segunda-feira, 13 de maio de 2024

Médicos-monstros espalham fake news no RS

Ilustração do site Istock

Por Altamiro Borges

Na semana passada, o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social (Secom), enviou à Polícia Federal uma relação de suspeitos para serem investigados por difundirem fake news sobre a tragédia no Rio Grande do Sul. Segundo Mônica Bergamo, “dois médicos estão na lista. Eles postaram vídeos em suas redes sociais afirmando que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estaria impedindo aviões particulares de decolarem com medicamentos doados às vítimas da catástrofe – o que a agência nega de forma enfática”.

A dermatologista Roberta Zaffari Townsend está na lista encaminhada à PF. A farsante “afirmou a seus 33,5 mil seguidores no Instagram que ela e ‘colegas médicos’ tinham conseguido ‘aviões particulares’ de ‘amigos’ que estavam doando remédios. Os medicamentos, porém, não chegavam ao estado por causa da burocracia da Anvisa. ‘Por favor, Anvisa, libera as medicações. A gente precisa salvar vidas de pessoas’”, postou a farsante. O segundo bandido já é bastante conhecido pela Justiça brasileira. Trata-se do médico Victor Sorrentino.

Preso por assédio sexual no Egito

Com 1,3 milhão de seguidores no Instagram, ele postou que aviões privados, “em três aeroportos, carregados de medicamentos”, não conseguiram decolar por causa da “burocracia da Anvisa... Estão fazendo as pessoas morrerem sem medicamentos aqui”. O vídeo desse médico-monstro teve forte repercussão nas redes digitais, levando a Anvisa a divulgar uma nota, sem mencioná-lo, garantindo que “não efetuou qualquer restrição ao transporte de medicamentos destinados ao Rio Grande do Sul”.

Victor Sorrentino adora provocar. Como lembra Mônica Bergamo, “ele já foi detido no Egito, em 2021, acusado de assédio sexual, e suspenso por um mês, em abril deste ano, pelo Conselho Regional de Medicina do RS por violar o Código de Ética da profissão”. O caso do assédio ocorreu em maio de 2021. Em vídeo postado no seu Instagram, ele fez comentários sexistas em português a uma vendedora ao comprar um papiro. “Vocês gostam é do bem duro. Comprido também fica legal, né?”, vomitou o médico asqueroso. O vídeo acabou viralizando e entidades feministas pediram e conseguiram a prisão do assediador. Ele ficou detido no Cairo por quatro dias.

Na época, uma matéria da Folha ainda registrou que “Sorrentino é defensor do chamado tratamento precoce para a Covid-19 e deu entrevistas defendendo a hidroxicloroquina, medicamento ineficaz para a doença... Um vídeo antigo que voltou a circular agora mostra o presidente Jair Bolsonaro, quando ainda era deputado federal, dizendo que Sorrentino é ‘mais que um amigo virtual, é um irmão de farda e de fé’”.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Palestina — universidades e escolas destruídas, 6.250 estudantes mortos e 10.300 feridoss

Em Bordeaux, na França, professores e alunos reuniram-se em apoio ao
povo palestino. 
Fotos: @PalestineMo

Devemos lutar para que pesquisadores da Ucrânia e Palestina não sejam tratados com dois pesos e duas medidas


1.

Este texto está sendo escrito enquanto dezenas de tradicionais universidades nos Estados Unidos estão ocupadas por acampamentos de estudantes demandando o fim do genocídio palestino, rupturas de contratos universitários com empresas que apoiam e sustentam o genocídio e a liberdade de milhares de manifestantes presos.

Enquanto, nessas metrópoles do império mundial, os manifestantes nos campi estão sofrendo medidas policiais e administrativas, bombas de gás e prisões generalizadas, em Gaza quase todas as escolas e todas as universidades foram destruídas logo nos primeiros meses dos ataques israelenses a partir de outubro de 2023.

Um movimento histórico e fundamental está acontecendo nos Estados Unidos, com potencial de transformar a educação universitária e até de interferir no cenário da guerra imperialista no Oriente Médio.

Quando estudantes ocupam o campus e desafiam suas carreiras universitárias por motivos de solidariedade internacional, cabe refletir qual é o papel das universidades e instituições educativas em outros países, como o Brasil.

2.

