segunda-feira, 18 de agosto de 2025

ENTREVISTA: Professor Raimundo Castro: Paixão, crítica e coragem em defesa do Sampaio Corrêa


Em entrevista exclusiva ao Conversa de Feira, o professor Raimundo Castro rompe o silêncio e lança duras críticas à atual gestão do Sampaio Corrêa. A venda do CT José Carlos Macieira, realizada sob circunstâncias nebulosas, foi o estopim de uma denúncia que vai além da transação imobiliária: trata-se, segundo ele, de uma “dilapidação patrimonial e moral” que exige resposta institucional e mobilização popular.

A denúncia já chegou ao Ministério Público, sob o número SIMP nº 007169-509/2025. Castro não descarta uma Ação Popular com pedido de afastamento do presidente e intervenção judicial. “O precedente da Federação Maranhense de Futebol mostra que é possível. Não é vingança, é justiça.”

Veja abaixo a entrevista completa com o professor Raimundo Castro, com as perguntas feitas pelo Conversa de Feira e suas respostas na íntegra:

Conversa de Feira: Quem é o Prof. Raimundo Castro?

Professor Titular do Departamento de Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus São Luís - Monte Castelo; Professor Permanente dos programas de pós-graduação stricto sensu, Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT/IFMA) e do Doutorado em Ensino da Rede Nordeste de Ensino (RENOEN), vinculado à Universidade Estadual do Maranhão (UEMA); Vice-Diretor da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Regional Maranhão (SBEM/MA), membro da Rede Ibero-Americana de Pesquisadores e Acadêmicos (REDE IPA), da Rede Latino-Americana de Etnomatemática (RELAET) e Membro colaborador da Academia Maranhense de Ciências (AMC). Torcedor apaixonado do Sampaio Corrêa Futebol Clube.

Conversa de Feira: O que motivou a campanha pela renúncia do presidente do Sampaio Corrêa?

O estopim foi a alienação no mínimo nebulosa do Centro de Treinamento José Carlos Macieira, o maior patrimônio físico e simbólico do clube, vendido em condições obscuras e sem qualquer transparência na aplicação dos valores obtidos. Pior: em reportagem do Jornal O Imparcial, de 24 de julho de 2025, menciona indícios de que o próprio presidente atuou como procurador do suposto vendedor da área, e não como defensor dos interesses do Sampaio Corrêa. Isso fere não apenas a moralidade administrativa, mas o próprio princípio da lealdade institucional.

Esse episódio escancarou algo mais profundo: a lógica de um clube sequestrado por uma gestão personalista, que age sem prestação de contas, silencia a torcida e manipula normas para perpetuar-se no poder. O que me motivou, portanto, não foi apenas uma derrota esportiva ou divergência administrativa; foi a percepção clara de que está em curso uma dilapidação patrimonial e moral do Sampaio Corrêa. Quando a história de um clube centenário é colocada em risco por atos que atentam contra sua função social, esportiva e cultural, qualquer torcedor consciente se levanta. Eu apenas verbalizei a indignação que já era coletiva.

Conversa de Feira: Quais os mecanismos estatutários usados para perpetuar o poder?

O estatuto, que deveria ser a constituição democrática do clube, foi transformado em uma muralha autoritária. Ao longo dos anos, sofreu reformas sucessivas que concentraram poderes quase ilimitados na figura do presidente. O Art. 31, por exemplo, lista 25 incisos que autorizam o dirigente a administrar, contratar, punir, alienar bens, presidir assembleias, aprovar chapas, arbitrar eleições e até reconsiderar seus próprios atos. Trata-se de um poder tão vasto que anula qualquer contrapeso interno.

Ainda mais perverso é o Art. 5º, §1º, que confere ao presidente a prerrogativa unilateral de aceitar, recusar ou destituir sócios plenos — exatamente aqueles que hoje detêm direito a voto. Em outras palavras: quem pode participar ou não das decisões passa a depender do humor e da conveniência de quem está no poder. Some-se a isso regras de homologação de chapas eleitorais, sempre submetidas ao crivo presidencial, e temos uma democracia de fachada.

O estatuto, portanto, deixou de ser um instrumento de equilíbrio para se tornar um arsenal de blindagem e perpetuação, assegurando que nenhuma candidatura oposicionista prospere. Reformá-lo é questão de sobrevivência institucional: sem isso, não há democracia, apenas a caricatura de um clube “legalizado” para ser governado como feudo pessoal.

