quinta-feira, 23 de junho de 2011

"Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem."


Por Marcelo Semer*
A frase era uma das várias que preenchiam cartazes da Marcha da Liberdade, sábado último na avenida Paulista, passeata que se repetiu em várias outras cidades do país.
Muito além da maconha, que detonou o processo de discussão do direito às manifestações, as ruas estão se tornando palcos de marchas de muitas liberdades.
Estavam lá, é verdade, os que defendiam a plenos pulmões, a legalização da droga, debate de que dificilmente conseguiremos escapar nos próximos meses.
Mas não estavam sós.
Juntaram-se ciclistas indignados com o crescimento das mortes no trânsito, nas cidades que não lhes dão espaço.
E também feministas, indignadas com a ideia de que as vítimas sejam instigadoras de estupros -propagadas até por um bispo.
Defensores dos direitos de homossexuais clamavam pela incorporação da homofobia em um direito penal que prima pela tutela da propriedade e se dedica em grande medida à criminalização da pobreza.
Estudantes pulavam pelo passe livre e contra os abusivos preços das tarifas de ônibus.
Se havia alguma coisa em comum entre aqueles que pediam democracia direta, 10% do PIB para a educação ou a rejeição do Código Florestal, era justamente o direito de estar na rua para defender um direito.
A decisão do STF sobre a Marcha da Maconha resgatou a importância do direito à manifestação -que a Constituição previu sem qualquer autorização da polícia ou dos tribunais. Os ministros cumpriram, enfim, o papel que compete aos juízes em um estado democrático de direito: garantir o exercício das liberdades.
Por que risco à ordem pública, é bom dizer, pratica justamente quem mutila direitos fundamentais.
Mas há mais, muito mais, do que apenas o direito à manifestação surgindo nas ruas. Há todo um continente de frustrações que se somam a alta conectividade proporcionada pelas redes sociais e a fragilidade das representações partidárias.
De repente, um número elevadíssimo de pessoas se encontra em conexão, sem a necessidade de líderes que os convoquem. Encontros marcados por estopins de espontaneidade. Manifestações que se agregam sem carros de som ou palavras de ordem -e muitas vezes com uma pauta de reinvindicações que se cria justamente com o encontro.
Os indignados contra os indignos, sentencia o escritor Eduardo Galeano; revoluções contra as vanguardas, opina o ativista Raul Zibechi.
Ainda não se sabe ao certo aonde esses movimentos irão desaguar.
Na Espanha, o 15-M levou milhares de pessoas a tomarem praças das principais cidades às vésperas da eleição -apuradas as urnas, todavia, sobreveio uma derrota impactante da esquerda.
No Egito, um ditador de mais três décadas foi derrubado, antes mesmo que se encontrasse um líder para substitui-lo.
Na Islândia, Twitter e Facebook viararam mecanismos de participação para a redação da nova Constituição. Na perspectiva das vantagens da democracia real (sem o intermédio dos partidos), o país já decidiu por plebiscito vetar o uso de dinheiro público para resgate da dívida de bancos falidos.
Mesmo que, como dizem os saudosistas, revoluções não sejam tuitadas, não convém menosprezar o poder das redes e sua importância na construção de espaços de democracia direta.
As redes sociais descortinaram, ainda, outra grata revelação por aqui: a comunidade de blogueiros progressistas. Críticos e articulados, questionam especialmente a excessiva concentração da mídia brasileira e o esquálido pluralismo da imprensa, que decorre desse quadro.
Da conclusão de seu segundo encontro nacional, também neste final de semana, aprovaram-se medidas exigindo a imediata criação do Plano Nacional de Banda Larga, indispensável para a inclusão digital, além de instrumentos capazes de tornar efetiva a democratização dos meios de comunicação e evitar a censura na web.
O blogueiro é, em si mesmo, um meio de comunicação, tal como o cidadão que, segurando seu cartaz, expõe as vísceras da liberdade na avenida -ou como disse o ex-presidente Lula no mesmo evento: uma imprensa sem intermediários.
No encontro dessas duas grandes vertentes de contestação e reinvenção da democracia que as redes sociais estimulam, outro slogan empunhado sábado na Paulista:
“Se você odeia a mídia, seja a mídia”.
Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de “Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho” (LTr) e autor de “Crime Impossível” (Malheiros) e do romance “Certas Canções” (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Ju

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