Charge de 2010, Serra durante greve dos professôres de SP |
Por Luiz Carlos Azenha
Confesso que, de uns tempos para cá, minha tolerância com a hipocrisia é próxima de zero.
Acho perda de tempo participar de polêmicas cuja função essencial é
mascarar a realidade, além de alimentar o desejo de alguns por circo.
Circo move tráfego na rede.
A ação do PSDB relativa aos blogueiros Paulo Henrique Amorim e Luís
Nassif não busca debater o essencial, ou seja, o uso do dinheiro público
em publicidade ou propaganda. Se buscasse, haveria de tratar do
conjunto: quais são os gastos de governos federal, estaduais e
municipais com propaganda? Quanto recebem a Globo, a Veja, a Folha e o
Estadão proporcionalmente ao bolo? Os governos não poderiam reduzir
estes custos investindo mais na internet, por exemplo, dada a crescente
capacidade de disseminação de informações através das redes sociais? É
viável fazer como o agora senador Roberto Requião, que quando governador
do Paraná cortou todas as verbas publicitárias, a não ser as de
campanhas de utilidade pública? Cabem políticas públicas para promover a
pluralidade e a diversidade de opiniões?
Há outras questões, tão interessantes quanto. Deve um partido tentar
definir a pauta de um blog eminentemente pessoal? Por que o anúncio de
empresas públicas supostamente compra um blogueiro mas não compra um
dono de jornal? Crítica é ataque às instituições? Ao criticar o
Congresso, o governo federal ou o Judiciário os colunistas dos grandes
jornais estariam ‘atacando as instituições’? Mas, se o financiamento dos
jornais para os quais escrevem — ou das emissoras de rádio e TV nas
quais trabalham — é feito parcialmente com dinheiro público, eles podem
‘atacar as instituições’ livremente e os blogueiros não? E a liberdade
de expressão e o direito ao contraditório?
Trato destes temas com tranquilidade. O Viomundo, pelo menos por
enquanto, é mantido com anúncios Google. O Leandro Guedes, que nos
representa comercialmente, desenvolve ferramentas para que nosso
financiamento seja proporcionado pelos próprios leitores. Desde que
começou a fazer isso, há dois meses, não está autorizado nem a enviar os
media kits (com dados de audiência, etc) a empresas públicas ou
governos federal, estaduais ou municipais. Esperamos que a grande mídia
siga nosso exemplo.
[Pausa para gargalhar]
Não sei o que moveu o PSDB. Provavelmente, pela escolha dos alvos,
José Serra. Tenho comigo que algum mago, daqueles que cobram fortunas
para fazer campanha, tenha concluído que existe uma relação entre a
altíssima taxa de rejeição de Serra e a blogosfera/mídias sociais.
Não sei se o diagnóstico está certo ou errado, mas a cura é duvidosa.
Parte do pressuposto de que blogueiros sejam capazes de mover legiões
de internautas. A crença nisso é uma farsa, muitas vezes alimentada por
quem está chegando agora ou está “investido” na blogosfera. Quem lida
com os internautas no dia a dia e respeita a diversidade de opiniões
descobre que este é um meio horizontal. Não é estruturado
hierarquicamente. Não obedece a comandos. O valor das opiniões não está
na autoridade, nem no currículo, nem no status do autor: deriva da
qualidade, da lógica, da originalidade da argumentação. Deriva da
capacidade de apontar algo que outros não notaram. De desvendar conexões
encobertas. De colocar fatos em perspectiva histórica. De ajudar a
concatenar e, portanto, fixar ideias que circulavam desconexas no
“inconsciente coletivo digital”. Simplificando, quando a piada é boa
ganha o mundo.
Aquela foto de Serra sobre o skate, na capa da Folha,
pode ter sido feita num momento autêntico de descontração, mas
cristalizou a imagem de um candidato tentando parecer o que não é:
jovem. Se dezenas de milhares de pessoas perceberam isso ao mesmo tempo e
puderam conversar sobre isso nas redes sociais — o que não poderiam ter
feito no passado, quando dependiam de passar pelo crivo de um repórter,
de um editor e do dono de um grande jornal e de escrever carta para a
coluna do leitor – é culpa dos blogueiros?
Acreditar que dois blogueiros — ou duas dúzias — sejam capazes de
mover a rede é subestimar a inteligência dos internautas. Ou alguém
acredita que tem um comunista escondido embaixo de cada Curtir? Com
ferramentas razoavelmente simples como o twitter e o Facebook, hoje cada
leitor pode exercer como nunca seu direito de escolha, de interagir e
de se fazer ouvir. É natural que quem vive no mundo das hierarquias
rígidas estranhe, se sinta intimidado ou frustrado. O que está em curso
nas redes sociais é o equivalente a uma segunda revolução do controle
remoto.
Portanto, não estamos diante de uma tentativa do PSDB de defender as
instituições ou de zelar pelo dinheiro público. Pode ser uma resposta
exagerada ou míope diante de um fenômeno que o partido não consegue
entender ou pretendia replicar e não consegue. Quem sabe exista um
desejo subjacente de controle, de um ‘choque de ordem’ que preceda a
privatização da crítica e do conhecimento intelectual, colocando ambos
dentro de parâmetros aceitáveis pelo mercado (sobre isso, escreveu Slavoj Zizek). Ou é tentativa de intimidação, pura e simples.
Fonte: Blog Viomundo
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