A PEC 55, antiga 241, também conhecida como a PEC da Morte e a PEC do Fim do Mundo, foi aprovada hoje no Senado, em segundo turno, com margem folgada.
E dane-se o que o povo acha. Um governo ilegítimo, golpista, sem voto (porque ninguém votou no Temer, ninguém elege vice, ou os reaças que votaram no Aécio sequer se lembram quem era seu vice?), determina o que acontecerá com o país não só durante sua "gestão", mas também por duas décadas, quando não estiver mais no poder, se deus quiser.
Aprovação da PEC no 1o turno: povo protesta do lado de fora |
Sinceramente, se uma chapa antes das eleições adotasse o discurso oficial, transmitido pelo governo e pela mídia, e dissesse "O país está quebrado por causa do PT, gasta demais, então precisamos de um teto para limitar os gastos", seria eleita? E olha que esse é o discurso oficial. Não é a verdade direta, que seria: "Precisamos garantir o pagamento dos juros da dívida para os banqueiros, então vamos cortar investimentos em saúde, educação, infra-estrutura, assistência social, saneamento básico, enfim, em tudo que não seja juro da dívida, pelos próximos vinte anos".
(Uma dica: sempre que você ler "gastos" em saúde e educação, e não "investimentos", desconfie).
Pesquisa Datafolha diz que 60% dos quase 3 mil entrevistados é contra a PEC 55. Na enquete do Senado a desaprovação foi muito maior, com 345.718 votos contra, e apenas 23.770 a favor. E, mesmo assim, os senadores decidiram aprovar uma medida quase unanimemente rejeitada.
Não por coincidência, hoje é o aniversário de 48 anos do AI-5, o ato institucional número 5, decretado em 13 de dezembro de 1968. Foi o golpe dentro do golpe, um decreto que endurecia ainda mais a ditadura e rasgava a Constituição. Neste 2016 com carinha de 1964, a PEC 55 age como o golpe dentro do golpe. Como disse o senador Lindbergh Farias, "esse é o AI-5 dos pobres". Não há dúvida alguma que essa medida trágica e antidemocráticaafetará mais diretamente os mais pobres (ou seja, mulheres e negros). As conquistas sociais da última década serão rapidamente revertidas. E, de todas as regiões, quem sofrerá mais será novamente o Nordeste.
Tirando a mídia, o governo golpista, o Congresso vendido e os reaças (que vêm a PEC como uma oportunidade de ouro de "diminuir o Estado", eufemismo para privatizar tudo), todo mundo adverte que a medida não apenas será ineficiente para conter despesas, como também acabará com setores fundamentais para o desenvolvimento e a redução das desigualdades sociais do país. A diretora global de Educação do Banco Mundial, Claudia Costin, por exemplo, declarou: "O Brasil continuará com o desastre educacional que tem hoje. Normalmente, quando países têm problemas fiscais, ao menos os mais desenvolvidos, eles preservam a educação dos cortes. O Brasil optou por não fazer isso. É uma grande pena".
Já o relator da ONU classificou a emenda constitucional como o pacote de austeridade socialmente mais regressivo do mundo. Philip Alston não poupou palavras: a PEC é uma violação dos direitos humanos. "Essa é uma medida radical, que denota ausência de qualquer sentimento e compaixão. É completamente inadequado congelar apenas os gastos sociais e amarrar os braços dos futuros governantes por duas décadas".
O retrocesso vivido no Brasil é tão gigantesco que, não sei se você lembra, dois ou três anos atrás uma das pautas de vários movimentos era garantir que 10% do PIB fosse obrigatoriamente usado na educação. Aliás, isso foi aprovado no Plano Nacional da Educação (já sepultado). Agora, com a PEC 55, decreta-se o fim da educação pública.
