudicando o emprego interno do país.

Entre junho e setembro, o Banco Central Europeu (BCE) cortou a taxa de juros em 0,50 ponto, fixando-a nos 3,50%. Também cortaram os juros o Banco da Inglaterra e o Banco da Suíça.

Porém, as economias globais só devem servir de referência para decisões do BC quando elas aumentam as suas taxas de juros. Em caso de queda, qualquer desculpa deve ser usada para manter os juros em níveis de agiotagem, fazendo com que trabalhadores e empresários brasileiros sigam trabalhando para sustentar a riqueza de meia dúzia de especuladores financeiros em Wall Street e os que habitam lá na Faria Lima.

“Segundo o modelito da ortodoxia neoliberal”, lembra o economista Paulo Kliass, “se os EUA aumentam a taxa de juros deles, nós também devemos aumentar a nossa para manter a atratividade dos recursos especulativos na seara internacional. Caso contrário, haveria o que eles chamam de “fuga de capitais”, uma espécie de antessala da catástrofe apocalíptica. No entanto, o oportunismo do argumento desse pessoal é tão flagrante, que mesmo havendo uma tendência à queda de juros na reunião do banco central de lá, eles não aceitam que se deva reduzir por aqui também, comenta o membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, em artigo recente publicado no HP.

No Brasil, a inflação está baixa, controlada e dentro da meta de inflação de 3% ao ano, com intervalo de tolerância para cima e para baixo de 1,5 ponto percentual – definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O índice de inflação oficial do país (IPCA), em agosto deste ano, registrou deflação, ao variar em queda de –0,02% no mês. No acumulado de oito meses deste ano, o índice está em alta de 2,85%; e, em 12 meses, a alta é de 4,24%.

Conforme as projeções de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus do próprio BC, o IPCA deve ficar “em torno de 4,4% e 4,0%, respectivamente”. Ou seja, não há justificativa para este grave descalabro que o BC está fazendo contra os brasileiros .

Ainda que haja qualquer alteração que leve para um avanço inflacionário no país, com a atual seca que vivemos, não será com o aumento dos juros que será resolvido o problema – pois a ação de elevar os juros é ineficaz contra choques de oferta de alimentos e preços administrativos de energia, por exemplo. O tiro sairia pela culatra, pois o aumento da Selic pode levar também para o aumento dos preços internos, já que ao elevar os custos dos financiamentos de produção, por exemplo, as empresas, logicamente, irão repassar este aumento aos consumidores.

Além disso, a cada 1 ponto acrescido na taxa Selic eleva a dívida interna em R$ 47,9 bilhões, ou vice-versa. Em 12 meses até julho deste ano, o setor público gastou R$ 869,8 bilhões (7,73% do PIB) com o pagamento de juros da dívida interna. Não há economia que consiga crescer de forma robusta e sustentável com essa transferência brutal de renda da população ao setor financeiro, pelo contrário, o destino é a recessão e devastação dos setores produtivos do país.

Para a Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) , “ampliar o patamar contracionista da política monetária geram impactos significativos em toda e economia. A capacidade produtiva é seriamente comprometida, desestimulando os investimentos e gerando efeitos sistêmicos, afirma a entidade em nota divulgada no início desta semana”.

“A indústria, que já vinha sendo afetada, pode ser ainda mais prejudicada, com a limitação de sua capacidade de investimento e a redução de sua competitividade. Esses fatores, somados, provocam um impacto profundamente negativo sobre o crescimento econômico, a criação de empregos e a renda da população”, alertou.

Não é de hoje que o BC tem prestado esse desserviço para o país. Mas a situação piorou com a Lei Complementar nº 179/2021, que determinou a “independência’, autonomia do BC, ou qualquer nome que o leitor queira dar para o ato normativo que ampliou ainda mais a incapacidade da autoridade financeira de ajustar-se às demandas sociais, isto é, às necessidades do povo brasileiro.

ALTA VEIO APÓS INDICAÇÃO DE GALÍPOLO

Uma possível mudança do rumo da política monetária brasileira com a troca de comando no BC também parece estar bem distante de ocorrer. O indicado pelo presidente Lula para presidência do BC, Gabriel Galípolo, já sinalizou em diversos discursos que está engajado com o receituário neoliberal.

