terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Delator do bem x delator do mal – maniqueísmo na era do cinismo


Em uma época em que ocorre um crescimento exponencial do número de delações, instrumento que valoriza uma das piores facetas do ser humano, a imprensa de direita utiliza expedientes cada vez mais cínicos para defender seus aliados e atacar seus adversários.
Se empresas envolvidas com corrupção de servidores doaram para seus aliados, alegam se tratar de sentimento cívico e por achar que seriam bons gestores, já quando a doação é para adversários são triangulações de propinas.
Se situações semelhantes de pagamento de propina para servidores acontecem durante governo de seus adversários são chamadas de corrupção e há envolvimento de agentes políticos. Já quando ocorrem em governos de aliados é denominado cartel, e o estado é só um ingênuo enganado por tubarões.
O cinismo avança quando esses veículos apostam no tudo ou nada por não verem horizonte em um mundo onde governantes não são seus capachos para os salvarem economicamente de administrações desastrosas, onde empresas de comunicação abdicam por questões políticas daquele que pode ser considerado seu maior patrimônio: a credibilidade.
Em vez de apostar no profissionalismo e resgate de sua credibilidade, jogam tudo na radicalização da desinformação, crendo que apenas eliminando seus adversários e colocando aliados nos seus lugares podem manter o seu poder, mas não muda a realidade que sua credibilidade está se derretendo progressivamente.
Apostando no lacerdismo como mote, estimulam e forçam delações contra adversários, mas se deparam com um efeito colateral: seus aliados têm pés de barro e também são alvos de delatores. A solução foi criar as figuras do “delator do bem” e o “delator do mal”.
Se o delator atingir seus adversários é o “delator do bem”, este é endeusado a ponto de não admitir que possa ser contestado. Sua palavra não precisa estar acompanhada de provas e podem ser alçados à condição de heróis. Se o delator atinge seus aliados é o “delator do mal”, a postura é de descrédito, vira alvos de ataques, boatos de ligações com adversários são então criados para parecer que a delação foi por motivos políticos.
O “delator do bem” também tem o poder olímpico de “desmentir” os “delatores do mal”. Recentemente o advogado do doleiro Youssef, advogado que trabalhou para o PSDB do Paraná, foi convocado pela imprensa para negar pelo seu cliente, declarações de outros delatores (o policial Careca e o laranja da Labogen) que envolveram políticos tucanos. A sua palavra foi considerada decisiva para encerrar precocemente qualquer repercussão das declarações dos “delatores do mal”.
Se você se surpreende com o nível do cinismo nas figuras do “delator do bem” e “delator do mal”, o que diria ao saber que também foram criadas as figuras da “tortura do bem” e “tortura do mal”?
Advogados de presos da lava-jato denunciam o clima de Guantánamo nas detenções da Polícia Federal em Curitiba, com extensões de prisões temporárias e preventivas sem qualquer prova efetiva contra os réus para forçar delações nos moldes do que interessa aos condutores das investigações. A imprensa trata as reclamações com desdém alegando se tratar de chicana jurídica para atrapalhar investigações (que se resumem a forçar delações).
Confrontados com a investigação ocorrida na Venezuela, onde um delator ajudou nas investigações por abortar uma tentativa de golpe de estado, e como consideram o governo da Venezuela adversário da sua política editorial entreguista e pró-EUA, abraçaram automaticamente as teses dos advogados dos golpistas venezuelanos que são idênticas aos dos encarcerados da Lava-jato: Delação forçada por meio de tortura psicológica.
Estamos convencidos que para eles a Guantánamo do Juiz Moro e da PF do Paraná se pratica a “tortura do bem”, como no fundo acreditam que foi o que aconteceu no Doi-Codi e outros porões da ditadura, já a “Tumba” da SEBIN venezuelana seria um horror onde se pratica a “tortura do mal”, e qualquer delação só poderia ser fruto da degradação em que vivia, a ponto de entregar quem o governo queria.
Não há interesse ou disposição para se preocupar com dilemas éticos na era do cinismo.

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