E óbvio que os próximos golpes dentro do golpe serão a o fim dos direitos trabalhistas e a reforma da previdência (mentindo descaradamente que a previdência está quebrada, então é melhor que você morra antes de poder se aposentar para que, sabe, a previdência continue a existir, mas temos aqui bons planos de previdência privada à sua disposição; além do mais, especialistas na Globo News têm a solução: é só você guardar um milhão de reais -- mais a inflação -- que você pode sacar 5 mil por mês dos 60 anos em diante).
Anúncio de previdência privada em notícia sobre "crise da previdência" |
O cenário é realmente desesperador, e dá um novo sentido ao termo "idiota útil" (termo criado pelos reaças para designar feministas e demais ativistas sociais, que lutam em favor de causas, segundo eles, orquestradas por uma nova ordem mundial -- reaças adoram teorias da conspiração). Idiota útil, pra mim, é qualquer um que que não seja rico e apoie a PEC 55 e seu consequente desmantelamento do Estado. Porque, sei lá, se você é banqueiro, a PEC pode ser boa pra você. Afinal, vai garantir que os juros sobre juros de uma dívida corrupta serão pagos religiosamente a você. Se você é dono de empresas privadas de saúde e educação, a PEC certamente te trará grandes lucros. Porém, se você não faz parte desse 1%, você terá seus direitos diminuídos pela PEC -- por duas décadas. E não será bonito.
Eu só consigo começar a vislumbrar o que isso vai significar diretamente na minha vida. Faz dois meses, eu e o maridão cancelamos nosso plano de saúde. Agora que o maridão chegou aos 59 anos, o plano ficou caro demais. E, se já temos dificuldade para pagá-lo hoje, imagine quando eu também atingir essa idade. Não dá pra dedicar 40% da nossa futura renda num plano (além disso, eu sempre me senti desconfortável pagando plano. Saúde tem que ser gratuita e acabou. É meu direito, direito de todos, ter um SUS de qualidade).
Na universidade, com a PEC 55, existe o risco real de vários campi fecharem as portas, por simplesmente não conseguirem se manter. Letras é o maior curso da UFC, mas sabemos que o governo golpista não tem o menor apreço por licenciaturas.
De cara, ficará difícil, pra não dizer impossível, que eu consiga a tão esperada progressão funcional, quando, a partir de março de 2018, eu iria de professora adjunta para associada. Não haverá dinheiro para progressão dos servidores. Teremos nossos salários congelados por vinte anos e, como não aceitaremos isso calados (espero), faremos greves e mais greves (quem viveu os anos FHC nunca se esquecerá).
Além de sermos punidos com congelamento de salários, tampouco poderemos contratar novos servidores (é o fim dos concursos públicos). Quando um professor se aposentar ou morrer, não poderemos fazer uma seleção para substituí-lo. Vamos ter que nos desdobrar e cobrir as horas dele, até que não sobre ninguém.
Verbas para pesquisa e congressos? Bolsas para pós-doutorado? Esqueça. A desculpa será sempre "Não há dinheiro", que será repetida à exaustão, até que a gente pare de pedir. Se não acabarem com a Capes e o CNPq antes.
E isso que estou falando só de mim, de como a PEC afetará a minha vida num futuro próximo. E eu estou numa posição privilegiada. Ganho bem, tenho estabilidade no emprego, e pretendo parar de trabalhar bem antes da PEC deixar de existir. Mas e os jovens? E meus valentes alunos da periferia, que sonhavam com a oportunidade de serem os primeiros de suas famílias a se formarem numa universidade pública? Que sonhavam com um futuro mais digno? Qual o futuro de toda uma geração? Como estará nosso país daqui a vinte anos?
E os políticos reaças, a mídia, nos fazem de palhaço. Nas eleições de 2018, você vai ver, todos os candidatos se posicionarão contra a PEC 55. Duvido até que alguém venha com o discurso de "remédio amargo, mas necessário". Mentirão na cara dura, dirão que sempre foram contra corte de investimentos em educação e saúde. E, mais uma vez, vai caber à gente lembrar. A gente, que lembra do AI-5. Que tem memória. Que ainda insiste em sonhar e lutar.
FONTE: Escreva Lola Escreva
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