Na avaliação do economista Paulo Kliass, “é mais do que urgente” que o presidente Lula assuma o comando da economia para “romper com o ideário neoliberal e implementar as bases para tornar realidade um programa nacional de desenvolvimento social e econômico”, defende.

“Lula escolheu dois de seus principais colaboradores na economia – Haddad e Galípolo. Ambos se rendem a consultar o Oráculo da Faria Lima para obter as respostas que direcionam os rumos da política econômica. O Presidente da República sabia muito bem o que a duplinha pensa a respeito do Brasil hoje e no futuro. Quando não houver mais um bolsonarista à frente do BC para ele poder criticar, a quem Lula vai recorrer? Vai apelar para quais deuses no intuito de corrigir os rumos da austeridade e do neoliberalismo?”, questiona Kliass.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

O neoliberalismo fracassou

Foto da Fonte

O economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira esteve no Instituto Conhecimento Liberta, de Eduardo Moreira, para ministrar aula magna sobre o novo-desenvolvimentismo.

O eneagenário professor da FGV apresentou seu pensamento registrado no mais recente livro publicado de sua autoria, versando sobre o antagonismo entre o liberalismo econômico e o desenvolvimentismo e a atualização deste para se defrontar com os desafios da atualidade.

"As políticas neoliberais, que priorizam o mercado sobre o Estado, têm falhado em entregar crescimento sustentável e, com isso, agravado as desigualdades sociais."

Embora o neoliberalismo preconize a autorregulação do mercado, espera que o Estado lhe seja superior, mas apenas no sentido de garantir o seu livre funcionamento. Mostrou-se hegemônico no mundo ocidental a partir de Reagan, nos EUA, e Tatcher, no Reino Unido, nos anos 80 do século passado, perdurando até uma década após a crise financeira global de 2008. Os EUA, de tradição desenvolvimentista, voltaram a subsidiar a indústria com Biden em 2020, buscando “traze-las para casa”, após Trump, no governo anterior, já ter reforçado a politica aduaneira.

São vários os aspectos do fracasso da ideologia, dos quais Bresser destaca a diminuição do crescimento econômico, as sucessivas crises no mundo, a instabilidade financeira e a concentração de renda.

A alternativa é o desenvolvimentismo, que teve no Japão um dos seus expoentes: intervenção moderada do Estado, em economia de mercado, promovendo o desenvolvimento e a distribuição de renda.

Muitos países aderiram às teses neoliberais, o Brasil entre eles, mantendo o regime mesmo diante do fracasso nas principais economias que adotaram o ideário. As elites nacionais resultaram convencidas da sua conveniência para seus interesses particulares até os dias de hoje.

O professor qualificou a situação brasileira de subdesenvolvimento neoliberal. O famoso tripé de taxas de juros muito altas, câmbio sobrevalorizado e crescimento muito baixo (quase estagnação) foi agravado com Collor de Melo pela abertura comercial e financeira e a privatização selvagem.

Após 50 anos de elevado crescimento, o país submeteu-se aos ditames dos EUA e passou a se distanciar da renda percapita daquele país. Os países da Ásia optaram pelo caminho desenvolvimentista e hoje a China já é competidor dos norte-americanos em um cenário de sofisticação produtiva na indústria e nos serviços, com muita tecnologia e trabalhadores mais qualificados.

Bresser lembrou que a demanda, como proporção da renda, é menor que 1 no caso das comódites, e superior à unidade quando o assunto é a indústria.

Se Getúlio Vargas inaugurou a era desenvolvimentista no Brasil, duas questões ficaram mal resolvidas e podem ser superadas com o novo desenvolvimentismo: o crescimento lastreado na poupança externa – déficit em conta corrente – é insustentável no longo prazo, pois é gerador de endividamento e sobrevalorização cambial; e o crescimento do consumo lastreado na importação, se a produção local não é competitiva.

Além de corrigir essas distorções, é preciso levar em conta que os empresários tornaram-se rentistas – vivem de juros, aluguéis e dividendos e escalam técnicos burocratas para o comando das empresas, que também preferem o ganho fácil da especulação financeira.

