Centro de Lançamento de Alcântara. Foto: Jornal Pequeno |
Por Ronaldo G. Carmona* e Allan Kardec Barros**
Em meio a grave crise de saúde pública que vivemos há mais de um mês no país – e que
por óbvio concentra todas as atenções e energias dos brasileiros -, um assunto não menos
importante – por relacionar-se diretamente ao debate sobre o futuro do desenvolvimento
nacional e do próprio Maranhão –, ressurgiu esta semana, infelizmente com um viés
negativo.
Referimo-nos à publicação, no Diário Oficial da União, no último dia 26, de resolução do
CD-PEB (Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro), sobre aquele
que é certamente um dos temas de maior sensibilidade neste debate, a questão fundiária
relacionada às famílias que habitam o território desapropriado nos anos 1980 para a
instalação do Centro de Lançamento de Alcântara, do qual atualmente menos de uma
sexta parte foi efetivamente ocupada. O viés negativo a que nos referimos deriva
essencialmente de uma falha de comunicação no preparo e na organização da nova fase
que se abre após a aprovação do AST (Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, assinado
em 2019 entre o Brasil e os Estados Unidos).
Sim, abre-se uma nova fase após a aprovação do AST: a fase de planejar a efetivação das
enormes potencialidades derivadas da transformação do atual Centro de Lançamento de
Alcântara (CLA) no Centro Espacial de Alcântara (CEA), um “espaço-porto de classe
mundial”, que traga associado a ele efeitos de transbordamento que permitam inaugurar
um novo ciclo de desenvolvimento no Estado, seja da logística e da infraestrutura – a
começar de uma nova ferrovia e de um novo porto –, bem como de um polo de empresas
de alta base tecnológica, que por sua vez exigirá recursos humanos maranhenses, que já
começam a ser formados na Universidade Federal do Maranhão.
Não se trata de um sonho ou de uma utopia; centros de lançamento do mesmo nível
pretendido para o CEA, mundo a fora, tais como Kourou (Guiana “francesa”), Taiuan
(China), Baikonur (Usbequistão/Rússia) ou Cabo Canaveral (Estados Unidos) – todos de
potencial inferior ao de Alcântara, dada sua excepcional condição geográfica -,
transbordam desenvolvimento para o seu entorno geográfico. O CLA é uma exceção:
desde o seu surgimento em meados dos anos 80, resume-se a uma instalação militar e não
a um centro espacial, como os citados, dedicados a lançamentos de artefatos do amplo e
bilionário mercado espacial de lançamento de satélites comerciais.
Alcântara pode representar para o Maranhão o que São José dos Campos representou para
o Vale do Paraíba, em São Paulo, que a partir da instalação do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica (ITA) na década de 50 do século passado, tornou-a uma região de intenso
desenvolvimento industrial. Na verdade, Alcântara do século XXI pode representar aquilo
que foi há cerca de 250 anos, por ocasião da Primeira Revolução Industrial, quando sua
indústria têxtil a tornou uma das regiões de maior prosperidade no mundo. Hoje, em meio
à emergência da Quarta Revolução Industrial – que possui nos sistemas espaciais parte
essencial - novamente este papel de polo industrial baseado na inovação poderá ser
destinado a Alcântara.
Contudo, para que isto ocorra, é preciso acelerar o planejamento da realização deste
imenso potencial. Ele “não cairá do céu”; exigirá estudos aprofundados e planejamento
sistemático, que demandarão a mobilização da inteligência nacional, em especial junto às
Universidades.
Este planejamento passa por pelo menos três iniciativas, já em curso ou por serem
deflagradas.
A primeira é a elaboração do que podemos chamar de “plano de negócios” relacionado à
efetivação de lançamentos comerciais no “novo” CEA. Para isso, estão sendo feitas
modelagens e estudos relacionados ao mercado de lançamentos, bem como sendo
recebidas e contactadas empresas de distintos países que se interessam em utilizar
comercialmente as amplas vantagens da localização geográfica de Alcântara nesta nova
fase.
A segunda iniciativa nasce da oportunidade derivada da instalação do novo CEA como
uma “mola propulsora” de desenvolvimento nacional e, especialmente, regional. Trata-se do desafio de planejar, por meio da realização de estudos multidisciplinares, a realização
de uma série de potencialidades adormecidas em relação ao território do Maranhão.
