segunda-feira, 6 de maio de 2024

Grupos armados atuam para expulsar moradores de paraíso turístico do PI


Praia Barra Grande, Cajueiro da Praia.
Foto: Pref. de Cajueiro da Praia



Por Carlos Madeiro da UOL

Comunidades tradicionais que moram em Barra Grande, litoral de Cajueiro da Praia (PI), relatam ameaças e ataques de milícias que atuam para expulsar moradores. O caso foi denunciado pela DPU (Defensoria Pública da União).

Nos últimos anos, a praia de Barra Grande viveu um boom no turismo, com a abertura de pousadas. O destaque é a prática do kitesurf — a região apresenta condições ideiais para o esporte e atrai pessoas do Brasil e do mundo, inclusive para competições.

"As terras passaram a ter um valor econômico grande, e isso trouxe a cobiça de gananciosos grileiros que tentam se apropriar dessas terras e explorá-las economicamente com empreendimentos, em detrimento das comunidade tradicionais que lá residem há décadas." 

- José Rômulo Sales, defensor público da União

Sales conta que esteve no local em janeiro e colheu relatos de casos de violência. Para tentar resolver o problema, ele diz que prepara duas ações civis públicas para que a União regularize e dê posse das áreas devidas aos moradores tradicionais.

O litígio e suposta grilagem de terras são investigados em inquérito civil aberto em junho de 2023 pelo MPF (Ministério Público Federal).

Segundo o órgão, a praia fica na APA (Área de Proteção Ambiental) Delta do Parnaíba, que é de titularidade da União e "potencialmente ocupada pelos agricultores há 60 anos". Como as investigações estão em curso, o órgão não passou detalhes.

Prática de Kitsurf leva turistas e Competidores
à Barra Grande. Foto: Reprodução

A SPU (Secretaria de Patrimônio da União), ligada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, afirmou que realizou uma fiscalização no local e observou "indícios de irregularidades relacionadas à ocupação e uso indevido da área". "A apuração está em curso e o relatório final será encaminhado ao MPF"

Relatos de violência

Nas últimas três semanas, o UOL ouviu moradores, recebeu vídeos e leu documentos e decisões judiciais que apontam para uma atuação de grupos armados, contando inclusive com policiais.

O pescador Demétrio Oliveira da Silva, 36, nasceu e cresceu em uma família com seis irmãos na praia. "Meu pai é pescador até hoje, ele chegou aqui ainda adolescente", diz.

Casa destruída por ação de homens armados, segundo
moradores de Barra Grande. Foto Arquivo pessoal

Ele é presidente da Associação Comunitária do Projeto de Assentamento da Nova Barra Grande e explica que desde a pandemia essa situação piorou, especialmente para a comunidade pescadora da região.

No início, tivemos muitas pesqueiras e canoas queimadas. Tivemos barracas derrubadas por conta de empresários que não queriam os pescadores na frente do terreno deles para não atrapalhar a visão dos turistas. Foram situações horríveis, ao ponto de a comunidade entrar em desespero.

- Demétrio Oliveira, da associação comunitária

A associação produziu um relatório e enviou às autoridades — no texto, os moradores acusam um grupo de empresários locais de tentativa de grilagem das terras onde vivem dezenas de famílias.

Um dos casos citados ocorreu em 1º de junho de 2023, quando seis homens que se diziam policiais civis entraram em roças na comunidade Nova Barra Grande. "Armados e com um trator, tentaram destruir casas e expulsar os agricultores."

A ação, dizem os moradores, ocorreu por eles não terem conseguido apoio das autoridades policiais. Os agricultores relatam que, diante da ameaça, se mobilizaram e desarmaram o líder e os supostos milicianos que davam suporte à ação.

"Com esses milicianos foi apreendida pela comunidade uma pistola cromada, sendo que a arma terminou por ser posteriormente devolvida pela comunidade por medo de represálias dos bandidos."

- Relatório da associação

Os moradores ainda citam invasões de espaços das roças dos agricultores.

"A gente vive ameaçado. Eu mesmo há três anos que tento levantar uma casa, não posso. A gente faz uma roça, eles vêm e derrubam. Muitas vezes a gente chega às 5h da manhã, está tudo no chão. Sempre chega gente e diz: 'não pode levantar'. Mas por que não pode se aqui sempre foi da gente?"

- Maria Esmeraldina Alves, 49, agricultora.

Roçado destruído em Barra Grande(PI).
Foto: Arquivo Pessoal

Ação da SSP e redução de ação

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Piauí informou ao UOL que o secretário Chico Lucas já determinou que o caso seja apurado pela Corregedoria da PM à Delegacia Geral da Polícia Civil, para saber se há policiais envolvidos. Uma investigação também sobre os grupos armados foi aberta e está em curso pelo Departamento de Repressão às Ações Criminosas Organizadas.

Além disso, a SSP diz que criou um grupo de trabalho com a participação de vários órgãos para tentar chegar a soluções definitivas sobre o problema.

Segundo Liliana Souza, presidente da ONG Comissão Ilha Ativa, após as denúncias da Defensoria em abril, as ações de milícias têm diminuído, "mas ainda existem."

"Ainda há ações de ameaças, de desrespeito. É absurdo que comunidades tenham medo de ir pescar, e serem abordados no seu trajeto, tendo armas apontadas para si."

- Liliana Souza, da ONG Comissão Ilha Ativa

Ela explica que a região que é alvo foi historicamente povoada por comunidades pesqueiras e agricultores familiares. Uma das maiores dificuldades é que elas pedem reconhecimento, já que se trata de área pública da União.

"São inúmeros processos de solicitação engavetados; em paralelo, essas áreas solicitadas estão sendo ocupadas de forma irregular, sem nenhuma ação dos órgãos."

- Liliana Souza

FONTE: UOL

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