São elites não nacionais, que há tempos abandonaram o conceito de Nação e a política desenvolvimentista, encostando-se no setor imperialista para recolher as sobras.

O ICL também recebeu outros economistas para destruir mitos econômicos.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Municípios não cumprem metas e prazo para fechamento dos lixões pode ser prorrogado

Arquivo: Agência Brasil

Em mais uma tentativa de acabar com os mais de 3 mil lixões que ainda existem no Brasil, a Câmara dos Deputados trouxe novamente o assunto para discussão. Segue em análise na casa o Projeto de Lei 1323/24, que prorroga por cinco anos o prazo para que os municípios com até 50 mil habitantes adotem a destinação adequada dos resíduos sólidos urbanos (RSU). A previsão era encerrar definitivamente com os lixões até o dia 2 de agosto de 2024. Como os problemas não foram resolvidos, o debate permanece em pauta.

Na opinião do presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA), membro do conselho da ONU para temas de resíduos e sócio da S2F Partners, Carlos Silva Filho, o processo é lento porque faltam recursos e investimentos para a disponibilização das infraestruturas necessárias.

“Infelizmente, é um tema que acaba passando longe das principais discussões, não é uma prioridade para a população, não tem sido uma prioridade para os governos, porque não se percebe realmente o impacto amplo dessas unidades de disposição inadequada e realmente precisamos de medidas urgentes para sensibilizar tanto a população, para que se levante contra essas práticas, como também os governos”, observa.

De acordo com a nova edição do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023, elaborado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA), foram mais de 33 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos com destinação inadequada só em 2022. Do total, 27,9 milhões foram enviadas para os lixões e outras 5,3 milhões de toneladas foram incorretamente descartadas pela população que vive em áreas não atendidas por serviços de coleta – o número representa 7% de todo o lixo produzido no país.

Na opinião do superintendente da ABREMA, André Galvão Silveira, os lixões persistem porque o acesso da população à coleta de lixo e rede de esgoto ainda são precários no país.

“Aqueles domicílios que não são atendidos, lançam em algum terreno baldio, em algum local. Às vezes próximo à residência, às vezes um pouco mais longe, mas ainda assim lançam de uma forma claramente inadequada. Eles juntam em algum local que seria uma espécie de lixão numa escala menor. Outros queimam o seu lixo ou enterram”, relata.

Transição gradual

Segundo o autor da proposta, deputado Adriano do Baldy (PP-GO), a transição para uma gestão mais sustentável deverá ser gradual e planejada, e a extensão do prazo por mais cinco anos oferece uma oportunidade para o desenvolvimento de estratégias eficazes.

“A prorrogação do prazo proporcionará aos municípios um tempo adicional para a busca de alternativas viáveis de gestão de resíduos, sem comprometer serviços essenciais”, explica o parlamentar.

Assim como aconteceu com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em 2010, que pretendia acabar com os lixões até 2014, o Brasil mais uma vez não conseguiu cumprir com as metas estabelecidas para este ano. Para o presidente da ABREMA, Pedro Maranhão, o país precisa de educação ambiental e políticas eficazes.

“Vários fatores fizeram com que não avançasse. Uma, a sensibilidade dos nossos gestores, outra, a própria educação mesmo da gente instruir a sociedade, cobrar mais os seus gestores para conseguir dar uma destinação correta a esses resíduos. E aí isso vem se acumulando e se prorrogando. A primeira prorrogação foi em 2014, aí vem para 2024 e nós estamos achando que realmente não vamos conseguir erradicar lixões em 2024. Mas eu acho que não tem mais que prorrogar, tem que meter o dedo na ferida, sentar com os prefeitos e eles têm obrigação por lei de dar uma destinação ambientalmente correta ao seu resíduo”, salienta.

Novas metas

O Projeto de Lei 1323/24, que segue em análise na Câmara dos Deputados, determina que os municípios com até 50 mil habitantes favorecidos pela prorrogação devam adotar medidas como programas de coleta seletiva; inclusão de catadores de materiais recicláveis no processo de transição, com oferta de capacitação e alternativas de trabalho e estruturação de aterros controlados.