Ainda em janeiro de 2024, o Ministério da Educação da Palestina dava conta que 280 escolas governamentais e 65 escolas administradas pela Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA) já haviam sido destruídas ou danificadas pelo assalto israelense.

Várias delas (como Al Fakhoura, Al-Buraq e Shadia Abu Ghazzala) foram atacadas enquanto serviam de abrigo para pessoas que já tinham perdido suas casas.

A continuidade pedagógica está gravemente comprometida, não apenas pela destruição física, mas pela dispersão forçada de alunos e professores. Todas as universidades de Gaza foram destruídas. Apenas para ilustrar, a Universidade Al-Israa foi literalmente implodida com 315 minas, no dia 17 de janeiro de 2024 (Al Jazeera, 2024).

Figuras acadêmicas, científicas e intelectuais e suas famílias haviam sido alvos de ataques em suas casas sem aviso prévio. Os alvos incluíam até janeiro 17 indivíduos que possuíam graus de professor, 59 que possuíam doutorados e 18 que possuíam mestrados (EMHRM, 2024).

Fundada em 2014, a Universidade Al-Israa consolidou-se em poucos anos como uma das
mais importantes da Palestina. Fotos: Reprodução de vídeo

Até 17 de abril, o Ministério da Educação Palestino (v. gráfico abaixo) contou 6.237 estudantes mortos e outros 10.300 outros feridos, bem como 296 professores e servidores administrativos mortos e 973 feridos.

Isso apenas na Faixa de Gaza, sem contar os estudantes, docentes e servidores mortos, feridos ou presos no mesmo período, na Cisjordânia ocupada. Esses números tampouco revelam a quantidade exponencial de crianças, jovens e adultos privados do direito à educação pela interrupção das atividades escolares e universitárias: 620 mil só em Gaza.

A perda de tais instituições resulta não apenas na interrupção imediata da educação, mas também no prolongamento do trauma e na dificuldade de recuperação no longo prazo.

São atos de violência epistêmica que removem a capacidade dos palestinos de sustentar e desenvolver seus próprios conhecimentos e cultura.

Para Elham Kateeb (apud Jack, 2024), decana na Universidade Al-Quds, em Jerusalém Oriental, “as universidades podem desempenhar um papel crucial na liderança dos palestinos em direção aos seus objetivos e na construção do Estado”, já que “esse compromisso está incorporado em suas missões fundamentais de educação, pesquisa e serviço comunitário”.

Assim, “as universidades palestinas têm sido historicamente pioneiras na formação da identidade nacional, na promoção da resiliência e na contribuição para o desenvolvimento da comunidade”, e isso só pode acontecer sobre um fundamento de justiça e liberdade.

Comunidades inteiras têm perdido não apenas suas escolas e universidades, mas também o acesso a um espaço crítico para a formação de identidades coletivas e individuais, o desenvolvimento de habilidades e a transmissão de conhecimentos culturais.

A educação é um ato de resistência e reafirmação da humanidade contra as forças de opressão. A destruição de tais instituições é, portanto, um ataque direto à própria essência da identidade e da resistência palestinas.

3.

O relatório preliminar da organização Bibliotecários e Arquivistas com a Palestina (LAP, 2024), documentou extensivos danos a patrimônios culturais em Gaza devido a ações militares israelenses, entre outubro de 2023 e janeiro de 2024.

Dentre as perdas, destacam-se a destruição total dos Arquivos Centrais da Cidade de Gaza e da Biblioteca e Mesquita Omari, incluindo coleções raras de livros. A Biblioteca Diana Tamari Sabbagh e a Biblioteca da Universidade Islâmica de Gaza também foram completamente destruídas.

O relatório menciona ainda a destruição da Biblioteca e Museu Nacional da Universidade Al-Israa, que continha mais de 3.000 artefatos arqueológicos.

Além dos prejuízos materiais, vários bibliotecários e arquivistas perderam suas vidas, sublinhando o alto custo humano e cultural dos conflitos. Estes dados são representativos de apenas uma fração do total de danos, devido às dificuldades em documentar completamente a situação durante o conflito.

Os recursos educacionais, históricos, culturais e religiosos na Faixa de Gaza vêm sendo sistematicamente destruídos.

