segunda-feira, 16 de novembro de 2015

É possível um elo entre Mariana e Paris?


Por Fernando Castilho*

Quando cheguei a uma certa idade comecei a fazer uma retrospectiva histórica, filosófica e sociológica do Brasil e do mundo, mais detidamente durante as décadas que vivi.

Óbvio, para mim, pelo menos, que principalmente a partir do fim da 2° guerra mundial, com a disputa pela hegemonia no poder por Estados Unidos e União Soviética, o mundo começou a mudar e se tornar no que é hoje.

Os Estados Unidos ao urgirem se impor ao bloco soviético, foram às últimas consequências para demonstrar que o sonho americano, o american way of life, o país livre, eram muito superiores ao que o comunismo pregava.

E realmente eram. Pelo menos do jeito que as coisas estavam acontecendo.
A publicidade extrapolou todos os limites ao explicitar ao bloco ocidental que se as pessoas não consumissem sem parar, não contribuiriam para a manutenção do sistema.

A exploração de recursos naturais se impôs, uma vez que havia a necessidade de suprir a indústria de matéria-prima.

A proliferação de produtos eletro-eletrônicos exigiu a construção de mais e mais usinas, sejam elas hidráulicas, que destroem o meio ambiente ao redor, sejam elas termoelétricas, que poluem a atmosfera, ou nucleares que podem causar grande contaminação, como Chernobyl ou Fukushima.

A obsolescência programada pelas empresas fez com que as pessoas trocassem seus produtos por outros assim que modelos novos fossem sendo lançados ou assim que os ”antigos” com mais de um ano de fabricação começassem a quebrar sem que o conserto fosse a opção mais econômica.

A Educação deixou de priorizar a produção de conhecimento, a pesquisa científica e o pensamento intelectual. Criou-se um funil destinado a selecionar somente aqueles que fossem capazes de serem úteis à manutenção do sistema. Aqueles que jamais perderiam seu tempo em reflexões acerca das conjunturas humanas, sociológicas, econômicas, filosóficas ou históricas, mas sim, o canalizariam em 100% para o crescimento das empresas em que trabalham.

Afinal, era prioritário que eles galgassem cargos mais altos nas empresas.

Aqueles que não passavam no funil ou que nem mesmo a chance tiveram de passar por ele, eram obrigados a viverem suas vidas também de forma a alimentar o sistema, mas de outra forma. Seriam a mão de obra mais pesada das empresas e galgariam postos sempre inferiores.

Outros seriam excluídos totalmente por terem nascido em lares muito pobres e desestruturados, não tendo a chance sequer de pensar em entrar para o sistema. São os miseráveis hereditários do mundo, que nem sabem por quê estão aqui. Muitos não veem outra opção para sobreviver senão entrar para o crime, que pode lhes garantir, pelo menos por algum tempo, a ilusão de como os do andar de cima vivem.

A guerra fria acabou mas o american way of life prosseguiu em cavar o mundo cada vez mais avidamente, afinal, para alimentar o sistema e aumentar os lucros era imperativo extrair dele o máximo que se pudesse.

Marx previu tudo isso e mais, mas não vamos falar dele sob pena de que o texto seja acusado de comunista, muito em voga nos dias de hoje, certo?

Chegamos aos dias de hoje em que 1% da população mundial detém 50% de toda riqueza.

Como riqueza não se cria, apenas se transfere (numa adaptação livre de Voltaire), não há como melhorar a vida dos restantes 99% sem melhorar a distribuição dessa riqueza. Mas esquece, isso não será feito. Thomas Piketty falou sobre isso em seu livro ”O capital no século 21 ”.

Então o sistema criou uma casta de deuses que domina o mundo e uma multidão de simples fieis. Alguns não serão fieis como se verá adiante.
Para aumentar os lucros os deuses tudo podem.

Pausa para uma estória verídica.

Na década de 1970 a Ford americana lançou um automóvel chamado Ford Pinto, alguém se lembra?