Conforme a proposta, o governo federal deverá disponibilizar recursos para municípios, a fim de auxiliar na implementação dessas alternativas. Órgãos ambientais estaduais e municipais serão os responsáveis por fiscalizar o cumprimento da futura lei.

Diante de um cenário que preocupa, existem regiões que tentaram investir em melhorias, como é o caso do município de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. O vereador Enio Brizola conta que, em 2012, a cidade instalou um programa de coleta seletiva social com os trabalhadores catadores de materiais recicláveis e ganhou até um prêmio da ONU pelo programa. Porém, ele lamenta a falta de investimentos e incentivo do governo federal.

“Principalmente agora, os problemas aumentaram. A cidade no período de maio, junho, julho, aumentou os resíduos em consequência da catástrofe ambiental, que atingiu o estado. Então, já são mais de 18 mil toneladas de resíduos produzidos, coletados, que foram produzidos pelas enchentes”, relata.

O projeto segue para análise das comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Desenvolvimento Urbano; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Sendo aprovado, será encaminhado para votação no Senado.

Como encerrar um lixão

Como medidas iniciais para realizar o cercamento da área está a drenagem superficial e a cobertura com vegetação apropriada. As informações são da Casa Civil. De acordo com a pasta, é possível evitar novos aportes de resíduos no local. Após o fechamento, é necessário um planejamento para recuperação da área contaminada a ser feito pelo Ministério do Meio Ambiente

A Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010) determina que, após a submissão dos RSU aos tratamentos e destinações disponíveis, os resíduos restantes — ou rejeitos — devem ser enviados para uma disposição final ambientalmente adequada. Essa disposição final deve observar normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança — e ainda minimizar impactos ambientais adversos.

Lixões, aterros controlados, valas, vazadouros e áreas similares não possuem essa proteção ambiental e são considerados ambientalmente inadequados para a disposição final de resíduos

Fonte: Brasil 61

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

E nem é meme! Caps vira piada nas redes sociais disseminando preconceitos e estigmas contra pacientes psiquiátricos


Se você tem redes sociais, certamente algum desses memes já passou pelo seu feed. Dê play no link de um vídeo abaixo e confira:


O vídeo acima traz uma pequena amostra das dezenas de memes - espécie de charge moderna - postados diariamente nas redes sociais. Há meme pra tudo. Seja assuntos do momento, um deslize de alguém famoso e até mesmo de assuntos sérios. E é aí que a piada perde a graça. Na filosofia do "tudo vira meme", acabamos "curtindo", comentando e compartilhando essa imagens que, parando para refletir, são uma forma de ridicularizar um assunto muito sério: a doença mental e o paciente psiquiátrico. Estamos falando de psicofobia.

Com a força incalculável das redes socias, esses vídeos de humor disseminam, em pleno século 21, estigmas e preconceitos seculares. Se na Idade Média a doença mental era vista como possessão de demoníaca ou feitiçaria, chegamos a era moderna mudando o conteúdo mas preservando a forma preconceituosa de lidar com a saúde mental, ou a falta dela.

Entre um meme e outro, acabamos perpertuando conceitos equivocados, desinformação e preconceito, ao estigmatizar quem usa os serviços dos Centros de Atenção Psicossocial, o Caps, além de afastar quem busca tratamento. Atualmente são quase três mil unidades desses Centros, que atendem pessoas em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas.

“Isso é sempre muito ruim. Esses memes, piadas, são uma manifestação de estigma, de preconceito, de psicofobia. Foi criado esse termo que significa o preconceito, o estigma, contra não apenas a doença mental, mas tudo relacionado a ela. A pessoa que tem a doença, a doença em si, familiares, amigos, cônjuges, trabalho e etc”, explica a psiquiatra Miriam Gorender, Diretora -secretária da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e professora do departamento de Neurociências e Saúde Mental da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

“É algo danoso. As pessoas que fazem isso não têm noção do mal que estão causando, do sofrimento que estão causando aos próprios pacientes, às famílias. São pessoas que realmente não assumem uma responsabilidade”, ressalta a especialista.

Na entrevista ao TNH1, Drª Miriam alerta para o último ponto citado acima, o trabalho. Ela chama a atenção para consequências desse na vida profissional das pessoas em tratamento psiquiátrico.