O estatuto do Sampaio Corrêa precisa deixar de ser um instrumento de blindagem pessoal e se transformar numa verdadeira carta de democracia interna. Entre as mudanças urgentes, destaco:

  1. Limitação de mandatos – o presidente não pode se eternizar no poder. Propomos limite de dois mandatos consecutivos, com obrigatoriedade de alternância de comando.
  2. Fim do poder concentrado do presidente do Conselho Deliberativo – hoje, esse cargo concentra prerrogativas que transformam a instituição em feudo. Defendemos colegialidade: decisões precisam ser compartilhadas entre conselheiros, sem poderes monocráticos.
  3. Participação da torcida e dos sócios – criação de instâncias deliberativas com voto direto dos sócios em decisões estratégicas, como alienação de patrimônio, aprovação de contas e mudanças estatutárias.
  4. Prestação de contas obrigatória e pública – publicação anual, em site oficial, de todos os contratos, receitas e despesas, auditados por empresa independente.
  5. Transparência nas eleições – proibição de homologação de chapas pelo presidente, permitindo candidaturas livres, com regras claras e igualdade de condições.
  6. Proteção do patrimônio histórico – qualquer venda de bens do clube deve ser aprovada em assembleia geral com quórum qualificado (2/3 dos sócios votantes).
  7. Conselho Fiscal autônomo – criação de um órgão independente, eleito pela torcida e não subordinado à diretoria, para fiscalizar contas e contratos.

Essas mudanças já foram aplicadas em clubes como Internacional, Bahia e Fortaleza, que democratizaram sua gestão e colheram resultados esportivos e institucionais. O Sampaio Corrêa não pode ficar para trás.

Em resumo: queremos um estatuto que garanta mandatos limitados, transparência radical e participação popular. Só assim o clube deixará de ser governado por conveniência pessoal e voltará a ser patrimônio coletivo do Maranhão.

Conversa de Feira:  Sobre a venda do CT, o que a torcida precisa saber com urgência?

A torcida precisa saber que não se trata apenas de uma venda, mas de uma operação marcada por contradições e lacunas gravíssimas. A reportagem investigativa primorosa feita pelo O Imparcial, revela que, em 2009, o terreno do CT José Carlos Macieira foi negociado com uma empresa privada (Hispamix Brasil), tendo como vendedor um particular — Antônio Cícero Oliveira Martins — e não o clube. E quem aparece como procurador desse “vendedor” é justamente o presidente do Sampaio Corrêa. Ou seja: o dirigente agiu em nome de um particular contra o interesse do clube que deveria representar.

O enredo se torna ainda mais absurdo em 2022, quando o clube assina um Termo de Ajustamento de Conduta comprometendo-se a pagar R$ 200 mil a esse mesmo particular, como “ressarcimento” por um terreno que tudo indica já deveria ser do clube. A pergunta é inevitável: o Sampaio foi obrigado a pagar por aquilo que era seu?

A gravidade reside no silêncio e na ausência de documentos inequívocos. Onde estão as escrituras públicas? Onde estão as atas de assembleias autorizando a transação? Onde estão os relatórios financeiros auditados que expliquem o destino dos mais de seis milhões de reais arrecadados? Enquanto essas respostas não forem dadas, a torcida deve considerar o episódio como a maior dilapidação patrimonial da história do clube.

O que falta não é detalhe, mas a base mínima de qualquer gestão responsável. Até hoje, não foram apresentados:

  1. Escritura pública da venda do terreno do CT – documento essencial para comprovar a legalidade da transação. Não se sabe sequer em nome de quem, juridicamente, estava a propriedade antes da venda.
  2. Atas de assembleia ou deliberação do Conselho Deliberativo – obrigatórias pelo estatuto para qualquer alienação de patrimônio. Sem essas atas, a venda é, no mínimo, irregular, pois não houve autorização da instância competente.
  3. Contrato formal da negociação – o clube não mostrou os termos, valores, prazos e cláusulas da venda. Isso impede saber se o negócio respeitou os interesses do Sampaio Corrêa ou beneficiou terceiros.
  4. Prestação de contas do valor recebido – fala-se em mais de seis milhões de reais, mas até hoje não há relatório financeiro auditado nem explicação sobre o destino do dinheiro.
  5. Justificativa para o pagamento de R$ 200 mil ao suposto dono do terreno – em 2022, o clube assinou um TAC comprometendo-se a pagar a Antônio Cícero Martins, como “ressarcimento” por um bem que deveria ser do clube. Esse é um ponto obscuro que nunca foi esclarecido.
  6. Comprovação de registro cartorial atualizado – não há documento oficial mostrando em nome de quem está a propriedade hoje. A torcida sequer sabe quem é, de fato, o dono do terreno onde funcionava o coração do clube.

