Por Cyrus Afshar
O desespero da oposição conservadora dá sinais preocupantes e contamina as páginas de economia dos grandes jornais. Hoje, a grande notícia econômica do dia foi a queda do desemprego, registrado pelo IBGE, nas seis principais regiões metropolitanas. E não foi qualquer queda: a taxa fechou dezembro em 4,3%, mínima histórica. Mas isso não foi tudo: no ano, o desemprego nessas cidades ficou em média em 5,4%, valor mais baixo da série histórica.
Boa notícia. Pode? Não pode.
A tarefa de hoje foi, então, particularmente inglória para o jornal Folha de São Paulo, que teve de tirar leite de pedra, buscar pelo em ovo, e, sobretudo, coalhar as manchetes e aberturas de texto (“lead”) com adversativas ou ressaltando algum desastre, real ou imaginário.
Na reprodução acima, vemos a matéria principal (“Desemprego chega a menor nível, mas reajuste do salário desacelera“) , o exemplo mais bem acabado do desespero: 1) a adversativa na manchete, 2) parágrafo de abertura iniciando com “apesar de [desastre qualquer]” e 3) segundo parágrafo principal com “porém” entre vírgulas, seguido de um desastre qualquer. Um primor. Eu imagino um espanhol ou um grego lendo esse texto.
Em seguida, temos a matéria secundária sobre o perfil do mercado de trabalho (“Emprego com carteira assinada já supera 50% dos trabalhadores“). A notícia é que a formalização aumentou e hoje representa 50,3% dos trabalhadores empregados nas seis regiões metropolitanas. No ano passado, essa proporção era de 49,2% e, em 2011, 48,5%.
Em 2003, os trabalhadores formais representavam apenas 39,7% do total. Ou seja, um avanço de 10,6 pontos (26,7%) em dez anos.
Quer dizer: não só o desemprego diminuiu, mas a qualidade do emprego aumentou. Boa notícia, não? Pois é, mas a ênfase da reportagem foi outra (embora a informação importante estivesse contrabandeada no texto, mas lá no meio para o final).
Aqui, a manchete não veio com adversativa. Mas logo na abertura reportagem tem um “Mesmo com [desastre, desastre, desastre]”, para só depois concluir a frase com o que é realmente notícia: “o mercado de trabalho intensificou o processo de formalização”.
Por fim, a terceira matéria de apoio versou sobre como variou o rendimento do trabalho (“Com inflação alta, rendimento real do trabalhador tem menor avanço desde 2005“).
Aqui, de novo, boa notícia: no ano passado, o rendimento médio aumentou em termos reais em 1,8%. Isso é significativo, já que esse ganho já leva em conta a inflação e acontece mesmo depois de três anos de crescimento baixo. Somado à diminuição do desemprego, o resultado foi um aumento da massa salarial de 2,6%, número também positivo.
Aumento real de salário médio e da massa salarial não é uma banalidade que acontece todo o ano em maior ou menor grau.
Quando há crise e aumento do desemprego (como nos anos 1990), tanto a massa salarial quanto o salário médio podem diminuir. Não foi o que aconteceu.
A notícia em 2013 é positiva. Mas quem lê só a manchete e o parágrafo de abertura tem a impressão de que o país está à beira da crise:
“Corroído pela inflação e sem o impacto positivo de um reajuste expressivo do salário mínimo”. Assim é a abertura. “Inflação alta” no título também ajuda, assim como o ambivalente “menor avanço”.
A Folha inaugurou, assim, o primeiro AUMENTO REAL da história corroído pela inflação. Ora, se houve aumento real, não tem nada “corroído pela inflação”.
Poderia ter havido “corrosão” dos rendimentos se o aumento tivesse sido abaixo da inflação.
O viés da cobertura do mercado de trabalho na Folha de hoje não é novo (leia a dissecação da reportagem de dezembro no blog Objetivando Disponibilizar).
E tem muito a ver com um “pessimismo excessivo” da Folha apontado pela Ombudsman do próprio jornal, em sua coluna da semana passada. Mas parece que a crítica não surtiu lá muito efeito.
Fonte: Viomundo
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