“A gente vê muito problemas com pessoas com doença mental que são impedidas de trabalhar, mesmo tendo plena condição. A doença mental, apesar de frequentemente ser incapacitante, ela não é automaticamente incapacitante. Mas as pessoas e as empresas têm medo de contratar quem tem qualquer doença mental ou tome qualquer medicação psiquiátrica. Assim como a gente pode comparar com as empresas que não queriam contratar pessoas que tivessem HIV. Ou seja, preconceito”, compara.

Na unidade do CAPs visitada pela reportagem, em Maceió, as impressões com relação ao humor pejorativo são semelhantes ao da psiquiatra. “Tem usuários que negam que frequentam o Caps. Esses vídeos geram um desconhecimento grande da instituição e do serviço prestado aqui. Eles só fortalecem a desinformação”, lamenta Karla Rocha, assistente social e gerente do Caps Sadi Carvalho, um Centro que atende pacientes de 14 bairros da capital alagoana.

Para Ana Clara Parízio, assistente social e especialista em saúde mental no mesmo Centro de Karla, ridicularizar a doença mental só piora as coisas para os pacientes. “É muito prejudicial [piadas e memes], sem dúvidas. Fazer piada com uma coisa tão séria. Brincar com um problema de saúde, e ainda mais de saúde mental, só traz prejuízos para quem já não está bem”, aponta.

Usuária do Caps: "Não tem graça nenhuma"

Dona Juracy da Silva, 60 anos, uma das 400 pessoas atendidas todos os meses no Caps Sadi Carvalho, a piada não tem graça. “Não tem graça nenhuma. Não acho correto fazer piada com o problema do outro. Isso é sério, gente!”, diz dona Juracy, que há 10 anos frequenta o Centro, e fala com otimismo dos serviços prestados. “Sei que minha doença não tem cura. Mas eu tenho uma vida normal. Aqui eu fiz amigo, somos tratados como gente. Eles não largam você. Aqui no Caps eu virei até atriz. E agora estou aprendendo a ler”, afirma uma paciente otimista com o tratamento recebido, depois de relatar um histórico de surtos e tentativa de suicídio, fruto de uma vida que envolve abusos e violência doméstica.


PSICOFOBIA: SEU PRECONCEITO CAUSA SOFRIMENTO


A psicofobia, conceito pouco difundido, não nasceu com a internet, mas encontrou nas redes sociais um terreno fértil, onde o humor politicamente incorreto e, neste caso, pejorativo e até cruel, é compartilhado, curtido e comentado diariamente, sem espaço para a reflexão sobre o mal que pode causar.

Curiosamente, o termo “psicofobia” partiu de uma sugestão do humorista Chico Anysio. Em entrevista em 2011 ao presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Dr. Antonio Geraldo da Silva, o humorista revelou que fazia tratamento contra a depressão há mais de duas décadas. E sugeriu que era necessário criar-se um termo para descrever o preconceito sofrido por pessoas com doenças mentais. Após estudos e avaliações, o presidente da ABP criou o neologismo Psicofobia. Com isso, institui-se o 12 dia abril, data de nascimento do humorista, como o Dia Nacional de Enfrentamento à Psicofobia.

Certamente nem todos os que compartilham os “memes do Caps” diariamente conhecem a campanha de combate à psicofobia, encampada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), mesmo que este ano, a campanha tenha completado uma década. Um trabalho reconhecido internacionalmente, considerada a maior campanha anti-estigma do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Depois de rir dos memes, é hora de refletir. Assista ao vídeo de divulgação da campanha da ABP 2024:


Criminalização da psicofobia 

Como todo preconceito, o combate à psicofobia precisa ir além das ações educativas. Para a psiquiatra Miriam Gorender, assim como racismo, é preciso penalizar esse tipo de postura.

“Hoje, felizmente, por exemplo, você não pode sair fazendo piada racista. Por quê? Porque é crime. Então, esses comportamentos irresponsáveis, criminosamente irresponsáveis, eu acho que só vão parar quando esse tipo de preconceito for criminalizado. E nós lutamos por isso e pedimos ajuda à mídia para que nos ajude nessa batalha”, afirma.

