segunda-feira, 9 de abril de 2018

Homens de bem comemoram no puteiro a prisão de Lula.


Não sei se eu já tinha ouvido falar em Oscar Maroni.
 
Ele é um "empresário de casa de entretenimento para adultos" (quais adultos? de que gênero? de que cor?) ou, pra usar um termo mais conhecido, um cafetão, um gigolô. Em outras palavras, vive de explorar mulheressexualmente. Já esteve preso por sonegar impostos e outros crimes. Ao pesquisar, vi que o sujeito é respeitado por reacinhas playboys da estirpe de Danilo Gentili. Ano passado Maroni se lançou candidato a presidente com o slogan "O Brasil está uma zona, e de putaria eu entendo". Foi filiado ao partido nanico PTdoB e candidato a prefeito de SP dez anos atrás e teve menos de 6 mil votos.

Neste final de semana, Maroni se superou. Ofereceu cerveja de graça a coxinhas que foram comemorar no seu puteiro em SP a prisão de Lula. Num discurso, o cafetão diz para um grupo de festivos conservadores que já transou com mais de 2.700 mulheres, e os virjões gritam "Mito! Mito!" (parece que essa palavra é adotada sem cerimônia por eleitores da direita. Serve para elogiar qualquer crápula preconceituoso). 

Em outro vídeo, Maroni aparece vestido de presidiário e exibe uma prostituta só de short, que tenta se esconder da multidão. O cafetão então a vira e chupa seu seio.

Noutro vídeo, Maroni promete cerveja de graça para todos se Lula for morto na cadeia. Um reaça pergunta, rindo, "E se for sofrida a morte?" (Maroni não estava brincando. Diz ele: "Minha palavra é que nem tiro: quando eu solto, não volta mais". Mas aparentemente tudo bem ameaçar ex-presidente. Pode até atirar em ônibus!). 

Em seu discurso aos reaças (convocados pelo MBL), Maroni diz a um de seus ídolos: "[Sérgio] Moro, você tem um vale vitalício, enquanto o seu pau funcionar, para frequentar o Bahamas Club". E ainda pede para a Polícia Federal e o Ministério Público sortear "cinco de vocês aí para frequentar o Bahamas Club".

A esta  altura, já está óbvio que este "brasileiro que voltou a acreditar na sua pátria" (como ele se definiu na sexta) é um attention whore. Quer chamar a atenção, custe o que custar. É o lema dos reaças: falem mal, mas falem de mim. Não existe publicidade ruim -- é o mote daquele outro que eles também chamam de mito. 

Ao falar dele, estamos dando a Maroni o que ele quer. Mas não dá pra não falar. Afinal, se a belíssima foto do jovem Francisco Proner é imagem da resistência à prisão de Lula (e desde já a foto do ano, digna de um Pulitzer), a imagem da comemoração da prisão de Lula é esta feita num puteiro, com faixas saudando os principais juízes de sua prisão, Carmen Lúcia e Sérgio Moro.

A imagem me causa ânsia. É um retrato fiel do machismo, e mais uma prova de que como o golpe contra Dilma foi, e continua sendo, misógino. O coro dos reaças festejando é totalmente masculino. O cafetão oferecendo a presa aos abutres é um "magnata do sexo" que mede seu valor pelo dinheiro que tem e por quantas mulheres conseguiu alugar. As únicas mulheres presentes nesse cenário são a prostituta e o cartaz da juíza. A juíza só é celebrada porque deu o voto que eles queriam, o de condenação a Lula. Mas apenas ao juiz macho cabe o "vale vitalício" para frequentar o puteiro. 

Não é apenas que a comemoração no prostíbulo exclui as mulheres. Ela usa as mulheres não para comemorar, mas como objeto de troca a ser comemorado. A prostituta nua sendo subjugada por Marconi não tem voz, não tem rosto, tem a boca coberta pelas mãos do patrão. Não parece feliz. Não parece estar comemorando coisa alguma. Minha sororidade a ela. 

Essa imagem só confirma o que conhecemos tão bem, pois somos alvos frequentes dos reaças -- que o lugar que eles reservam às mulheres é no puteiro ou no lar, para as "belas e recatadas" (depois reaças fingem não entender como tantas mulheres não votam na direita).



O cidadão de bem, o defensor da família tradicional, o homem honrado que quer fechar museus que vão contra a moral e os bons costumes, 
é justamente esse que leva o filho pra perder a virgindade num puteiro, que mataria a esposa (pra defender sua honra) se ela o traísse, mas não considera traição transar com prostitutas. É exatamente esse tipo de homem que ataca feministas nas redes sociais, pois nos vê como entraves para a sua liberdade -- a liberdade de seguir sendo o babaca que é sem ser criticado. 

Essa imagem, apesar de terrível e chocante, deve ser compartilhada (cobrindo a nudez; não por moralismo, mas por respeito à prostituta). Deve ser registrada porque é o espelho da nação que nos tornamos após o golpe de 2016. Uma nação em que cafetões ameaçam um ex-presidente enquanto cumprimentam juízes e bolinam mulheres.
 
