quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O corpo é meu, a cidade é nossa


Do Blog Blogueiras Femininas
Nas Marchas das Vadias, uma das palavras de ordem que apareceu foi a frase “O corpo é meu/ A cidade é nossa”. As marchas nasceram como uma resposta à culpabilização das vítimas em casos de estupro. Mas além do direito de não ser estuprada, as mulheres colocaram em pauta o direito à cidade. Até pela forma escolhida pelas manifestações – tomando as ruas e andando pelas cidades – esse é um caráter inegável do fenômeno.

Sabe-se que a maior parte da violência, de natureza sexual ou não, contra a mulher acontece dentro do ambiente doméstico – os autores são namorados, maridos, pais, padrastos, etc. Porém se em casa a mulher está sujeita à violência privada, na rua entra ocorre outra forma de controle. Ao andar a pé, a mulher está sujeita ao assédio das cantadas grosseiras; no transporte público, ao abuso sexual; no carro, aos xingamentos e ao preconceito sobre sua capacidade de dirigir.

São fatos que limitam o direito das mulheres ao espaço público. Essa interdição reflete uma dicotomia entre pessoal e político, que o feminismo tenta desconstruir. Nas cidades – onde se exerce o que ficou conhecido como cidadania – a presença da mulher ainda é conflituosa. Homens e mulheres têm vidas urbanas diferentes; mesmo que a falta de segurança seja um problema para todos, para as mulheres o medo é maior.

Homens e mulheres vivem, sentem medo e enfrentam experiências e restrições diferentes. Mulheres sentem muito mais medo do assédio e da violência sexual, seja de dia ou de noite. Há desde preocupações com o assédio sofrido nos transportes coletivos até a preocupação com estupros que limitam a mobilidade das mulheres e reduzem seu acesso a espaços públicos. Porém, o pior é saber que muitas vezes as mulheres são culpabilizadas pela violência que sofrem. Foi roubada? Quem mandou passar naquela rua escura a essa hora?
Não faz tanto tempo assim que as mulheres brasileiras (as brancas, de elite) começaram a sair de casa. Um artigo do antropólogo Antonio Risério, no Terra Magazine, revê os relatos sobre a presença feminina nas nossas cidades. Essas mulheres, durante séculos, estiveram confinadas em casa.

É lugar comum a afirmação de que as mulheres brasileiras, durante séculos, viveram isoladas, encerradas no recinto de suas casas. “A dona-de-casa que saísse para fazer compras corria o risco de ser confundida com uma prostituta”, escreve Frédéric Mauro, em O Brasil no Tempo de Dom Pedro II.(“Mulheres nas Cidades”, post da Srta. Bia no LuluzinhaCamp)
De inspiração árabe, os muxarabis e geilosias – estruturas que permitem a passagem de luz e que se espie de dentro para fora, mas não de fora para dentro – “protegiam” (ou seja, escondiam) das ruas até mesmo o rosto das mulheres. Enquanto isso, as negras e brancas pobres circulavam, vendiam, trabalhavam, buscavam água (um papel comum às mulheres em muitos lugares do mundo). A escravidão e seus efeitos, que duraram e duram mesmo após o fim oficial, vêm lembrar que as mulheres que estão na rua não são senhoras de seus corpos.

O direito ao corpo e o direito à cidade estão interligados. Em Campinas, a Marcha das Vadias alcançou um significado ainda maior, devido a casos de estupro no distrito de Barão Geraldo, onde fica a Unicamp. Na nossa lista de discussão, algumas moradoras chamaram atenção ao fato de que a polícia parecia mais preocupada em reprimir o barulho das festas de estudantes e os usuários de drogas do que em garantir a segurança das mulheres. Arrisco-me a dizer que não é apenas um problema de priorização equivocada: um ambiente repressivo, com ares de “toque de recolher” é ainda mais nocivo; as mulheres que ousarem romper a interdição estão sujeitas a punição.

No próximo dia 24, as mulheres sairão às ruas de Campinas, para lutar pela liberdade de andar onde quiserem, com a roupa que quiserem. Há ainda outras marchas programadas em diversas cidades. Vamos, a cada esquina, conquistando nossa autonomia.


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