Projeto de Lei - No Senado Federal tramita um projeto de lei com a mesma idade da campanha da ABP. Há dez anos o então senador Paulo Davim, do Rio Grande do Norte, protocolou o Projeto de Lei nº 74, que alterava o Código Penal, prevendo pena de até 3 anos para quem praticasse injúria contra pessoas com transtorno mental. A proposta chegou a ser aprovada pela Comissão de Direitos Humanos da Casa, mas não chegou a ir à plenário para votação.

INFORMAÇÃO PARA COMPARTILHAR: CONHECENDO MELHOR O CAPS

O Caps integra a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Ministério da Saúde. Trata-se de um um conjunto integrado e articulado de diferentes equipamentos que atende pessoas em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A rede envolve as esferas federal, estadual, com ações intersetoriais.

Essa rede inclui a Unidade Básica de Saúde/Estratégia de Saúde da Família (UBS/ESF), Unidades de Acolhimento (UA), Serviços Residências Terapêuticos (SRT), Programa de Volta para Casa (PVC), Unidades de Pronto Atendimento (UA), SAMU, Hospitais Gerai, Centros de Convivência e Cultura e, claro, os Caps.

Mas nem todo Caps é igual. O serviço se divide por tipo de atendimento, horário de funcionamento e número de habitantes. O Caps ad, por exemplo, que atende pessoas com problemas ocasionados por abuso de álcool e outras substâncias. Veja como funciona cada um dos 6 tipos de centro.



Mais de 26 milhões de atendimento em todo o país

Os Centros de Centros de Atenção Psicossocial são destinados a municípios acima de 15 mil habitantes. Hoje, o país conta com 2.947 Caps, distribuídos em 1.973 municípios.

São Paulo é o estado com mais unidades (489), seguido de Minas Gerais (392) e Bahia (270).

Até 2023, segundo levantamento do MS, no país foram mais de 26 milhões de atendimentos em todo o país (exatos 26.367.627). São Paulo lidera o ranking, com mais de 6 milhões de atendimentos ( 6.744,010). Em seguida vem Minas Gerais com 3.160 mil atendimentos. O Rio de Janeiro fica em terceiro em número de atendimentos: 2.043743. Vale lembrar que o número de atendimento não corresponde ao número de usuários atendidos, considerando que uma pessoa pode ter sido atendida mais de uma vez.

APÓS 23 ANOS, REFORMA PSIQUIÁTRICA AINDA DIVIDE OPINIÕES

Os memes espalhados pelas redes sociais disseminam, entre outros mitos, a confusão entre Caps e hospitais psiquiátricos. Ambos importantes na rede de apoio à saúde mental, os dois aparelhos estão no centro de uma discussão que ainda se estende passados 23 anos da Reforma Psiquiátrica, sancionada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Basicamente a queda de braço se deve ao modelo adotado atualmente, com base nos centros de acolhimento. Formato que não é unânime entre os profissionais da área.

‘Existe uma narrativa já de muitos anos de que o CAPS é um serviço substitutivo. O problema é que não tem como um CAPS substituir um leito de hospital psiquiátrico especializado. O que nós na ABP defendemos é que o Caps não tem como ser substitutivo, ele pode ser no máximo complementar, porque o objetivo com qual o CAPS foi criado foi para reabilitação social de doentes graves e crônicos, enquanto que a hospitalização é para doentes em episódio agudo”, afirma Drª Miriam Gorender.

“O hospital psiquiátrico tem determinadas características que um CAPS não tem como repor ou substituir. Então ele tem um médico psiquiatra plantonista 24 horas, nenhum CAPS tem isso. Ele tem um ambiente protegido que o CAPS não tem. E quando eu falo ambiente protegido, é por exemplo, sem possibilidade do paciente ter meios para se matar ou matar outras pessoas. Sendo que quando o paciente é internado, a indicação para o internamento, a indicação técnica para o internamento hospitalar vai ser sempre risco iminente para a vida do paciente, ou de terceiros, ou de dano grave”, defende a especialista.

