quarta-feira, 12 de maio de 2021

A esdrúxula tese da legítima defesa da honra no feminicídio



Publico hoje este guest post da feminista marxista e ativista ambiental Regiane Pimentel. E, aproveitando: assine a petição Nem Pense em Me Matar.

A tese da legítima defesa da honra remete ao Brasil Colonial, onde os homens podiam tirar a vida de suas companheiras com o argumento de que estavam cometendo um assassinato em nome de sua honra. É uma justificativa cruel e descabida para que homens se sentissem no direito, e com o amparo legal, para tirar a vida das esposas ou namoradas que os traíssem. É o crime passional sendo normalizado e legitimado pelo Estado. É a figura feminina sendo vista como propriedade, como objeto. É a mulher sendo colocada abaixo do direito à vida previsto na Constituição. 

O ato de matar a esposa infiel transformou-se historicamente em verdadeiro mérito do marido: o absurdo sendo normalizado. A vingança masculina sendo vista como lei. A honra masculina sendo legitimada como maior valor do que a própria vida da mulher.

Essa tese foi utilizada por muitos anos, e até nos dias de hoje, como estratégia jurídica para legitimar assassinatos de homens contra suas companheiras. Através dos movimentos feministas essa tese caiu em desuso, mas ainda assim era usada.

Como esquecer o caso do assassinato da Angela Diniz? Até hoje esse lastimável episódio é lembrado. O júri da época absolveu o seu assassino em nome da legítima defesa da honra.

Recentemente o STF decidiu que é inconstitucional a tese da legítima defesa da honra. Isso significa que o uso desse argumento será proibido em casos envolvendo feminicídios. A defesa não poderá mais usar essa estratagema tão cruel e macabra para justificar e perpetuar a violência doméstica e o feminicídio.

É uma decisão que deveríamos estar comemorando, mas a verdade é que tal fato nem devia ser pauta no Supremo. Quero dizer, em pleno século 21 a nossa justiça ainda decide sobre algo tão arcaico, algo que já deveria há muito tempo não fazer mais parte das fases dos processos penais. Afinal, fere os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

É surreal saber que essa ferramenta tão imoral ainda poderia ser utilizada nos tribunais, sendo o nosso país um dos piores para uma mulher viver. Somos campeões de crimes de gênero, feminicídios e violência doméstica. Ser mulher nesse país é ter um alvo nas costas. E usar a traição conjugal como justificativa para tirar a vida de uma mulher demonstra como vivemos numa sociedade patriarcal e misógina. 

Somos o quinto país do mundo em índice de feminícidio. Mulheres são mortas só por serem mulheres, só pelo seu gênero, morrem por dizerem "não", por saírem de um relacionamento, por usarem roupas curtas.

O feminicida não pode ser acolhido pela sociedade e muito menos pela justiça. Essa tese da legítima defesa da honra é extremamente sexista e dava amparo legal a crimes violentos contra mulheres.

Saber que tal tese de "legítima defesa da honra" ainda era legal e usada nos tribunais é revoltante. Tramita na Câmara de Deputados um projeto de lei para reforçar o veto do STF à tese. Não consigo, como mulher, feminista e militante, comemorar a decisão da proibição. Só posso dizer: antes tarde do que nunca.




FONTE: Reproduzido do Blog Escreva Lola Escreva


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