quinta-feira, 16 de junho de 2011

Novo Código Florestal: o que querem os santuaristas?


Por Eron Bezerra* no Vermelho:
A presidenta Dilma Rousseff acaba de prorrogar a validade do decreto presidencial que definia prazo para regularização de produtores que eventualmente tivessem passivo ambiental. Determina a norma legal: “os embargos impostos em decorrência da ocupação irregular de áreas de reserva legal não averbadas e cuja vegetação nativa tenha sido suprimida até 21 de dezembro de 2007, serão suspensos até 11 de dezembro de 2011, mediante o protocolo pelo interessado de pedido de regularização da reserva legal junto ao órgão ambiental competente”.
Essa regra não foi criada pelo novo código florestal. Está nos decretos presidenciais (6.514; 6.695; 7.029 e 7.497) editados e reeditados a partir de 2008, inicialmente para ser cumprido até 11.12.2009. Posteriormente seu prazo foi dilatado para 11.06.2011 e agora, no dia 09 de junho, a presidenta estendeu o prazo até 11 de dezembro de 2011. Esse prazo não é para recuperar o passivo ambiental. É para dizer aos órgãos ambientais que está disposto a recompor seu eventual passivo ambiental, o que é feito mediante adesão ao CAR – Cadastro Ambiental Rural.
Mas essa não era exatamente a crítica mais feroz que os santuaristas atribuíam ao relatório Aldo Rebelo? Não restam dúvidas quanto ao caráter ideológico e não técnico do debate.
Enquanto santuaristas e imperialistas – a União Europeia já se manifestou formalmente – pressionam o governo brasileiro e o Congresso Nacional para não aprovarem o novo código florestal, poucos são os que se voltam para analisar como de fato vivem e trabalham a nossa população de trabalhadores e trabalhadoras rurais, especialmente os que tentam sobreviver na Amazônia sob a mais rigorosa e conflituosa legislação ambiental do planeta. Essa saga não tem sido tarefa fácil. É de nosso dever lutar para que não se torne ainda mais difícil.
A carta de Pero Vaz de Caminha quando de sua chegada ao Brasil revela seu espanto diante do povo que encontrou: simples, orgulhoso de sua história, de seu modo de vida e bastante saudável. O retrato que lhes faz o escrivão oficial da armada de Pedro Alvares Cabral não deixa dúvidas quanto a isso ao assim descreve-los:

“Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos” (Pero Vaz de Caminha).
Retrato semelhante é feito por Frei Gaspar de Carvajal, desta feita do povo da Amazônia, no seu famoso “relatório do novo descobrimento do famoso rio grande descoberto pelo capitão Francisco Orellana”, ainda em 1539. A exuberância da região e a bravura de seu povo impactaram de tal maneira os membros da expedição Orellana, que eles batizaram o novo rio com o nome de Amazonas, em homenagens às mulheres guerreiras que lhe ofereciam combate sem tréguas.
Com o passar dos tempos, todavia, essa situação foi se degradando. Na ausência do Estado e suas políticas públicas, aventureiros no pior sentido que a língua portuguesa pode expressar passaram a ocupar a região de acordo com as suas conveniências e ou de seus protetores estrangeiros, que nunca abandonaram o propósito de se apoderarem da Amazônia.
Assim, por volta de 1762, o bispo do Grão-Pará, Fr. João de S. José, resenhou os homens e as coisas da região concluindo que “a raiz dos vícios da terra é a preguiça” e a característica principal de seus habitantes é a “lascívia, bebedeira e furto”. Ideia da qual compartilhava Russel Wallace para quem aquela sociedade indisciplinada continuava “bebendo, jogando e mentindo”.
Mas, antes do bispo do Grão-Pará e do naturalista Alfred Russel o padre João Daniel já tinha se impactado com a Amazônia e a sua gente ao percorrê-la entre 1741 a 1757. Na sua obra Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas, considerada uma das fontes mais importante de informação sobre a região no período colonial, ele registra com espanto um dos hábitos mais comum dos índios: “caçar, engordar e comer outros humanos”.
Um século e meio depois é o próprio Euclides da Cunha, na sua majestosa obra “À margem da história” que vai se espantar com o que ali encontra: “a impressão dominante que tive, e talvez correspondente a uma verdade positiva, é esta: o homem, ali, é ainda um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado nem querido – quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E encontrou uma opulenta desordem... tudo está em construção”. Desenha um trágico retrato do seringueiro, concluindo que ele “é o homem que trabalha para escravizar-se”, pois dificilmente consegue pagar as despesas impostas pelo patrão e, portanto, está proibido de deixar o seringal. E prossegue: a exploração da seringa impõe o isolamento. Dostoievski sombrearia às suas páginas mais lúgubres com esta tortura: a do homem constrangido a calcar durante a vida inteira a mesma estrada, de que ele é o único transeunte, trilha obscurecida, estreitíssima e circulante, que o leva, intermitentemente e desesperadamente, ao mesmo ponto de partida.
Quem são estas pessoas? Segundo Euclides da Cunha o seringueiro é, obrigatoriamente, profissionalmente, um solitário, composto por “levas e levas de flagelados pela seca que eram mandados para a Amazônia para desaparecerem. E não desapareceram”.
Cem anos depois de Euclides da Cunha e 250 anos após o Padre Joao Daniel o retrato desenhado pela professora e pesquisadora da UFAM, Terezinha Fraxe, é igualmente trágico. Na sua obra “Homens anfíbios: etnografia de um campesinato das águas” ela conclui que o ribeirinho, o caboclo da Amazônia é o homem que trabalha para sobreviver.
Creio não restar dúvidas da importância do estado se fazer presente na Amazônia, a começar pela definição de regras claras e aplicáveis que possibilite a recuperação econômica dessa vasta região, até então vivendo de projetos pontuais e, geralmente, sem base na nossa realidade.
Nesse sentido a aprovação do novo código florestal pode ser um importante instrumento para por fim a desordem legal que impera e estabelecer as bases reais para um desenvolvimento com base na nossa realidade.

Corrente ideológica com forte atuação na questão ambiental. É contra o desenvolvimento de atividades econômicas na Amazônia. Defende o bloqueio da região em grandes áreas de preservação, com o objetivo de assegurar estoque de recursos ambientais estratégicos aos países imperialistas. São neomalthusianos.
Alfred Russel Wallace nasceu e morreu na Inglaterra (1823-1913). Trabalhou, inicialmente, como topógrafo e arquiteto. Por volta de 1840 começou a interessar-se por botânica. Em 1848, iniciou viagem pelo Amazonas, ali permanecendo até 1850.

* Secretário de Produção Rural do Amazonas, Membro do CC do PCdoB, Secretário Nacional da Questão Amazônica e Indígena e doutorando em "Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia".

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