Adicionalmente, em buscar o aproveitamento de sua profunda hinterlândia – área de
influência projetada ao interior do país – que poderá oferecer um mar ao Centro Oeste do
país, por conta do prolongamento da Ferrovia Norte Sul e de sua conexão com outros
modais, como o hidroviário e o tradicional rodoviário. Esse conjunto voltou a entrar no
radar a partir deste fato novo que é a expectativa que se criou em torno da aprovação do
AST.
Esse desafio envolve aspectos logísticos e de sistemas intermodais de transportes
(inclusive relacionados ao Porto, ao Aeroporto e ao acesso rodoviário e ferroviário a
Alcântara); de escoamento do agronegócio, de combustíveis e de minérios; da realização
das imensas potencialidades energéticas do MA; da criação de um polo de empresas de
alta tecnologia (polo industrial-tecnológico) associada à formação de recursos humanos
de alto nível; e de seus aspectos de segurança nacional, inclusive relacionado à
organização da Segunda Esquadra da Marinha do Brasil e, em seu conjunto, de seus
efeitos ligados à mobilização nacional.
Por fim, uma terceira iniciativa refere-se ao desenvolvimento econômico e social de
Alcântara, visando a elevação da qualidade de vida dos brasileiros que lá vivem. Falamos
da elaboração do chamado PDI – Plano de Desenvolvimento Integrado de Alcântara, uma
espécie de “plano diretor” ampliado que proporá uma série de iniciativas por parte de
vários ministérios e agências federais, em questões que se estendem desde o turismo à
organização do território, da organização de um distrito industrial à solução do problema
fundiário, passando por diversos outros temas associados. Obviamente, é inconcebível
que a discussão deste PDI ocorra tão somente nos refrigerados gabinetes de Brasília.
Trata-se de um debate que necessariamente deverá envolver o governo do Estado e a
prefeitura da Alcântara, os setores produtivos maranhenses e a população da cidade,
inclusive aqueles que habitam a área destinada ao funcionamento do CEA.
Estas três iniciativas representam uma segunda fase, inaugurada e possibilitada pela
aprovação em 2019 do AST. Afinal, cabe compreender que a efetivação das
potencialidades do CLA não se esgotou com a aprovação do AST. Ao contrário, este é
apenas um primeiro passo; sem esta nova fase, o AST será apenas “um pedaço de papel”.
Nesse sentido, e é disso que se trata, as três iniciativas acima citadas se complemntam e buscam traçar planejamento desta segunda etapa, visando uma terceira fase que é a
materialização e a execução das amplas potencialidades relacionadas à constituição do
CEA.
Neste contexto é que se deve compreender a inoportuna publicação da Resolução no
último dia 26. Nesse sentido, há uma premente necessidade de modificá-la,
aperfeiçoando-a a uma visão mais ampla, tendo em vista um detalhamento de condições
para o desenvolvimento econômico e social para Alcântara – numa região com um dos
menores IDH do país. Como nunca isso se faz necessário; estruturar um moderno CEA
mantendo tal “status quo”, em meio a tantas potencialidades que saltam à vista, seria uma
postura lamentavelmente reacionária e de enorme insensibilidade para com os brasileiros
que lá vivem.
Assim, em especial, o PDI precisará equacionar a questão fundiária, que rigorosamente
comparece como problema importante desde os primórdios da implementação do CLA
em meados da década de 80. É este planejamento que deve ser desenvolvido para
inaugurar linhas de ação visando sua superação – base para o destravamento das
potencialidades do CEA.
Este é um grande desafio nesta fase pós aprovação do AST: equacionar as demandas
legítimas das famílias que vivem na área atribuída ao CEA com o interesse estratégico do
país e do Maranhão de ter um Centro Espacial “de classe mundial” que transborde
desenvolvimento para seu entorno geográfico. Para isso, estudar e planejar as ações,
consultando amplamente os atores interessados e alinhando-os com os grandes interesses
estratégicos do país e de seu desenvolvimento é o caminho.
(*) Professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG) e professor convidado do
Programa de Pós Graduação em Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA). Foi Chefe da Assessoria Especial de Planejamento do Ministério da
Defesa.
(**) Professor de Engenharia Elétrica, Engenharia Aeroespacial e Biotecnologia da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), ex-Pró Reitor de Pesquisa e Pós Graduação da
UFMA, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo.
As opiniões aqui apresentadas não necessariamente representam as das instituições
mencionadas.
Fonte: Dos próprios autores.
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