A denúncia já chegou ao Ministério Público, sob o número SIMP nº 007169-509/2025. Castro não descarta uma Ação Popular com pedido de afastamento do presidente e intervenção judicial. “O precedente da Federação Maranhense de Futebol mostra que é possível. Não é vingança, é justiça.”
Veja abaixo a entrevista completa com o professor Raimundo Castro, com as perguntas feitas pelo Conversa de Feira e suas respostas na íntegra:
Conversa de Feira: Quem é o Prof. Raimundo Castro?
Professor Titular do Departamento de Matemática do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus São
Luís - Monte Castelo; Professor Permanente dos programas de pós-graduação stricto
sensu, Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica
(ProfEPT/IFMA) e do Doutorado em Ensino da Rede Nordeste de Ensino (RENOEN),
vinculado à Universidade Estadual do Maranhão (UEMA); Vice-Diretor da Sociedade
Brasileira de Educação Matemática, Regional Maranhão (SBEM/MA), membro da Rede
Ibero-Americana de Pesquisadores e Acadêmicos (REDE IPA), da Rede
Latino-Americana de Etnomatemática (RELAET) e Membro colaborador da Academia
Maranhense de Ciências (AMC). Torcedor apaixonado do Sampaio Corrêa Futebol
Clube.
Conversa de Feira: O que motivou a campanha pela renúncia
do presidente do Sampaio Corrêa?
O estopim foi a alienação no mínimo nebulosa do Centro de
Treinamento José Carlos Macieira, o maior patrimônio físico e simbólico do
clube, vendido em condições obscuras e sem qualquer transparência na aplicação
dos valores obtidos. Pior: em reportagem do Jornal O Imparcial, de 24 de julho
de 2025, menciona indícios de que o próprio presidente atuou como procurador do
suposto vendedor da área, e não como defensor dos interesses do Sampaio Corrêa.
Isso fere não apenas a moralidade administrativa, mas o próprio princípio da
lealdade institucional.
Esse episódio escancarou algo mais profundo: a lógica de um
clube sequestrado por uma gestão personalista, que age sem prestação de contas,
silencia a torcida e manipula normas para perpetuar-se no poder. O que me
motivou, portanto, não foi apenas uma derrota esportiva ou divergência
administrativa; foi a percepção clara de que está em curso uma dilapidação
patrimonial e moral do Sampaio Corrêa. Quando a história de um clube centenário
é colocada em risco por atos que atentam contra sua função social, esportiva e
cultural, qualquer torcedor consciente se levanta. Eu apenas verbalizei a
indignação que já era coletiva.
Conversa de Feira: Quais os mecanismos estatutários usados
para perpetuar o poder?
O estatuto, que deveria ser a constituição democrática do
clube, foi transformado em uma muralha autoritária. Ao longo dos anos, sofreu
reformas sucessivas que concentraram poderes quase ilimitados na figura do
presidente. O Art. 31, por exemplo, lista 25 incisos que autorizam o dirigente
a administrar, contratar, punir, alienar bens, presidir assembleias, aprovar
chapas, arbitrar eleições e até reconsiderar seus próprios atos. Trata-se de um
poder tão vasto que anula qualquer contrapeso interno.
Ainda mais perverso é o Art. 5º, §1º, que confere ao
presidente a prerrogativa unilateral de aceitar, recusar ou destituir sócios
plenos — exatamente aqueles que hoje detêm direito a voto. Em outras palavras:
quem pode participar ou não das decisões passa a depender do humor e da
conveniência de quem está no poder. Some-se a isso regras de homologação de
chapas eleitorais, sempre submetidas ao crivo presidencial, e temos uma
democracia de fachada.
O estatuto, portanto, deixou de ser um instrumento de
equilíbrio para se tornar um arsenal de blindagem e perpetuação, assegurando
que nenhuma candidatura oposicionista prospere. Reformá-lo é questão de
sobrevivência institucional: sem isso, não há democracia, apenas a caricatura
de um clube “legalizado” para ser governado como feudo pessoal.
O estatuto do Sampaio Corrêa precisa deixar de ser um
instrumento de blindagem pessoal e se transformar numa verdadeira carta de
democracia interna. Entre as mudanças urgentes, destaco:
- Limitação de mandatos – o presidente não pode se
eternizar no poder. Propomos limite de dois mandatos consecutivos, com
obrigatoriedade de alternância de comando.
