domingo, 12 de janeiro de 2014

Para Sarney o AI-5 era uma "necessidade"


A serpente encantada

Por Egberto Magno

Ávido por mostrar serviço aos militares, Sarney se projeta como um dos principais tribunos em defesa do regime. No dia 11 de maio de 1971, um mês após chegar àquela Casa, sobe à tribuna e, em longo discurso, sustenta a necessidade e oportunidade do AI-5: “O espírito do AI-5 foi transitório, medida de exceção para conjurar uma circunstância...”. Para dar uma roupagem democrática à sua fala, considera que o Ato Institucional nº. 5 não é objeto da preocupação exclusivamente da oposição e deseja que o mesmo seja ultrapassado, repetindo o que diziam os chefes palacianos. No entanto, o decreto somente foi revogado em 1978. Transitório, não é? 

A sua pretensa verve acadêmico-intelectual – que encobre suas práticas antidemocráticas e republicanas da República Velha - vem à tona quando dizia que: “Nós, os liberais – e eu ainda o sou numa época em que se tenta por todos os modos dizer que o liberalismo é algo ultrapassado e anacrônico – não podemos mais recusar uma visão sobre os escombros daquele ideal messiânico que encheu as gerações do século XIX, impregnadas do extremo otimismo sobre o destino dos homens. Era a dialética de Hegel, a lei dos três estados de Comte, as teorias evolucionistas de Darwin e Spencer, a euforia das descobertas científicas, tudo dizia que a utopia sonhada há milênios pelos pensadores políticos seria em breve realidade”. Traduzindo: se autoproclama liberal, mas defende as medidas antidemocráticas e autoritárias do regime militar, pois a questão é de ordem prática, não cientificista. Para ele, “no mundo moderno cada país tem o dever de defender os seus próprios valores e a política não com base em teorias, mas em termos pragmáticos”. Eis uma característica marcante de Sarney: o pragmatismo.

Dotado de uma capacidade rara de perceber o curso do processo político para então se posicionar sempre ao lado de quem ganha, Sarney põe em ação o seu pragmatismo, ao defender, claramente, que não se trata de restabelecer o funcionamento das instituições democráticas, mas assegurar, tão somente, o precário sistema representativo com todas as limitações impostas pela ditadura militar, uma vez que “a opção do Brasil está tomada: a democracia representativa republicana. O AI-5 é uma transição imposta pelas circunstâncias, pela necessidade de defesa destes valores”. Em claro português: diz ser democrata e, ao mesmo tempo, defende a cassação de mandatos parlamentares, o fim do habeas corpus (instrumento constitucional indispensável à garantia do direito de ir e vir do cidadão e da cidadã), suspensão de direitos políticos, enfim, a continuidade da quebra da ordem institucional do país. Com um democrata desses...

Naquele discurso de 11 de maio de 1971, Sarney, em um tom com ares irônicos, manifesta a opinião de que o governo ditatorial do presidente Médici não é caudilhesco nem militarista haja vista que sempre reafirma os valores democráticos e da liberdade. E, ao citar trecho de discurso de outro senador pró-AI-5, Daniel Krieger, diz que “os regimes de exceção não são desejáveis mas, às vezes, inevitáveis”, justificando-o pela suposta existência de uma subversão da ordem por parte dos “terroristas” oposicionistas, na verdade, os que lutavam contra o regime de exceção, numa acintosa inversão de quem eram os verdadeiros democratas e de quem eram os reais terroristas naqueles idos. 

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