Por que isso é grave?

Porque estamos diante da maior dilapidação patrimonial: o maior bem do clube foi vendido em condições obscuras e sem controle social. Essa omissão não é burocrática; é uma afronta direta à função social do Sampaio Corrêa como patrimônio cultural do Maranhão.

Quando não há escritura, nem atas, nem prestação de contas públicas, abre-se espaço para várias suspeitas. O resultado é que a torcida, que deveria ser a guardiã do clube, foi deliberadamente excluída do processo.

É por isso que exigimos: auditoria completa, quebra de sigilo bancário e fiscal, e a apresentação imediata de todos os documentos. Sem isso, não há explicação aceitável — apenas silêncio que protege interesses privados e destrói a confiança da torcida.

Conversa de Feira: Que apoio institucional ou jurídico está sendo buscado?

Nosso movimento não se apoia apenas em gritos de arquibancada, mas em fundamentos jurídicos sólidos e em instituições de controle. Em 12 de agosto de 2025, protocolamos uma representação formal no Ministério Público do Maranhão (SIMP nº 007169-509/2025), reunindo reportagens e análises que evidenciam os atos.

Além disso, estamos trabalhando na possibilidade de ajuizarmos uma Ação Popular com pedido liminar na Vara de Interesses Difusos e Coletivos, solicitando o afastamento cautelar do presidente, a nomeação de um interventor judicial, auditoria completa nas contas e convocação de novas eleições. Esse pedido não é inédito: a própria Justiça maranhense já afastou a diretoria da Federação Maranhense de Futebol (FMF) em agosto de 2025, nomeando interventora com amplos poderes de auditoria.

Temos, portanto, precedente recente, base constitucional, respaldo no Estatuto do Torcedor e jurisprudências do STJ e de tribunais estaduais. O que buscamos é simples: que a lei, a moralidade e o interesse público sejam aplicados a um clube que, mesmo sendo pessoa jurídica privada, cumpre uma função social inegável.

O diálogo com o Ministério Público do Maranhão já está estabelecido de forma oficial e documentada. No dia 12 de agosto de 2025, protocolamos uma representação formal (SIMP nº 007169-509/2025. O MP acolheu a denúncia e abriu análise preliminar. Não se trata apenas de grito de arquibancada, mas de uma luta jurídica, institucional e social. O objetivo é mostrar que o Sampaio Corrêa não está isolado: há respaldo legal, há mobilização popular e há entidades dispostas a garantir que o clube não seja destruído por má gestão.

O diálogo com o Ministério Público já existe e está formalizado. Estamos buscando também interlocução com a Justiça e com setores da sociedade civil. Ou seja: não estamos apenas denunciando, estamos construindo caminhos concretos, legais e coletivos para salvar o Sampaio Corrêa.

Conversa de Feira: Qual o papel da torcida boliviana nesse processo?

A torcida é mais do que público: é o verdadeiro dono do clube. O Sampaio nasceu em 1923 do clamor popular, da energia das ruas e da vibração comunitária. Hoje, esse mesmo povo é chamado a resgatar o clube de um processo de exclusão e silenciamento.

Foi a mobilização da torcida que levou denúncias ao Ministério Público, que pressionou a imprensa e que obrigou a sociedade a enxergar a gravidade da crise. A arquibancada, que tentaram reduzir a cenário decorativo, é, na verdade, a instância mais legítima de deliberação. É nela que pulsa a voz coletiva que nenhum estatuto pode calar.

Esse papel não se limita a apoiar em campo, mas a exigir prestação de contas, transparência e participação. Quando o estatuto exclui, o torcedor resiste. Quando a diretoria silencia, o grito boliviano ecoa. A reconstrução do Sampaio só será possível se a torcida for reconhecida não como ameaça, mas como parceira e guardiã da instituição.

A mobilização popular não é apenas um detalhe no processo — ela é o fator decisivo. Nenhuma intervenção judicial, nenhuma reforma estatutária e nenhuma auditoria terá força suficiente se a torcida não estiver presente, vigilante e ativa. O Sampaio Corrêa nasceu do povo e somente o povo tem a legitimidade para exigir que o clube seja devolvido à sua essência: ser patrimônio cultural, esportivo e identitário do Maranhão.