Na outra ponta da discussão, os defensores do modelo Caps ressaltam a humanização dos Centros, em contraponto com os antigos manicômios, onde, em muitos casos, foram registradas cenas degradantes.

O Caps tem em sua filosofia um serviço de saúde de caráter aberto e comunitário, que atua para reintegração do paciente à sociedade e à própria família.

“O Caps é um serviço porta aberta. Aqui os usuários são tratados como uma pessoa, não apenas um paciente. Não se trata apenas de um serviço médico. Há um resgate da cidadania, um tratamento integrativo, um olhar enquanto pessoa”, afirma Karla Rocha, do Caps Sadi Carvalho. A colega de Centro, Ana Clara Parízio, faz coro.

“A pessoa encontra aqui um tratamento multidisciplinar. Do psiquiatra ao terapeuta ocupacional, do assistente social ao nutricionista. Aqui há um cuidado nutricional, educação física, oficinas, artes. É um cuidado completo”, afirma.

AMANDA & KENN VICTOR - UMA HISTÓRIA DE AMOR QUE COMEÇOU NO CAPS



“Parece até zoeira mas é real: o cara me conheceu no Caps e hoje em dia me trouxe para morar com ele no Japão até temos um filho”. A frase, de um post no Instagram é da pernambucana Amanda Teresa, 22 anos. O “cara” a quem ela se refere é o esposo, Kenn Victor, 26 anos, músico e atleta de ascendência japonesa. Juntos eles vivem uma história que mais parece um roteiro de um dorama, como são chamados os seriados asiáticos.

Consultas em unidade do Caps e uma lista de distúrbios que inclui ansiedade, depressão, síndrome do pânico, bipolaridade e TDAH não são exatamente atributos românticos para uma história de amor. Mas foi nesse turbilhão que nasceu o relacionamento desse casal, que hoje mora Gunma, um distrito na ilha Honshu, no Japão, com o filho de dois anos.

“Eu a via no Instagram após uma amiga dela mostrar o meu perfil pra ela. Morávamos bem distante um do outro. Eu em Porto de galinhas e ela em Paulista. O trajeto demorava em média 3 horas e eu alternava entre ônibus, metrô e Uber dependendo do horário. Quando eu que ia pra lá coincidiam com os dias de consulta dela no CAPS. Nossos primeiros meses juntos foram nessas idas ao CAPS. E eu tinha o maior prazer de acompanhar e sentir que estava ajudando a cuidar dela e fazer ela melhorar”, conta Kenn, em entrevista pelo WhtatsApp, no intervalo do trabalho em uma fábrica de autopeças.

Se ele hesitou namorar uma jovem “problemática”? “Ela estava tratando ansiedade, depressão, síndrome do pânico, bipolaridade e TDAH. Como eu já tinha conhecimento de todos esses transtornos e também tinha muito sintomas de ansiedade e depressão e TDAH (mas nada diagnosticado de fato porque não fazia terapia), não era algo que me dava medo ou algo do tipo. Então sempre fui muito compreensivo e empático, fatores que acho muito importantes para se relacionar com alguém assim, e então conseguia lidar bem com essa situação”, explica.

Mas ao contrário da postura do hoje marido, Amanda enfrentou preconceitos de outras pessoas. “A Amanda tem uma incrível trajetória de luta e superação. Desde os 14 anos ela faz terapia e tomava medicamentos de tarja preta e vermelha. A maioria das pessoas do circulo social dela não entendiam e eram ignorantes sobre saúde mental. Então falavam os maiores clichês que os ignorantes falam: falta de Deus, que se drogava (por causa das crises de bipolaridade), que precisava apanhar e etc”, observa o jovem, citando estigmas bem comum, como já mostrado na reportagem.

Otimista e cheio de empatia, mas consciente de que os memes geralmente são usados de forma negativa, Victor dá uma dica de marketing.

“Os responsáveis pela propaganda do CAPS deveriam até se aproveitar de como tá sendo muito usado no momento, para também tirar o lado da desinformação de que lá só tem ’maluco’. Quem bota o CAPS ou pessoas com transtornos mentais em piadas deve tomar extremo cuidado com as palavras e a intenção do humor”.

EBOOK EXPLICA TUDO SOBRE A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL