De curiar sobre assuntos
sociais, ora tentaremos compartilhar com o leitor nessas poucas linhas, algumas opiniões
sobre um problema literalmente candente, a violência urbana praticada pelos delinquentes.
Basicamente contamos três pontos de vista sobre a questão, há meu ver,
pertinentes mais limitados.O primeiro, que denominaremos de anômico,atribui à falta de leis penais rigorosas a dificuldade de
combate à criminalidade, encorajando-a.Ao invés da intimidação ao “bandido” com
punições duras, é beneficiado com a impunidade. Exemplo, os defensores da
redução da maioridade penal, da pena de morte etc.. O segundo, que chamaremos
de repressivo, considera que a precariedade
da estrutura policial e sua deficiente “inteligência” são
responsáveis pela não captura dos “bandidos” e pelo descumprimento de uns 80%
de mandados de prisão,gerando uma sensação de impunidade estimulante ao crime.
Defende o reforço do aparato coercitivo do Estado no combate tenaz à
“bandidagem”. As UPPs do Rio de Janeiro podem ser consideradas o melhor exemplo.
O terceiro costuma-se considerar leniente.
Vê na miséria a causa fundamental da criminalidade e sua solução na garantia de
condições básicas de vida em promoção aos direitos humanos. Sofre contestação
dos próprios índices sociais nos últimos anos, com a emancipação de milhões de
brasileiros da condição mísera.
Ora, basta analisar a quase a totalidade da população
carcerária brasileira composta de pobres, analfabetos, negros etc., para concluir
que o juízo da anomia só se aplica aos ricos e poderosos cujos crimes mais
graves vitimizam aos milhões e, mesmo pelos mais comuns,dificilmente são presos.Para
a visão repressiva cabe o exemplo dos EUA(os quais em pouquíssimas matérias temos
como referência positiva). Aquele país retém três vezes a população de São Luis nos
presídios, uns três milhões. Lá a polícia prende, sem dúvida, no entanto, mais
outro milhão de crime violento não é elucidado a cada ano. Ademais, em São
Paulo, entre 1994 e 2013, o número de presos aumentou 247%, enquanto sua
população 30%. Nem por isso aquele país e esse estado são os paraísos terrenos.
Quanto ao terceiro ponto de vista, ao defender saídas reformistas e
conciliatórias para um problema estrutural, em última instância acaba sendo
leniente é com os verdadeiros responsáveis pelo problema e não com os vitimados.
A questão é mais profunda e complexa.
O nosso ilustre positivista Rui Barbosa já avançara bem
antes.Na virada do século XIX para o XX,quando em debate sobre a aprovação ou
não da pena de morte no Brasil, sustentou que em um país onde não se garante o
direito à vida não se tem o direito de adotar a pena de morte, revelando a sua
convicção no princípio universal do regime republicano: o bem coletivo. Advogava o
desenvolvimento como seu pressupondo. Rui Barbosa executou um projeto de
modernização urbano industrial quando ministro da fazenda de Deodoro da Fonseca,
entre 1889 e 1891, figurando como precursor do nacional desenvolvimentismo no
país. Depois concorreu a umas cinco eleições para presidente do Brasil sem
lograr êxito, mas sua grande derrota não se deu em vida.
Ocorre que de lá para cá houve desenvolvimento, tanto
que hoje somos umas das maiores e modernas economias industriais mundiais. Contudo,
sem justiça social, provando que o crescimento econômico não garante
automaticamente o bem coletivo. É que a história republicana do Brasil é
antidemocrática refletida no plano social, engendrando a contradição de um país
dos mais ricos com a maioria da população pobre. A desigualdade é um aspecto inerente
ao capitalismo e que no Brasil foi potencializado, potencializando seus
problemas sociais, dentre eles a delinquência e sua revolta.Verdadeiras feridas
vivas e profundas em nosso tecido social. Apesar dos enormes esforços de cura a
partir de Lula e com Dilma, pesquisas apontam que um quarto da pobreza no país
resulta de fatores como local de nascimento, má herança escolar, raça e etnia. Enquanto isso 20% da população concentra uns 50% da sua renda. Estimam que em
2022 o número de bilionários do Brasil aumentará 157%. Políticas governamentais
visando maior equidade e estabilidade sociais como a transferência de renda, e
geradoras de empregos com o aumento dos investimentos públicos são solapadas
por um modelo tributário perverso que sangra o consumidor e favorece a fortuna
e o patrimônio.
O Maranhão é o Brasil antidemocrático, injusto, desigual,
com enorme potencial econômico ao paroxismo. São quase cinquenta anos de
república oligárquica Sarneysta baseada na adaptação do patrimonialismo
luso-imperial do Antigo Regime. A exemplo da saúde pública, que de tão
“patrimonializada” quebrou o sistema privado no estado. Mesmo assim somos o pior
em número de médicos por mil habitantes, 0,58%. Menos de um terço da já pequena
média nacional, 1,8. Recentemente foram divulgados os índices do saneamento
básico de São Luis (água encanada, coleta de esgoto e lixo), infelizmente não
dispomos dos dados, mas certamente são vexatórios pois provocaram até
pronunciamentos indignados de vereadores na câmara municipal. Se a capital está
desse jeito imagine os demais municípios. Na última classificação das escolas
públicas que dispomos, com base no resultado do ENEM 2011, depois de cinco
federais figura o Liceu Maranhense, de São Luis, na posição 3553. Isto mesmo! Na
parte da “segurança”, desde uma carnificina com degolas pelos reclusos do
interior do estado em Pedrinhas, já não lembro o ano, ficou o governo de
construir um presídio regional na baixada, que não saiu do projeto, e outro em
Imperatriz, inacabado.
O mais grave é que, principalmente fruto de incentivo do
governo federal, o Maranhão foi o estado nordestino que mais cresceu o PIB de
2002 a 2010,ao total de 56%, em média anual de 5,7%. Isto mesmo! Contra 4,5%do
Nordeste, e 4% do Brasil. Mas, apesar desse crescimento todo ainda é o pior
estado nordestino em renda per capita-PIB em milhares de reais. Mesmo assim, se
o PIB maranhense fosse distribuído igualmente à sua população cada um receberia
6.900 reais. Um sergipano embolsaria R$ 11,6.
Esta é uma mostra, mínima, das raízes da delinquência e
sua violência, no Brasil e no Maranhão: o desprezo à democracia, a injustiça
social e a desigualdade.Creio que ajudam a explicar a existência da nossa
reserva dos “25%”(deve ser mais), de pobres que, combinadas aos fatores acima
apontados como local de nascimento, má herança escolar, raça e etnia, produzem o
grosso da população delinquente e carcerária maranhense. População essa
dramaticamente composta em sua maioria de crianças e jovens, aos quais não tem
sido dado o direito de escolher outro caminho senão o do tráfico, do roubo, do
homicídio e a cometer outras atrocidades, e que há muito formam seus “bondes” e
seus “comandos” hoje a se enfrentarem e se matarem, sem terem tido o direito à
vida. Rui Barbosa ganhou a batalha contra a aprovação da lei da pena de morte,
mas perdeu a guerra para os carrascos.
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