A destruição inclui a maioria dos edifícios públicos, centenas de marcos culturais e instalações de serviços, bem como o extermínio de pessoas com elevadas capacidades intelectuais e especializações, incluindo médicos, acadêmicos, e especialistas em tecnologia, programação e engenharia de computação, bem como as sedes de suas empresas.

A destruição deliberada de patrimônio cultural é reconhecida no Direito Internacional como um crime de guerra, com vários precedentes no Tribunal Penal Internacional (Moreira, 2023; Cuno. Weiss, 2022), buscando a responsabilização pelo ataque generalizado a bens culturais essenciais para a identidade e a história dos povos.

Universidade Al-Azhar antes e depois da agressão israelense em curso na Faixa de Gaza (WRP, 2024). 

A Convenção de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais de 1977 proíbem explicitamente danos intencionais ao patrimônio cultural por forças invasoras ou ocupantes, incluindo saques e o uso de patrimônio em ações militares.

Esses tratados também protegem o patrimônio cultural de ataques e represálias, considerando-os alvos civis e não militares. Além disso, protocolos adicionais, como o de 1980, proíbem e sancionam o uso de minas e outros dispositivos em locais culturais importantes.

Não se trata apenas de eliminar indivíduos, mas também destruir a infraestrutura cultural, educacional e tecnológica que sustenta essa sociedade, atacando sua autonomia intelectual e cultural e tentando romper os laços históricos entre o povo e sua terra.

Uma guerra de ocupação colonial não se baseia apenas na eliminação física e dominação direta dos colonizados. Na América Latina, temos vivido isso há mais de 500 anos.

Na “Conquista” espanhola contra a civilização mexicana, o elemento fundamental foi a destruição dos códices (os pergaminhos que registravam toda a cultura, história, língua e mitos de origem do povo nativo), dos lugares de culto e das entidades espirituais.

Tenochtitlán, o nome originário da atual Cidade do México, foi literalmente soterrada, para que a cidade espanhola fosse construída por cima.

Mas o Templo Mayor dos mexicas jaz literalmente debaixo do Palácio de Governo do colonizador, e a Catedral Metropolitana da Cidade do México foi construída sobre as ruínas do principal local de adoração da deusa Tonantzin.

Não foi diferente na grande Cusco, sede da civilização Inca, onde os espanhóis mantiveram os sólidos alicerces de pedra milenares para construir os novos edifícios coloniais.

As cidades antigas que haviam sido abandonadas antes da chegada dos conquistadores, como Tikal, na atual Guatemala, ficaram intocadas, o que demonstra que os colonizadores se dirigiram para as cidades mais populosas e vivas, que representavam as bases e a reprodução da cultura originária.

Parafraseando Enrique Dussel (1993), aquilo que, para a filosofia eurocêntrica, representava um des-cobrimento, sob o olhar dos nativos se tratou de en-cobrimento, o que vem acontecendo desde as Cruzadas e as Grandes Navegações, momentos constitutivos da chamada civilização ocidental, e que tem continuidade hoje nos territórios palestinos ocupados. Esta é uma dimensão particular do genocídio: o epistemicídio.

Na dimensão atual das trocas de informações, em que a ciência é tratada como “narrativa” e os meios de comunicação contam uma história única, seguindo à risca as determinações editoriais dos centros do capital midiático, onde abundam qualificações seletivas de “terroristas” e os agentes do império até hoje se apresentam como xerifes para “organizar” as casas que eles mesmos vêm destruindo, o risco do epistemicídio é ainda maior.

Naquela ideia de que a história contada é sempre a história dos vencedores, a destruição das instituições educativas palestinas visa eliminar as possibilidades de desmascaramento atual e futuro da História, a eliminar as provas e até a consciência do genocídio.

Violações contra a educação na Palestina, entre 7 de outubro de 2023 e 16 de abril de 2024 (PMoE, 2024)



4.

O Estado brasileiro tem se manifestado de maneira resoluta e solidária nas instituições internacionais, contra o genocídio e em defesa do Estado palestino, além de medidas concretas como os voos de repatriados e seus familiares.

Há muitas outras medidas concretas que podem ser praticadas, tendo em vista, sobretudo, que a cooperação entre os povos é um dos princípios da sua política internacional (art. 4º da Constituição Federal).

Ações de cooperação nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia podem dar respostas eficazes ao epistemicídio e à destruição das escolas e universidades palestinas.

Um exemplo desses tipos de ações é o Programa de Acolhida a Cientistas Ucranianas, da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná.

A vinda de pesquisadoras de alto nível, deslocados da guerra naquele país, para universidades paranaenses, tem sido percebida como uma oportunidade ímpar para reconstruírem suas vidas com suas famílias em solo brasileiro.

As universidades e a sociedade que os recebem só têm a ganhar. Devemos lutar para que pesquisadores da Ucrânia e Palestina não sejam tratados com dois pesos e duas medidas.

*Julio da Silveira Moreira é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

Referências:

AL JAZEERA. How Israel has destroyed Gaza’s schools and universities. 24 jan. 2024. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2024/1/24/how-israel-has-destroyed-gazas-schools-and-universities.

CUNO, James; WEISS, Thomas G. (ed.). Cultural Heritage and Mass Atrocities. Los Angeles: Getty Publications, 2022. Disponível em: https://www.getty.edu/publications/cultural-heritage-massatrocities.

DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

EURO-MED HUMAN RIGHTS MONITOR (EMHRM). Israel kills dozens of academics, destroys every university in the Gaza Strip. 20 jan. 2024. Disponível em: https://euromedmonitor.org/en/article/6108/Israel-kills-dozens-of-academics,-destroys-every-university-in-the-Gaza-Strip.

EURO-MED HUMAN RIGHTS MONITOR (EMHRM). Israel’s demolition of educational institutions, cultural objects in Gaza is additional manifestation of genocide. 16 fev. 2024. Disponível em: https://euromedmonitor.org/en/article/6163/Israel%E2%80%99s-demolition-of-educational-institutions,-cultural-objects-in-Gaza-is-additional-manifestation-of-genocide.

JACK, Patrick. Academia in Gaza ‘has been destroyed’ by Israeli ‘educide’. Times Higher Education, 29 jan. 2024. Disponível em: https://www.timeshighereducation.com.

LIBRARIANS AND ARCHIVISTS WITH PALESTINE (LAP). Israeli Damage to Archives, Libraries, and Museums in Gaza, October 2023–January 2024: A Preliminary Report from Librarians and Archivists with Palestine. Disponível em: https://librarianswithpalestine.org/gaza-report-2024/.

MOREIRA, Julio da Silveira. Pela Palestina: textos selecionados sobre Direito Internacional. Prefácio de Camilo Pérez-Bustillo. Toledo, PR: Instituto Quero Saber, 2023. Disponível em: https://www.institutoquerosaber.org/editora72.

PALESTINIAN MINISTRY OF EDUCATION (PMoE). Violations against education in Palestine, October 7, 2023 to April 16, 2024. Disponível em: https://twitter.com/PalestineMoE.

WORKERS REVOLUTIONARY PARTY (WRP). Annihilation of Gaza Education: Israel is systematically erasing the entire education system!. The News Line, 15 mar. 2024. Disponível em: https://wrp.org.uk/features/annihilation-of-gaza-education-israel-is-systematically-erasing-the-entire-education-system/.

FONTE: Viomundo

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Grupos armados atuam para expulsar moradores de paraíso turístico do PI

Praia Barra Grande, Cajueiro da Praia.
Foto: Pref. de Cajueiro da Praia



Por Carlos Madeiro da UOL

Comunidades tradicionais que moram em Barra Grande, litoral de Cajueiro da Praia (PI), relatam ameaças e ataques de milícias que atuam para expulsar moradores. O caso foi denunciado pela DPU (Defensoria Pública da União).

Nos últimos anos, a praia de Barra Grande viveu um boom no turismo, com a abertura de pousadas. O destaque é a prática do kitesurf — a região apresenta condições ideiais para o esporte e atrai pessoas do Brasil e do mundo, inclusive para competições.

"As terras passaram a ter um valor econômico grande, e isso trouxe a cobiça de gananciosos grileiros que tentam se apropriar dessas terras e explorá-las economicamente com empreendimentos, em detrimento das comunidade tradicionais que lá residem há décadas." 

- José Rômulo Sales, defensor público da União

Sales conta que esteve no local em janeiro e colheu relatos de casos de violência. Para tentar resolver o problema, ele diz que prepara duas ações civis públicas para que a União regularize e dê posse das áreas devidas aos moradores tradicionais.

