domingo, 17 de fevereiro de 2019

Carluxo no Rolls-Royce já era prenúncio de crise. Só Freud explicaria. No desfile, Mourão foi o vice mais desprestigiado da democracia


Carlos Bolsonaro, de azul, no Rolls-Royce: sua inexplicável
presença não estava no roteiro ensaiado pelo cerimonial
Do Blog do Reinaldo Azevedo
Ninguém entendeu quando Carlos Bolsonaro, o “Carrrluxo”, dividiu o Rolls-Royce da posse com Jair Bolsonaro, seu pai, e Michelle Bolsonaro, sua madrasta. Freud à parte, continua sem explicação técnica. Nota: o roteiro do cerimonial não previa o guardião de azul. No ensaio realizado, inexistia tal personagem. E daí? A família não liga para certos formalismos…
Quando foi a vez de FHC, ele preferiu ter no veículo apenas o vice, Marco Maciel. Não! A professora Ruth Cardoso, avessa a solenidades balofas e a rapapés, não desfilou com o marido. Conforme relato da Folha de 2 de janeiro de 1995:
Só na catedral, quando FHC e seu vice, Marco Maciel, passaram para o Rolls Royce da Presidência, é que Ruth Cardoso ficou separada do marido, seguindo com Anna Maria Maciel para o Congresso. Fernando Henrique e Ruth e Marco e Anna Maciel subiram lado a lado a rampa do Congresso. Acompanhando os dois casais, estavam os presidentes da Câmara, Inocêncio Oliveira (PFL-PE) e do Senado, Humberto Lucena (PMDB-PB).
Destaque-se: antes de FHC, Fernando Collor levou Itamar Franco, o vice, a seu lado.
Collor faz com os dedos o sinal da vitória durante
desfile de posse, ao lado de Itamar Franco, o vice
FHC faz saudação durante desfile de posse ao lado de
 Marco Maciel, o vice discreto, mas sempre presente.
Dona Ruth preferiu ficar longe do Rolls-Royce
Lula, na posse do primeiro mandato, levou José Alencar, o vice, a seu lado. Ao assumir o segundo, seguiu com a mulher, Marisa Letícia, no Rolls-Royce. Praticamente colado a esse carro, em outro veículo, vinha Alencar e sua Mariza, com “z”. Dilma já foi menos reverente ao vice. Preferiu levar Paula, a filha, a seu lado, no carro de destaque. Atrás, em outro veículo, um Cadillac, estavam Michel Temer, o vice, acompanhado de Marcela, sua mulher. De toda sorte, nada havia entre o primeiro e o segundo veículos.
Lula desfila ao lado de José Alencar, o vice,
na posse de seu primeiro mandato
Dilma desfila na posse de seu primeiro mandato ao lado de
 Paula, a filha; no carro logo atrás, o então vice,
Michel Temer, e sua mulher, Marcela
Com Bolsonaro, as coisas se deram de outro modo. O vice, Hamilton Mourão, e sua mulher, Paula, também desfilaram em carro aberto, mas bem longe do titular. Nas fotos e vídeos que têm o presidente como protagonista, os dois não aparecem. O titular vai à frente, acompanhado da mulher; atrás, veículos de segurança; em seguida, o destacamento dos Dragões da Independência e só depois, lá longe, o vice. Vejam:
Não há leitura alternativa: Carlos se colocava, com a anuência do pai, como o segundo homem da República — em certas questões que não são exatamente do domínio de Jair — as redes sociais, por exemplo —, é, na verdade, o primeiro. E, como se nota, ele tem ambições que vão além de promover guerrilhas na Internet. Quer ser também um pensador e um estrategista. À sua maneira, foi bem-sucedido: ele tenta derrubar Bebianno, nunca se soube bem por quê, desde a campanha. Conseguiu fazê-lo com um mês e meio de governo, sob o risco de que uma crise política crie dificuldades adicionais para a reforma da Previdência.
Ao se colocar naquela posição no Rolls-Royce, Carlos anunciava, do alto de sua inexperiência arrogante: “Sou o guardião dessa coisa toda; aquele outro, que foi eleito com meu pai, o vice, o general, não manda nada.” Não por acaso, a maior fonte de fofocas desabonadoras a Mourão parte justamente da Internet, onde “Carrrrluxo” reina absoluto. Seus admiradores, não raro, são detratores de Mourão.
E Carlos não tem papas na língua. No dia 28 de novembro, mandou ver:
A morte de Jair Bolsonaro não interessa somente aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto. Principalmente após de (sic) sua posse! É fácil mapear uma pessoa transparente e voluntariosa. Sempre fiz minha parte exaustivamente. Pensem e entendam todo o enredo diário!”
Só um tolo não entendeu que o recado absurdo tinha Mourão como alvo. Indagado a respeito, o vice eleito respondeu então ao Globo: “Se eu quisesse ser presidente, teria concorrido a presidente”. Na interinidade, o general foi alvo de outra diatribe disparada pelos filhos: ele faria questão de se mostrar mais preparado do que o titular. Bem, não precisa fazer grande esforço para isso. É mais preparado até porque estudou muito mais e avançou para o topo da carreira militar. Se os dois posarem lado a lado para uma fotografia, vestindo roupas idênticas, dá para saber quem chegou mais longe nos dons do pensamento, como diria o poeta, pela acuidade do olhar. As coisas são o que são.
Mourão, justiça se faça, nunca chutou a bola para o mato depois da posse. Ao contrário. Todas as vezes em que esta lhe chegou quadrada, ele matou a pelota no peito e pôs no chão. Também no que diz respeito aos valores da democracia, não cometeu deslizes, corrigindo, inclusive, bobagens que disse durante a campanha.
Na crise que envolve Gustavo Bebianno, com potencial danoso para o governo e para a reforma da Previdência — e não adiante fingir que não —, o general atuou como bombeiro do incêndio provocado por Carrrluxo, com o patrocínio do pai.
É preciso fazer o rapaz apear daquele Rolls-Royce para que esse governo consiga chegar a bom termo. Não será fácil.
No dia da posse, Eduardo Bolsonaro explicou por que seu irmão estava no Rolls-Royce: “Porque ele é o pitbull da família”.
Bem, os que compõem o núcleo pensante do governo terão de decidir se há lugar para um pitbull na reforma da Previdência. Esses bichos, fora do controle, mordem para matar. Ocorre que Jair parece se sentir especialmente protegido pelo filho. No dia 7 de dezembro passado, quando o vereador fez 36 anos, recebeu a seguinte mensagem do pai: “Meu pitbull, obrigado por sempre estar por perto”.
Carinhoso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário