Tomás mandando ver no pratão. Foto: Sharon Caleffi |
Texto de Sharon Caleffi com contribuição de Amanda Vieira
Toda última sexta-feira de cada mês, tem “Família na escola” nas creches públicas (CMEIs) aqui de Pato Branco. No final de abril a programação foi especialmente tocante pra mim. Pais e mães foram convidados para conhecer o cardápio da forma mais saborosa: sentando na mesa e comendo com os pequeninhos. Eu já estava curiosíssima para conhecer a comida ao vivo há tempos. Quando meu filho era bebê e eu ia até a creche para amamentá-lo, acabei conhecendo as papinhas do berçário. Mas as refeições dos maiozinhos ainda não sabia como eram. Eu até perguntei, mas ele só lembrava do lanchinho da tarde, geralmente bolo e fruta.
Eu imaginava que o cardápio, elaborado por uma nutricionista e adquirido, em grande parte,entre produtores agrícolas do município, fosse balanceado e nutritivo. E as professoras nunca se furtaram a dirimir minhas dúvidas. Mas essa oportunidade, de almoçar com eles e conhecer a rotina, o clima e a convivência entre colegas e professoras, além de me deixar mais tranquila ainda quanto ao cuidado que o filhote está recebendo, me fez compreender como é possível e o que é necessário para conseguirmos estender e melhorar o atendimento às crianças em todo o país.
A rotina na hora do almoço é bem marcada e as crianças já sabem como funciona. Primeiro todo mundo lava a mão. Só então a turma vai para a cantina, onde os pratos (de vidro) já estão servidos. Para acalmar a petizada e dar um tempo para todos sentarem e se concentrarem no momento, uma oração. Agradecem pela comida, pedem pela saúde das professoras, dos colegas e da família. E então, é dada a largada.
O cardápio do dia era arroz, feijão, linguiça de frango, farofa de milho, batata doce cozida e salada de alface, rúcula, tomate e chuchu. Super colorido e delicioso! Sentei na ponta da mesa para comer e conversar com eles. Uma coleguinha do Tomás atacou direto o feijão e deixou todo o resto no prato. Achei a decisão acertadíssima. Outro coleguinha, novo na creche, não comeu nada e ficou pedindo “Banana, profe!”. A maioria (inclusive o Tomás) pediu que se misturasse tudo e repetiram a linguiça com vontade.
A reação deles à visita das mães foi uma diversão à parte. Tomás ficou bem alegre e ficava me mostrando “Kételi, olha minha mãe! Gustavo, minha mãe! Samuel, minha mãe!” As outras mães também erammostradas com orgulho. Uma coleguinha do Tomás puxou o assunto: “Minha mãe está trabalhando, tia,por isso ela não veio”. E começamos a falar sobre o que as mães faziam, onde elas trabalhavam… e contei que eu trabalho no IBGE, ajudando a fazer mapas. Tomás cheio de alegria contando que “Mapa é o caminho, né mãe?”. O tempo passou muito rápido. Já era hora de voltar para a sala, tomar água, lavar as mãos e o rosto, guardar os sapatinhos e tirar um cochilo. Deu vontade de fazer isso todo dia…
Procurei conhecer as experiências de outros lugares do Brasil… e, em geral, são parecidas com as daqui. A Camila Medeiros, que participa do grupo FemMaterna, conta como é a alimentação das crianças na creche que sua filha frequenta em Brasília:
O governo do Distrito Federal fornece o básico da merenda e as contribuições para a APM incrementam o lanche. Então as crianças comem baião de três, risoto de frango, bolo, macarronada e tem suco – nem preocupo se ela não bate um pratão no jantar… Além disso, a escola faz uns eventos especiais, como a festa da gelatina ou o festival do biscoito (nada recheado! eu levei biscoitinhos feitos em casa, com a Anitinha). E toda quinta-feira é o dia dafruta – as crianças levam as frutas, inteiras e na sala eles podem manipular e cheirar as frutas. Na cozinha as merendeiras lavam, descascam e cortam. As frutas voltam para a sala e as crianças podem comer à vontade o que elas quiserem. Não é uma salada de fruta, tudo é servido separadamente para elas conhecerem os sabores e as texturas.”
Também recebemos a contribuição da Denise Alencar, assistente social do município de Caraúbas do Piauí, cidade de 5.315 habitantes, a 273 km de Teresina. Lá, a administração municipal aplica as verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), como em Pato Branco, na compra direta de produtores rurais e fornecedores do próprio município. Banana, macaxeira, coentro, cebolinha, jerimum e feijão, por exemplo, vem de uma horta comunitária cuidada por mulheres da comunidade. O leite é adquirido de uma cooperativa do município, a Aproleite.
Esses e outros exemplos tem comprovado que a municipalização da gestão da merenda pode ser eficiente. E não só com relação à alimentação, mas todas as atividades envolvidas na educação de crianças pequenas, tanto de gestão quanto pedagógicas, podem ser aprimoradas. Eu, particularmente, gosto muito da autonomia dos municípios em relação à essas politicas. Em cidades de porte médio, essa estrutura se torna simples e acessível e a fiscalização é menos complexa, pois a documentação permanece no próprio domicílio.
Mas a verdade é que essas experiências positivas são “ilhas de excelência” em nosso país. A qualidade e a quantidade de vagas ainda deixam muito a desejar na maior parte do país… e temos muito a reivindicar e construir. O número de vagas nas creches ainda é muito pequeno e não atende a demanda. Segundo o IBGE, em 2010, 76% das crianças com idades entre 0 e 3 anos não frequentavam creche. Queremos vagas de qualidade como essas, que ainda são privilégio, para todas as crianças. O oferecimento de serviços de cuidado com qualidade são uma garantia ao direito das mulheres de ter um tempo para si, que a vida da mulher seja uma vida “menos filhos“, mas sabendo que as crianças estão bem cuidadas. Creches não só para a mulher que trabalha, mas também para aquela que estuda, que procura emprego, que está começando um negócio próprio, que faz política.
Eu acredito no ideal feminista de emancipação feminista, mas não vamos alcançá-lo sem muito trabalho. Além de alternativas de cuidado de qualidade como essas, uma nova visão das relações de trabalho, com redução da jornada de trabalho para todos é imprescindível. Não acho suficientes as teorias e divagações sobre identidade e empoderamento das mulheres que são mães, enquanto os bebês e crianças não são considerados bem-vindos em lugares públicos ou voltam com o bumbum assado da escolinha…
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