1- as cotas ferem o princípio da igualdade, tal como definido no artigo 5º da Constituição, pelo qual “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. São, portanto, inconstitucionais.
Na
visão, entre outros juristas, dos ministros do STF, Marco Aurélio de
Mello, Antonio Bandeira de Mello e Joaquim Barbosa Gomes, o princípio
constitucional da igualdade, contido no art. 5º, refere-se a igualdade
formal de todos os cidadãos perante a lei. A igualdade de fato é tão
somente um alvo a ser atingido, devendo ser promovida, garantindo a
igualdade de oportunidades como manda o art. 3º da mesma Constituição
Federal. As políticas públicas de afirmação de direitos são, portanto,
constitucionais e absolutamente necessárias.
2- as cotas subvertem o princípio do mérito acadêmico, único requisito que deve ser contemplado para o acesso à universidade.
Vivemos
numa das sociedades mais injustas do planeta, onde o “mérito acadêmico”
é apresentado como o resultado de avaliações objetivas e não
contaminadas pela profunda desigualdade social existente. O vestibular
está longe de ser uma prova equânime que classifica os alunos segundo
sua inteligência. As oportunidades sociais ampliam e multiplicam as
oportunidades educacionais.
3- as cotas constituem uma medida inócua, porque o verdadeiro problema é a péssima qualidade do ensino público no país.
É
um grande erro pensar que, no campo das políticas públicas
democráticas, os avanços se produzem por etapas seqüenciais: primeiro
melhora a educação básica e depois se democratiza a universidade. Ambos
os desafios são urgentes e precisam ser assumidos enfaticamente de forma
simultânea.
4- as cotas baixam o nível acadêmico das nossas universidades.
Diversos
estudos mostram que, nas universidades onde as cotas foram
implementadas, não houve perda da qualidade do ensino. Universidades que
adotaram cotas (como a Uneb, Unb, UFBA e UERJ) demonstraram que o
desempenho acadêmico entre cotistas e não cotistas é o mesmo, não
havendo diferenças consideráveis. Por outro lado, como também evidenciam
numerosas pesquisas, o estímulo e a motivação são fundamentais para o
bom desempenho acadêmico.
Vale a pena rever entrevista com Douglas Belchior no vídeo:
5- a sociedade brasileira é contra as cotas.
Diversas
pesquisas de opinião mostram que houve um progressivo e contundente
reconhecimento da importância das cotas na sociedade brasileira. Mais da
metade dos reitores e reitoras das universidades federais, segundo
ANDIFES, já é favorável às cotas. Pesquisas realizadas pelo Programa
Políticas da Cor, na ANPED e na ANPOCS, duas das mais importantes
associações científicas do Brasil, bem como em diversas universidades
públicas, mostram o apoio da comunidade acadêmica às cotas, inclusive
entre os professores dos cursos denominados “mais competitivos”
(medicina, direito, engenharia etc). Alguns meios de comunicação e
alguns jornalistas têm fustigado as políticas afirmativas e,
particularmente, as cotas. Mas isso não significa, obviamente, que a
sociedade brasileira as rejeita.
6-
as cotas não podem incluir critérios raciais ou étnicos devido ao alto
grau de miscigenação da sociedade brasileira, que impossibilita
distinguir quem é negro ou branco no país.
Somos,
sem dúvida nenhuma, uma sociedade mestiça, mas o valor dessa mestiçagem
é meramente retórico no Brasil. Na cotidianidade, as pessoas são
discriminadas pela sua cor, sua etnia, sua origem, seu sotaque, seu sexo
e sua opção sexual. Quando se trata de fazer uma política pública de
afirmação de direitos, nossa cor magicamente se desmancha. Mas, quando
pretendemos obter um emprego, uma vaga na universidade ou, simplesmente,
não ser constrangidos por arbitrariedades de todo tipo, nossa cor
torna-se um fator crucial para a vantagem de alguns e desvantagens de
outros. A população negra é discriminada porque grande parte dela é
pobre, mas também pela cor da sua pele. No Brasil, quase a metade da
população é negra. E grande parte dela é pobre, discriminada e excluída.
Isto não é uma mera coincidência.
7- as cotas vão favorecer aos negros e discriminar ainda mais aos brancos pobres.
Esta
é, quiçá, uma das mais perversas falácias contra as cotas. O projeto
atualmente tramitando na Câmara dos Deputados, PL 73/99, já aprovado na
Comissão de Constituição e Justiça, favorece os alunos e alunas oriundos
das escolas públicas, colocando como requisito uma representatividade
racial e étnica equivalente à existente na região onde está situada cada
universidade. Trata-se de uma criativa proposta onde se combinam os
critérios sociais, raciais e étnicos. É curioso que setores que nunca
defenderam o interesse dos setores populares ataquem as cotas porque
agora, segundo dizem, os pobres perderão oportunidades que nunca lhes
foram oferecidas. O projeto de Lei 73/99 é um avanço fundamental na
construção da justiça social no país e na luta contra a discriminação
social, racial e étnica.
8- as cotas vão fazer da nossa, uma sociedade racista.
O
Brasil esta longe de ser uma democracia racial. No mercado de trabalho,
na política, na educação, em todos os âmbitos, os/as negros/as têm
menos oportunidades e possibilidades que a população branca. O racismo
no Brasil está imbricado nas instituições públicas e privadas. E age de
forma silenciosa. As cotas não criam o racismo. Ele já existe. As cotas
ajudam a colocar em debate sua perversa presença, funcionando como uma
efetiva medida anti-racista.
9- as cotas são inúteis porque o problema não é o acesso, senão a permanência.
Cotas
e estratégias efetivas de permanência fazem parte de uma mesma política
pública. Não se trata de fazer uma ou outra, senão ambas. As cotas não
solucionam todos os problemas da universidade, são apenas uma ferramenta
eficaz na democratização das oportunidades de acesso ao ensino superior
para um amplo setor da sociedade excluído historicamente do mesmo. É
evidente que as cotas, sem uma política de permanência, correm sérios
riscos de não atingir sua meta democrática.
10-
as cotas são prejudiciais para os próprios negros, já que os
estigmatizam como sendo incompetentes e não merecedores do lugar que
ocupam nas universidades.
Argumentações
deste tipo não são freqüentes entre a população negra e, menos ainda,
entre os alunos e alunas cotistas. As cotas são consideradas por eles,
como uma vitória democrática, não como uma derrota na sua auto-estima,
ser cotista é hoje um orgulho para estes alunos e alunas. Porque, nessa
condição, há um passado de lutas, de sofrimento, de derrotas e, também,
de conquistas. Há um compromisso assumido. Há um direito realizado.
Hoje, como no passado, os grupos excluídos e discriminados se sentem
mais e não menos reconhecidos socialmente quando seus direitos são
afirmados, quando a lei cria condições efetivas para lutar contra as
diversas formas de segregação. A multiplicação, nas nossas
universidades, de alunos e alunas pobres, de jovens negros e negras, de
filhos e filhas das mais diversas comunidades indígenas é um orgulho
para todos eles.
Fonte: Eu, mulher negra, Resisto
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