- Fim do poder concentrado do
presidente do Conselho Deliberativo – hoje, esse cargo concentra prerrogativas que
transformam a instituição em feudo. Defendemos colegialidade: decisões
precisam ser compartilhadas entre conselheiros, sem poderes monocráticos.
- Participação da torcida e dos
sócios
– criação de instâncias deliberativas com voto direto dos sócios em
decisões estratégicas, como alienação de patrimônio, aprovação de contas e
mudanças estatutárias.
- Prestação de contas obrigatória e
pública
– publicação anual, em site oficial, de todos os contratos, receitas e
despesas, auditados por empresa independente.
- Transparência nas eleições – proibição de homologação de
chapas pelo presidente, permitindo candidaturas livres, com regras claras
e igualdade de condições.
- Proteção do patrimônio histórico – qualquer venda de bens do clube
deve ser aprovada em assembleia geral com quórum qualificado (2/3 dos
sócios votantes).
- Conselho Fiscal autônomo – criação de um órgão
independente, eleito pela torcida e não subordinado à diretoria, para
fiscalizar contas e contratos.
Essas mudanças já foram aplicadas em clubes como
Internacional, Bahia e Fortaleza, que democratizaram sua gestão e colheram
resultados esportivos e institucionais. O Sampaio Corrêa não pode ficar para
trás.
Em resumo: queremos um estatuto que garanta mandatos
limitados, transparência radical e participação popular. Só assim o clube
deixará de ser governado por conveniência pessoal e voltará a ser patrimônio
coletivo do Maranhão.
Conversa de Feira: Sobre a venda do CT, o que a torcida precisa saber com
urgência?
A torcida precisa saber que não se trata apenas de uma
venda, mas de uma operação marcada por contradições e lacunas gravíssimas. A
reportagem investigativa primorosa feita pelo O Imparcial, revela que, em 2009,
o terreno do CT José Carlos Macieira foi negociado com uma empresa privada
(Hispamix Brasil), tendo como vendedor um particular — Antônio Cícero Oliveira
Martins — e não o clube. E quem aparece como procurador desse “vendedor” é justamente
o presidente do Sampaio Corrêa. Ou seja: o dirigente agiu em nome de um
particular contra o interesse do clube que deveria representar.
O enredo se torna ainda mais absurdo em 2022, quando o clube
assina um Termo de Ajustamento de Conduta comprometendo-se a pagar R$ 200 mil a
esse mesmo particular, como “ressarcimento” por um terreno que tudo indica já
deveria ser do clube. A pergunta é inevitável: o Sampaio foi obrigado a pagar
por aquilo que era seu?
A gravidade reside no silêncio e na ausência de documentos
inequívocos. Onde estão as escrituras públicas? Onde estão as atas de
assembleias autorizando a transação? Onde estão os relatórios financeiros
auditados que expliquem o destino dos mais de seis milhões de reais
arrecadados? Enquanto essas respostas não forem dadas, a torcida deve
considerar o episódio como a maior dilapidação patrimonial da história do
clube.
O que falta não é detalhe, mas a base mínima de qualquer
gestão responsável. Até hoje, não foram apresentados:
- Escritura pública da venda do
terreno do CT
– documento essencial para comprovar a legalidade da transação. Não se
sabe sequer em nome de quem, juridicamente, estava a propriedade antes da
venda.
- Atas de assembleia ou deliberação
do Conselho Deliberativo – obrigatórias pelo estatuto para qualquer alienação
de patrimônio. Sem essas atas, a venda é, no mínimo, irregular, pois não
houve autorização da instância competente.
- Contrato formal da negociação – o clube não mostrou os termos,
valores, prazos e cláusulas da venda. Isso impede saber se o negócio
respeitou os interesses do Sampaio Corrêa ou beneficiou terceiros.
- Prestação de contas do valor
recebido
– fala-se em mais de seis milhões de reais, mas até hoje não há relatório
financeiro auditado nem explicação sobre o destino do dinheiro.
- Justificativa para o pagamento de
R$ 200 mil ao suposto dono do terreno – em 2022, o clube assinou um TAC comprometendo-se a
pagar a Antônio Cícero Martins, como “ressarcimento” por um bem que
deveria ser do clube. Esse é um ponto obscuro que nunca foi esclarecido.
- Comprovação de registro cartorial
atualizado
– não há documento oficial mostrando em nome de quem está a propriedade
hoje. A torcida sequer sabe quem é, de fato, o dono do terreno onde
funcionava o coração do clube.
Por que isso é grave?
Porque estamos diante da maior dilapidação patrimonial: o
maior bem do clube foi vendido em condições obscuras e sem controle social.
Essa omissão não é burocrática; é uma afronta direta à função social do Sampaio
Corrêa como patrimônio cultural do Maranhão.
Quando não há escritura, nem atas, nem prestação de contas
públicas, abre-se espaço para várias suspeitas. O resultado é que a torcida,
que deveria ser a guardiã do clube, foi deliberadamente excluída do processo.
É por isso que exigimos: auditoria completa, quebra de
sigilo bancário e fiscal, e a apresentação imediata de todos os documentos. Sem
isso, não há explicação aceitável — apenas silêncio que protege interesses
privados e destrói a confiança da torcida.
Conversa de Feira: Que apoio institucional ou jurídico
está sendo buscado?
Nosso movimento não se apoia apenas em gritos de
arquibancada, mas em fundamentos jurídicos sólidos e em instituições de
controle. Em 12 de agosto de 2025, protocolamos uma representação formal no
Ministério Público do Maranhão (SIMP nº 007169-509/2025), reunindo reportagens
e análises que evidenciam os atos.
Além disso, estamos trabalhando na possibilidade de ajuizarmos
uma Ação Popular com pedido liminar na Vara de Interesses Difusos e Coletivos,
solicitando o afastamento cautelar do presidente, a nomeação de um interventor
judicial, auditoria completa nas contas e convocação de novas eleições. Esse
pedido não é inédito: a própria Justiça maranhense já afastou a diretoria da
Federação Maranhense de Futebol (FMF) em agosto de 2025, nomeando interventora
com amplos poderes de auditoria.
Temos, portanto, precedente recente, base constitucional,
respaldo no Estatuto do Torcedor e jurisprudências do STJ e de tribunais
estaduais. O que buscamos é simples: que a lei, a moralidade e o interesse
público sejam aplicados a um clube que, mesmo sendo pessoa jurídica privada,
cumpre uma função social inegável.
O diálogo com o Ministério Público do Maranhão já está
estabelecido de forma oficial e documentada. No dia 12 de agosto de 2025,
protocolamos uma representação formal (SIMP nº 007169-509/2025. O MP acolheu a
denúncia e abriu análise preliminar. Não se trata apenas de grito de
arquibancada, mas de uma luta jurídica, institucional e social. O objetivo é
mostrar que o Sampaio Corrêa não está isolado: há respaldo legal, há
mobilização popular e há entidades dispostas a garantir que o clube não seja
destruído por má gestão.
O diálogo com o Ministério Público já existe e está
formalizado. Estamos buscando também interlocução com a Justiça e com setores
da sociedade civil. Ou seja: não estamos apenas denunciando, estamos
construindo caminhos concretos, legais e coletivos para salvar o Sampaio
Corrêa.
Conversa de Feira: Qual o papel da torcida boliviana nesse
processo?
A torcida é mais do que público: é o verdadeiro dono do
clube. O Sampaio nasceu em 1923 do clamor popular, da energia das ruas e da
vibração comunitária. Hoje, esse mesmo povo é chamado a resgatar o clube de um
processo de exclusão e silenciamento.
Foi a mobilização da torcida que levou denúncias ao
Ministério Público, que pressionou a imprensa e que obrigou a sociedade a
enxergar a gravidade da crise. A arquibancada, que tentaram reduzir a cenário
decorativo, é, na verdade, a instância mais legítima de deliberação. É nela que
pulsa a voz coletiva que nenhum estatuto pode calar.
Esse papel não se limita a apoiar em campo, mas a exigir
prestação de contas, transparência e participação. Quando o estatuto exclui, o
torcedor resiste. Quando a diretoria silencia, o grito boliviano ecoa. A
reconstrução do Sampaio só será possível se a torcida for reconhecida não como
ameaça, mas como parceira e guardiã da instituição.
A mobilização popular não é apenas um detalhe no processo —
ela é o fator decisivo. Nenhuma intervenção judicial, nenhuma reforma
estatutária e nenhuma auditoria terá força suficiente se a torcida não estiver
presente, vigilante e ativa. O Sampaio Corrêa nasceu do povo e somente o povo
tem a legitimidade para exigir que o clube seja devolvido à sua essência: ser
patrimônio cultural, esportivo e identitário do Maranhão.