O litígio e suposta grilagem de terras são investigados em inquérito civil aberto em junho de 2023 pelo MPF (Ministério Público Federal).

Segundo o órgão, a praia fica na APA (Área de Proteção Ambiental) Delta do Parnaíba, que é de titularidade da União e "potencialmente ocupada pelos agricultores há 60 anos". Como as investigações estão em curso, o órgão não passou detalhes.

Prática de Kitsurf leva turistas e Competidores
à Barra Grande. Foto: Reprodução

A SPU (Secretaria de Patrimônio da União), ligada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, afirmou que realizou uma fiscalização no local e observou "indícios de irregularidades relacionadas à ocupação e uso indevido da área". "A apuração está em curso e o relatório final será encaminhado ao MPF"

Relatos de violência

Nas últimas três semanas, o UOL ouviu moradores, recebeu vídeos e leu documentos e decisões judiciais que apontam para uma atuação de grupos armados, contando inclusive com policiais.

O pescador Demétrio Oliveira da Silva, 36, nasceu e cresceu em uma família com seis irmãos na praia. "Meu pai é pescador até hoje, ele chegou aqui ainda adolescente", diz.

Casa destruída por ação de homens armados, segundo
moradores de Barra Grande. Foto Arquivo pessoal

Ele é presidente da Associação Comunitária do Projeto de Assentamento da Nova Barra Grande e explica que desde a pandemia essa situação piorou, especialmente para a comunidade pescadora da região.

No início, tivemos muitas pesqueiras e canoas queimadas. Tivemos barracas derrubadas por conta de empresários que não queriam os pescadores na frente do terreno deles para não atrapalhar a visão dos turistas. Foram situações horríveis, ao ponto de a comunidade entrar em desespero.

- Demétrio Oliveira, da associação comunitária

A associação produziu um relatório e enviou às autoridades — no texto, os moradores acusam um grupo de empresários locais de tentativa de grilagem das terras onde vivem dezenas de famílias.

Um dos casos citados ocorreu em 1º de junho de 2023, quando seis homens que se diziam policiais civis entraram em roças na comunidade Nova Barra Grande. "Armados e com um trator, tentaram destruir casas e expulsar os agricultores."

A ação, dizem os moradores, ocorreu por eles não terem conseguido apoio das autoridades policiais. Os agricultores relatam que, diante da ameaça, se mobilizaram e desarmaram o líder e os supostos milicianos que davam suporte à ação.

"Com esses milicianos foi apreendida pela comunidade uma pistola cromada, sendo que a arma terminou por ser posteriormente devolvida pela comunidade por medo de represálias dos bandidos."

- Relatório da associação

Os moradores ainda citam invasões de espaços das roças dos agricultores.

"A gente vive ameaçado. Eu mesmo há três anos que tento levantar uma casa, não posso. A gente faz uma roça, eles vêm e derrubam. Muitas vezes a gente chega às 5h da manhã, está tudo no chão. Sempre chega gente e diz: 'não pode levantar'. Mas por que não pode se aqui sempre foi da gente?"

- Maria Esmeraldina Alves, 49, agricultora.

Roçado destruído em Barra Grande(PI).
Foto: Arquivo Pessoal

Ação da SSP e redução de ação

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Piauí informou ao UOL que o secretário Chico Lucas já determinou que o caso seja apurado pela Corregedoria da PM à Delegacia Geral da Polícia Civil, para saber se há policiais envolvidos. Uma investigação também sobre os grupos armados foi aberta e está em curso pelo Departamento de Repressão às Ações Criminosas Organizadas.

Além disso, a SSP diz que criou um grupo de trabalho com a participação de vários órgãos para tentar chegar a soluções definitivas sobre o problema.

Segundo Liliana Souza, presidente da ONG Comissão Ilha Ativa, após as denúncias da Defensoria em abril, as ações de milícias têm diminuído, "mas ainda existem."

"Ainda há ações de ameaças, de desrespeito. É absurdo que comunidades tenham medo de ir pescar, e serem abordados no seu trajeto, tendo armas apontadas para si."

- Liliana Souza, da ONG Comissão Ilha Ativa

Ela explica que a região que é alvo foi historicamente povoada por comunidades pesqueiras e agricultores familiares. Uma das maiores dificuldades é que elas pedem reconhecimento, já que se trata de área pública da União.