Nos últimos meses vimos algo inédito: torcedores que antes estavam isolados na arquibancada passaram a se organizar. Isso rompeu o silêncio que se tentou impor por anos e colocou o clube novamente sob escrutínio público.

A mobilização popular é o ponto de virada porque:

  1. Gera pressão institucional – quanto mais forte a voz da torcida, mais difícil para autoridades ignorarem as denúncias.
  2. Legitima o processo de transição – qualquer intervenção precisa ser respaldada pelo sentimento coletivo, e esse respaldo só a torcida pode dar.
  3. Impede retrocessos – mesmo que a Justiça afaste dirigentes, sem pressão popular há sempre o risco de o clube voltar ao mesmo ciclo viciado.
  4. Reconfigura o futuro – a participação direta dos torcedores em assembleias, eleições e conselhos é a garantia de que o Sampaio não será mais governado como feudo, mas como bem comum.

Portanto, a mobilização não é apenas importante — é indispensável. O grito da arquibancada precisa se transformar em presença nas ruas, nas assembleias, nos tribunais e nas redes sociais. É esse movimento popular que dará sustentação para que o clube seja refundado em bases democráticas, transparentes e populares.

Se a história nos mostra que a diretoria tentou transformar a torcida em mero adereço, a resposta agora precisa ser o contrário: a arquibancada como protagonista da reconstrução. Sim, a mobilização popular é, sem sombra de dúvida, o ponto de virada capaz de devolver o Sampaio Corrêa ao seu verdadeiro dono: o povo maranhense.

Conversa de Feira: Caso a renúncia aconteça, qual o próximo passo?

A renúncia não encerra o processo, apenas o inicia. O próximo passo é garantir que não haja retrocessos nem manobras paliativas. Por isso, defendemos a nomeação imediata de um interventor judicial, com mandato temporário e poderes para:

  1. Realizar auditoria contábil e patrimonial abrangente;
  2. Reformar o estatuto, eliminando dispositivos de blindagem;
  3. Convocar eleições gerais em até 90 dias, abertas, transparentes e fiscalizadas.

Essa transição precisa estar amparada em três pilares: transparência radical, com todas as contas publicadas; participação popular, com a torcida tendo acesso real às decisões; e responsabilidade esportiva, com planejamento sério para devolver o clube ao protagonismo.

O objetivo não é apenas trocar um presidente, mas refundar o Sampaio Corrêa como patrimônio do Maranhão, garantindo que nunca mais seja sequestrado por interesses privados.

O que está em jogo não é apenas a saída do atual mandatário, mas o futuro de um clube centenário. O que exigimos é o mínimo: documentos, auditorias, eleições limpas. O que denunciamos é o máximo: um modelo de gestão que transformou o Sampaio em propriedade pessoal. A torcida, que é a alma do clube, não permitirá que isso continue. O Sampaio Corrêa é do povo — e será devolvido ao povo.

Sobre um plano de transição, a resposta definitiva a essa questão só virá a partir do momento em que a denúncia for aceita e o afastamento do dirigente se concretizar. É nesse cenário que se abrirá a possibilidade de uma intervenção judicial transparente, conduzida por pessoa ou equipe nomeada pela Justiça, com a missão de auditar as contas, reformar o estatuto e convocar novas eleições.

O que existe hoje não são nomes previamente escolhidos — porque não queremos substituir um projeto personalista por outro personalista —, mas sim critérios claros para a transição:

  1. Auditoria independente e integral das finanças e contratos;
  2. Reforma profunda do estatuto, para devolver democracia ao clube;
  3. Convocação de eleições gerais em até 90 dias, abertas a chapas livres e legítimas;
  4. Participação popular efetiva, garantindo que a torcida tenha voz no processo.

Ou seja, não há “candidatos de ocasião” esperando a queda de Sérgio Frota. O que há é a convicção de que somente um interventor imparcial, fiscalizado pela Justiça e acompanhado pela torcida, poderá pavimentar o caminho para uma nova fase.

Quando a intervenção se instaurar, aí sim surgirão nomes comprometidos com transparência, democracia e reconstrução. Até lá, o foco é um só: garantir que a Justiça atue e que o clube seja protegido contra a continuidade da gestão lesiva.

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