Nos últimos meses vimos algo inédito: torcedores que antes
estavam isolados na arquibancada passaram a se organizar. Isso rompeu o
silêncio que se tentou impor por anos e colocou o clube novamente sob
escrutínio público.
A mobilização popular é o ponto de virada porque:
- Gera pressão institucional – quanto mais forte a voz da
torcida, mais difícil para autoridades ignorarem as denúncias.
- Legitima o processo de transição – qualquer intervenção precisa
ser respaldada pelo sentimento coletivo, e esse respaldo só a torcida pode
dar.
- Impede retrocessos – mesmo que a Justiça afaste
dirigentes, sem pressão popular há sempre o risco de o clube voltar ao
mesmo ciclo viciado.
- Reconfigura o futuro – a participação direta dos
torcedores em assembleias, eleições e conselhos é a garantia de que o
Sampaio não será mais governado como feudo, mas como bem comum.
Portanto, a mobilização não é apenas importante — é
indispensável. O grito da arquibancada precisa se transformar em presença
nas ruas, nas assembleias, nos tribunais e nas redes sociais. É esse movimento
popular que dará sustentação para que o clube seja refundado em bases
democráticas, transparentes e populares.
Se a história nos mostra que a diretoria tentou transformar
a torcida em mero adereço, a resposta agora precisa ser o contrário: a
arquibancada como protagonista da reconstrução. Sim, a mobilização popular é,
sem sombra de dúvida, o ponto de virada capaz de devolver o Sampaio Corrêa ao
seu verdadeiro dono: o povo maranhense.
Conversa de Feira: Caso a renúncia aconteça, qual o
próximo passo?
A renúncia não encerra o processo, apenas o inicia. O
próximo passo é garantir que não haja retrocessos nem manobras paliativas. Por
isso, defendemos a nomeação imediata de um interventor judicial, com mandato
temporário e poderes para:
- Realizar auditoria contábil e
patrimonial abrangente;
- Reformar o estatuto, eliminando
dispositivos de blindagem;
- Convocar eleições gerais em até 90
dias, abertas, transparentes e fiscalizadas.
Essa transição precisa estar amparada em três pilares:
transparência radical, com todas as contas publicadas; participação popular,
com a torcida tendo acesso real às decisões; e responsabilidade esportiva, com
planejamento sério para devolver o clube ao protagonismo.
O objetivo não é apenas trocar um presidente, mas refundar o
Sampaio Corrêa como patrimônio do Maranhão, garantindo que nunca mais seja
sequestrado por interesses privados.
O que está em jogo não é apenas a saída do atual mandatário,
mas o futuro de um clube centenário. O que exigimos é o mínimo: documentos,
auditorias, eleições limpas. O que denunciamos é o máximo: um modelo de gestão
que transformou o Sampaio em propriedade pessoal. A torcida, que é a alma do
clube, não permitirá que isso continue. O Sampaio Corrêa é do povo — e será
devolvido ao povo.
Sobre um plano de transição, a resposta definitiva a essa
questão só virá a partir do momento em que a denúncia for aceita e o
afastamento do dirigente se concretizar. É nesse cenário que se abrirá a
possibilidade de uma intervenção judicial transparente, conduzida por pessoa ou
equipe nomeada pela Justiça, com a missão de auditar as contas, reformar o
estatuto e convocar novas eleições.
O que existe hoje não são nomes previamente escolhidos —
porque não queremos substituir um projeto personalista por outro personalista
—, mas sim critérios claros para a transição:
- Auditoria independente e integral
das finanças e contratos;
- Reforma profunda do estatuto, para
devolver democracia ao clube;
- Convocação de eleições gerais em
até 90 dias, abertas a chapas livres e legítimas;
- Participação popular efetiva,
garantindo que a torcida tenha voz no processo.
Ou seja, não há “candidatos de ocasião” esperando a queda de
Sérgio Frota. O que há é a convicção de que somente um interventor imparcial,
fiscalizado pela Justiça e acompanhado pela torcida, poderá pavimentar o
caminho para uma nova fase.
Quando a intervenção se instaurar, aí sim surgirão nomes comprometidos com transparência, democracia e reconstrução. Até lá, o foco é um só: garantir que a Justiça atue e que o clube seja protegido contra a continuidade da gestão lesiva.
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