"São inúmeros processos de solicitação engavetados; em paralelo, essas áreas solicitadas estão sendo ocupadas de forma irregular, sem nenhuma ação dos órgãos."

- Liliana Souza

FONTE: UOL

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Extremismo nas redes: grupos espalham discurso de ódio sem moderação das plataformas

Publicação da Força Nacionalista no X relaciona mulheres pró-aborto
a 'cúmplices do morticínio de bebês' 
Foto: reprodução

Por Danilo Queiroz
- Agência Pública

Mais de 20 grupos extremistas estão ativos e organizados no Brasil, e boa parte deles espalha seus discursos de ódio na internet, sem qualquer moderação das plataformas. Um mapeamento do Global Project Against Hate and Extremism (GPAHE – Projeto Global Contra o Ódio e o Extremismo), organização de defesa de direitos humanos, ao qual a reportagem teve acesso, localizou grupos de extrema direita em atuação no país e constatou que muitas das organizações extremistas listadas usam as redes sociais para disseminar mensagens de ódio, violência e discriminação.

O estudo do GPAHE lista o Instituto Conservador-Liberal, fundado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como entidade que promove conteúdos LGBTfóbicos, misóginos e de fundamentalismo religioso. Ele cita também o Partido Liberal (PL) como propagador de discursos LGBTfóbicos e ódio contra mulheres.

Boa parte das organizações mapeadas tem perfis em redes como Facebook, X (antigo Twitter), YouTube e Telegram. Coordenadora do estudo, Heidi Beirich diz que o Brasil é um terreno fértil para o crescimento de grupos extremistas por ser “a segunda nação que mais gasta tempo na internet no mundo e pela falta de regulação das plataformas”. Os debates em torno do Projeto de Lei 2.630/2020, que pretende regular as redes sociais, esquentaram depois dos ataques do dono da rede X, Elon Musk, ao ministro do STF Alexandre de Moraes. Contudo, no início de abril, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), diminuiu o ritmo para aprovação da proposta quando anunciou a criação de um grupo de trabalho que vai analisar o texto.

Enquanto isso, a pesquisadora do GPAHE diz que houve uma “escalada de grupos extremistas no Brasil à medida que as mídias sociais passaram a ser usadas mais por grupos e indivíduos para espalhar medo, desinformação e conteúdo desumanizante”. Ela ainda afirma que “Bolsonaro e sua família foram um fator definitivo no crescimento do extremismo de extrema direita no Brasil”.

Ataques direcionados à população LGBTQIA+

De acordo com o mapeamento realizado pelo GPAHE, São Paulo é o estado com mais grupos extremistas em atividade – oito entre as 22 organizações localizadas na pesquisa. O Rio de Janeiro e Santa Catarina ficam em segundo e terceiro lugar, respectivamente. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste reúnem 68% dos grupos. O Norte é a única região onde a pesquisa não apontou organizações em atividade.

A população LGBTQIA+ é o alvo mais frequente dos ataques. Entre as organizações que estão presentes nas redes sociais, a Força Nacionalista Brasileira (FNB) faz postagens misóginas em sua página do X. Quando o Parlamento francês tornou o aborto um direito previsto na Constituição, a FNB fez postagens associando mulheres pró-aborto a “cúmplices do morticínio de bebês” e “asseclas do diabo”.

Na rede X, o grupo nacionalista branco, que defende a separação do Sul do restante do país, Falanges de Aço, faz postagens racistas e xenofóbicas contra nordestinos. Eles espalham cartazes com mensagens de ódio pelas ruas de Porto Alegre e, em novembro de 2022, participaram de manifestações antidemocráticas que reuniram bolsonaristas na capital do Rio Grande do Sul.

No ano passado, o grupo extremista perdeu sua conta do Instagram e um canal no Telegram, segundo o relatório, mas não se sabe se as contas foram removidas por moderação das plataformas. A conta do X permanece ativa.

Publicação na rede social X do grupo nacionalista branco,
Falanges de Aço 
Foto: reprodução

A Resistência Sulista (RS) é um pequeno grupo separatista que atua em rede com a Milícia Independente do Sul e a Falange de Aço. Eles perderam o canal do Telegram, mas ainda mantêm um grupo privado do Facebook, onde dizem que são contra “o liberalismo hegemônico global em todas as suas formas, seja da direita ou da esquerda”. O grupo, de acordo com o relatório, tem mais de 500 seguidores.