Foi Marcela Campana, leitora do blog, feminista e mestranda pela PUC-SP, quem me pediu para escrever este post, embora eu esteja muito sem tempo. Deixo com vocês as palavras dela sobre mais esta marca lamentável dos misóginos:

A saga da condenação de Lula gerou um turbilhão de acontecimentos e imagens que com certeza ficarão para a história e devem ser interpretados não na sua especificidade meramente factual, mas no campo do simbólico.

No dia 5 de abril de 2018, confirmada a rejeição do STF ao pedido de habeas corpus de Lula e emitido o mandato de prisão pelo juiz Sergio Moro, começaram as comemorações dos opositores aos governos do PT. Nada inesperado, levando em consideração as paixões tristes que cercam a imagem de Lula e os anos de espera pela efetivação da punição. O inesperado aconteceu na total falta de critério na vinculação da indignação “contra a corrupção” de boa parte dessa “gente de bem” com personagens polêmicos.

No mesmo dia 5 de abril, começaram a circular pelas redes sociais (em especial o whatsapp, que é o recanto dos microfascismos) vídeos onde Oscar Maroni, conhecido por ser dono do Bahamas, uma casa de prostituição de um bairro nobre de São Paulo, ofereceria cerveja gratuita na frente de seu estabelecimento caso Lula fosse preso. Em outro vídeo ele declarou que se Lula fosse morto ele ofereceria cerveja durante o mês (“Se o Lula for preso, a cerveja é de graça até a meia noite. Agora, se matarem ele na prisão, a cerveja vai ser de graça durante o mês inteiro”, assinalou o empresário). Ao Moro ofereceu “um vale vitalício para frequentar o Bahamas Clube”, bem como a membros do MPF e da Polícia Federal.

Automaticamente, algumas páginas começaram a divulgar a “comemoração”, como a da agência de notícias falsas e polemização MBL, convocando seus seguidores. 

No dia 7 de abril, com a decisão de Lula de se entregar à Polícia Federal, um evento foi armado na frente do Bahamas, com direito a um show grotesco. Nasceu a imagem que sintetiza todo esse processo que testemunhamos: Oscar Maroni e uma mulher nua realizam o show, ele com gestos violentos e agressivos direcionados ao corpo feminino desumanizado, ao fundo a foto do juiz federal Sergio Moro e da ministra do STF Carmem Lúcia, segundo Maroni seus “exemplos de vida e dignidade”.

Rapidamente a imagem do fotógrafo Túlio Vidal, que cobria o evento, se alastrou, e questionou-se a figura de Maroni, conhecidíssima em São Paulo por responder (em liberdade) a diversos processos que vão desde sonegação de imposto até formação de quadrilha e tráfico de mulheres, sendo condenado em 2011 a 11 anos de prisão pelos crimes de favorecimento à prostituição e manutenção de local destinado a encontros libidinosos. 

Ou seja, comemorou-se a prisão de um ex-presidente na frente de um estabelecimento pretensamente regular em uma festa oferecida por um homem que responde a diversos processos e que vive de explorar mulheres, o que possibilitou que ele oferecesse milhares de reais em cerveja.

Movimentos que no ano passado atacaram exposições de arte com argumentos moralistas hoje se prestam a divulgar e vangloriar esse tipo de situação. 

A imagem que fica

O Facebook está derrubando posts que denunciam a hipocrisia das pessoas que foram "comemorar" a prisão do Lula. Na imagem registrada do "show" armado por Maroni para "pessoas de bem" que lutam contra a corrupção (ironia), foi usada uma mulher nua. A foto que circula demonstra a violência com a qual a cafetinagem age sobre o corpo feminino, e o espaço que a mulher pode ocupar frente ao homem, o de submissão. Os vídeos do momento não são menos grotescos

Que fique claro o que sempre esteve em jogo para esse grupo de pessoas: o bandido é o Lula, o empresário explorador de mulheres que responde a diversos processos é digno desse tipo de valorização e prestígio. O show é às custas da humilhação de mulheres, claro.
A imagem sintetiza que o discurso que permeia e justifica o ódio à Lula, “contra a corrupção”, na verdade mascara a essência do ódio pelo avanço das pautas igualitárias e progressistas, contra a conquista de direitos das minorias. A mobilização foi para que Maronis pudessem continuar fazendo um show desse tipo sem problemas. O operário foi preso, a primeira presidenta deposta, e os Maronis voltaram ao poder. Tudo está de novo no lugar. 

Apesar das falhas do PT, seus governos representam um avanço social, e isso devemos defender a todo custo. Que essa imagem resuma o que lutamos contra: o privilégio centrado na forma do patriarcado misógino, branco e rico, que hoje brada que "a lei deve ser para todos", enquanto anda livremente apesar dos diversos crimes que carrega nas costas, aplaudido pelos seus hipócritas semelhantes.
A nossa luta não pode parar.

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