domingo, 4 de dezembro de 2011

Crônica: A certeza que sobrou


*José Pedro Goulart, de Porto Alegre

Não sei direito para que serve uma opinião. Digo, qualquer opinião. E o pior é que com a internet andam a atirar opiniões em tudo quanto é canto. Sujeito quando diz que tem uma opinião, na verdade, tem é certeza. Quanto vale uma certeza? Em casos graves a opinião dos outros ofende, e nem é preciso entrarmos na religião, no futebol e na política. Agora , o seguinte, todo mundo gosta de dar opinião, meter o bedelho, provar uma tese, consertar o mundo, resolver o enigma do universo, devolver amores perdidos com conselhos.

Ok, pelo menos a opinião serve para vender chope. O que seria dos bares, botecos, se não houvesse troca de opiniões, debate? Por exemplo, vou dar agora uma opinião típica de mesa de bar. Acho que o fim do mundo (ano que vem acaba) começou com a invenção do GPS, esse aparelhinho que impede que nos percamos em qualquer lugar do planeta. Imagine Cabral ou Colombo com GPS - qual a graça do descobrimento? Quem nunca está perdido não encontra nada. Vale o mesmo para guias de viagem, cotação de estrelinha para restaurante, hotel: menos risco, menos surpresa, menos ilusão, menos alegria.

Noite dessas eu estava com três amigos, o David, o Ivan, o Rodrigo num bar aqui da cidade discutindo este tipo de assunto - uns mais, outros menos, mas o fato é que naquele momento qualquer um de nós organizava as coisas muito melhor do elas saiam, digo, no mundo. Depois sentou-se o Eduardo, com ele mais um chope e a conversa continuou líquida. A mesa era na rua, na calçada. Então apareceu um mendigo. Ele tinha uma bituca de cigarro na mão e sem se importar em atrapalhar a conversação pediu fogo. 

Foi-lhe entregue o isqueiro, ele usou, pareceu que ia falar alguma coisa, talvez pudesse berrar alguma opinião também; algo sobre o fato de haver mesas com gente bebendo chope gelado enquanto há mendigos tendo que catar bituca de cigarro. Ou se o Celso Roth devia ficar no Grêmio, se a Zona do Euro está a perigo, se a Copa fará bem ao país, se a TPM existe, se Deus existe, se Melancholia do Lars Von Trier é um filme presunçoso, o último Almodóvar violento, ou se mulheres sentadas em bares em grupos de três são mais acessíveis.

Mas não foi isso que ele fez. O que ele fez foi o seguinte: jogou uma nota de dois reais sobre a mesa, pagando por ter tido seu cigarro aceso e se mandou, murmurando algo incompreensível. 

A surpresa produziu bocas abertas, lambuzadas com alguma espuma de chope. Sobre a mesa, aquela nota amassada, pousada à vista de todos desafiava nosso GPS e talvez exigisse alguma tese. Nesses momentos, porém, a lógica contrariada provoca instantes sem qualquer opinião. Falta de opinião, aliás, substituída por sorrisos amarelos. Pelo menos sobrou uma certeza: quem nunca está perdido não encontra nada.

*José Pedro Goulart é cineasta e jornalista.



Fotos Ilustrativas postadas pelo blog


Fonte: Terra magazine

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