Em dezembro do ano passado, o canal da Força Nova do Brasil no Telegram reunia mais de 200 seguidores. Eles são um braço brasileiro do partido político italiano neofacista Forza Nuova, que defende o nacionalismo branco, critica imigrantes e pessoas LGBTQIA+. No Brasil, eles celebram a ditadura militar e espalham conteúdos LGBTfóbicos. A pesquisa da GPAHE localizou também “publicações que elogiam grupos neonazistas” entre as postagens do grupo.

Já a Frente Integralista Brasileira, segundo o relatório, é a maior organização do movimento integralista moderno do Brasil. Eles têm páginas ativas no YouTube e Facebook. O grupo possui ao todo quase 4 mil seguidores. No site da organização, há informações que comprovam a instalação de uma sede em São Paulo, uma aba que especifica membros do conselho diretor nacional, além de uma sessão de documentos e diretrizes para se tornar membro. Eles realizam uma campanha de contribuição com mensalidades que podem chegar até R$ 60.

Canal do YouTube da Frente Integralista Brasileira com mais de 3 mil inscritos 
Foto: reprodução

O relatório aponta também grupos que se sustentam vendendo produtos nazifascistas na internet. O Movimento Linearista Integralista Brasileiro (MIL-B) mantém uma página com notícias, podcast, vídeos, e-books e produtos com símbolos integralistas. O grupo representa o movimento facista nascido na década de 1930, com a Ação Integralista Brasileira (AIB), cujo lema era “Deus, pátria e família”. Décadas depois, Bolsonaro usou o mesmo lema em sua campanha para a Presidência.

Instituto criado por Eduardo Bolsonaro é citado como grupo extremista

Criado por Eduardo Bolsonaro, o Instituto Conservador-Liberal oferece cursos e outros conteúdos a partir de financiamento dos usuários. Os valores mensais para se tornar aliado vão de R$ 25 a R$ 250. Já a doação única pode chegar até R$ 5 mil. O estudo do GPAHE indica que os conteúdos publicados pela entidade têm teor nacionalista, sexista e antiaborto.

O Instituto Conservador-Liberal tem site e newsletter e está presente em redes como WhatsApp, YouTube, Instagram, Facebook e X. Somando as plataformas, eles ultrapassam 100 mil seguidores. O relatório da GPAHE relaciona o Instituto Conservador-Liberal à organização americana pró-Trump de extrema direita Conservative Political Action Conference (CPAC). Em 2022, a Agência Pública mostrou que o instituto de Eduardo Bolsonaro promoveu eventos da CPAC com patrocínio da rede social Gettr, comandada pelo ex-assessor de Trump.

A pesquisa da GPAHE cita também o Partido Liberal (PL), do ex-presidente Bolsonaro e do seu filho, entre os grupos extremistas. “Esse partido entrou na nossa lista como grupo extremista de ódio por ser parte significativa do crescimento da extrema direita no Brasil. Essa escolha se deu porque no PL há demonização de uma comunidade-alvo, com frente de atuação antimulher e anti-LGBTQIAPN+”, dizem os pesquisadores.

A Pública questionou a Meta, Google e YouTube, citadas no estudo entre as plataformas onde grupos extremistas e de ódio espalham suas mensagens sem sofrer moderação de conteúdo. Em nota, a Meta informou que “as políticas da rede proíbem conteúdo que incite ou promova violência, tampouco permite a presença de pessoas ou organizações que anunciem uma missão violenta ou estejam envolvidas em atos de violência nas plataformas da Meta. Isso inclui atividade terrorista, atos organizados de ódio, assassinato em massa (ou tentativas) ou chacinas, tráfico humano e violência organizada ou atividade criminosa”.

Embora os conteúdos citados pela reportagem não tenham sido derrubados, a empresa disse que “remove conteúdo que expresse apoio ou exalte grupos, líderes ou pessoas envolvidas nessas atividades, e também não permite discurso de ódio no Facebook e no Instagram, retirando qualquer conteúdo que viole nossos Padrões da Comunidade”. O YouTube e o Telegram não responderam até a publicação.