Pois bem, o Ford Pinto tinha um erro de projeto. O tanque de combustível fora colocado atrás, muito próximo ao para-choques, o que fazia com que a cada colisão traseira, o tanque explodisse matando ou mutilando seus ocupantes.
A Ford foi processada por alguns familiares de vítimas.

Durante o julgamento, apareceu um memorando interno dando conta de um cálculo que a empresa fez.

Nesse cálculo estimava-se que o custo para reparar o erro seria de 11 dólares por veículo.

A Ford estimou que, caso um certo número de vítimas a processasse e ganhasse, ainda assim seria mais barato manter o carro do mesmo jeito.

Chegamos a um ponto na História da humanidade em que a busca do lucro se sobrepõe facilmente à vida.

Por décadas esse sistema se infiltrou no nosso DNA, de forma que contestá-lo se torna heresia nos dias de hoje.
Ao que tudo indica, vamos até o fim com ele, como o sapo que morrw ao ser cozido lentamente na panela, quando teve oportunidade de sair.
Sinto tristeza em ver que o mundo ocidental foi tomado por essa ideologia da qual não consegue escapar.

Tudo isso que foi escrito se destina a tentar explicar os acontecimentos de Mariana e de Paris.

Mariana
 
Em Mariana, subdistrito de Bento Rodrigues, o que aconteceu foi uma busca incessante por lucros em detrimento da segurança.

Burlas em laudos técnicos, fraudes, corrupção de agentes vistores e de governadores, tudo isso faz parte da rotina de uma grande empresa que só se preocupa com lucros.

Nenhuma barragem, obra de engenharia que deve ser bastante segura em seu projeto, se rompe da noite para o dia sem dar sinais antes.

Os sinais podem ter sido vários, desde fissuras no concreto até estalos bem altos.

A tragédia foi anunciada em nome de se obter maiores lucros pois a interrupção de funcionamento para reparos e manutenção teria custos.

Indo para Paris

Em 2013 apareceu um grupo com pretensões a derrubar o regime de Bashar al-Assad, presidente da Síria. Barack Obama rapidamente, informado pela CIA, enxergou a possibilidade de ajudar o grupo na defenestração de Bashar para pretensamente colaborar para a instauração de um governo democrático no país que lhe possibilitasse usufruir do petróleo ali existente.

Para não dar na vista, Obama divulgou à mídia que iria combater o EI. Pelo contrário, as armas que o grupo emprega são de fabricação norte-americana.

O grupo só se fez crescer.

Quem se agregou ao grupo? Sim, os excluídos de vários países do mundo que viram em sua adesão ao EI uma oportunidade de fazer alguma coisa de suas vidas sem espaço no sistema em que vivem.

Vimos ingleses, franceses a até americanos ingressarem voluntariamente no EI.
A Rússia decidiu intervir e vem abrindo baixas significativas no EI. Obama não gostou.

Provavelmente em pouco tempo a Rússia consiga acabar com o Estado Islâmico.
O que aconteceu em Paris talvez seja um canto de cisne para o grupo.

Porém, o que aprendemos das lições passadas nos últimos dias?

Nada.

O mundo continuará a prosseguir na mesma trilha equivocada em que está, a fraternidade universal não será alcançada, o Papa Francisco poderá ser morto a qualquer momento, outros ”acidentes” ambientais ocorrerão, novos grupos de excluídos e inconformados surgirão e a humanidade está com seus dias, talvez décadas, contadas.

Alguém acha que sou muito pessimista, ou apenas realista?

Não há a mínima possibilidade de mudança.

Os deuses são como aquelas pessoas que tem carros blindados e que vivem em condomínios cercados por segurança extrema.

Desde que tenham sua própria segurança, que acabe o mundo ao seu redor.
Abre-se mais uma champanhe.

*Fernando Castilho é arquiteto urbanista, formado pela USP. Professor e blogueiro, mora no Japão e mantém no QTMD? a coluna “Em memória de Getúlio”.

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