As palavras têm poder. Muitas vezes não paramos para pensar o quanto
elas podem refletir a sociedade na qual vivemos. Somente quando lidamos
com uma linguagem sexista percebemos isso, porque, uma vez associada
intrinsecamente à nossa cultura, a linguagem representa a forte
influência do patriarcado.
Na quinta, 21 de junho, foi dia da Campanha por uma Educação não Discriminatória.
Organizada desde 1991, pela REDEM (Rede Latino-americana de Educação
Popular entre Mulheres), a Campanha passou a ter esse nome somente em
1998, antes tinha a denominação de “educação não-sexista”. Porém,
percebeu-se a necessidade de abranger o conceito de educação, porque a
mulher sofre diversos graus de discriminação de gênero quando observadas
sua classe social, idade, etnia, raça, sexualidade, etc.
Muitos ainda defendem a tese de que a nossa linguagem não é sexista,
algo que possui não só um argumento fraco como improvável. Basta
fazermos a simples análise: Por que o masculino deve sobrepor o
feminino? Por que “alunos” está correto quando nos referimos a uma sala
de aula com 10 meninas e 4 meninos? Se não há sexismo, por que então o
feminino não pode abranger também o masculino?
A resposta pode ser encontrada na própria construção histórica, onde o
homem sempre aparece enquanto sujeito realizador de grandes feitos. As
mulheres foram colocadas em segundo plano, trancafiadas no ambiente
doméstico e mesmo aquelas que não se contentaram com o papel social
imposto, foram esquecidas ou tiveram pouca visibilidade na história.
Falamos de Revolução Francesa, mas raramente de Olympe de Gouges. Conhecemos Olga e Zuzu Angel por causa dos filmes lançados recentemente. Patricia Galvão, a Pagu,
geralmente é vista somente como a esposa de Oswald de Andrade. Isso sem
falar das duas grandes guerras mundiais, onde as mulheres desempenharam
o papel que era ocupado somente pelos homens nas indústrias e nos
demais setores da sociedade, mas não são citadas nos livros de História.
Na História do mundo as mulheres parecem não ter participado, mas isso
não é verdade, sabemos que elas sempre estiveram lá, mas as palavras as
esqueceram.
Quando digo que as palavras tem poder, me refiro a essa
invisibilidade. A sermos educad@s a associar essa sobreposição à ordem
natural das coisas – ou naturalizada, melhor dizendo. Acostumarmos,
inconscientemente, com a idéia de que o homem construiu a história, de
que alunos abrange alunas, que usar ‘presidenta’ não causa impacto e que
‘presidente’ serve para os dois, sendo até mais agradável de ouvir e
falar – como alguns afirmam. Penso: presidenta soa estranho ou uma
mulher no poder é que soa?
Segundo Mikhail Bakhtin,
temos a “influência da cultura sobre a linguagem, com a ação da
linguagem sobre o desenvolvimento da cultura”. O que é de certa forma
preocupante, porque caso não venhamos a nos empoderar das palavras este
ciclo pode nunca ser quebrado, pois é através delas que pensamos.
Educamos as crianças através dessa linguagem carregada de machismo, e o
pior, não percebemos.
Essa “regra geral” gramatical, de que o plural é masculino, contém
mais uma característica que considero perigosa. É uma regra que
pressupõe sermos todos iguais, mas não somos e sabemos disso. Mulheres
ganham menos que os homens. Somos, em maior número, vítimas de violência
doméstica. Convivemos com jornadas duplas e triplas, além da divisão
sexual do trabalho. Porque, os filhos, literalmente, são da mãe!
Podemos dizer que a evolução histórica dos direitos da mulher tem
sido lenta. Ainda não temos direito ao nosso corpo, não temos o devido
espaço na política brasileira e quando atingimos patamares antes
impensáveis, somos discriminadas. Seja pela posição que ocupamos, por nossa raça ou sexualidade.
Recentemente, foi a provada a Lei 12.605/2012, que determina a flexão de gênero nos diplomas universitários
e podemos considerar isso um avanço, na Linguagem e na História das
Mulheres no Brasil. Porém, ainda há muito o que se lutar, principalmente
no tocante à discriminação e violência contida no significado das
palavras.
A Cia Kiwi de Teatro, com a peça Carne – Patriarcado e Capitalismo,
faz uma análise fantástica sobre a violência de gênero, mostrando,
inclusive que a flexão de gênero de determinadas palavras nem sempre
conota a mesma coisa, muito pelo contrário:
“Homem Público: homem que ocupa um papel social importante; Mulher Pública: Puta!
Vadio: que não faz nada; Vadia: Puta!
Atirado: Disponível, impetuoso; Atirada: Puta!
Atrevido: Ousado; Atrevida: Puta
Um qualquer: fulano, beltrano; Uma qualquer: Puta!”
Na quinta, em todo o mundo, as mais diversas formas de expressão da
linguagem como: centenas de milhares de textos, poemas, letras de
canções, desenhos, peças de teatro, concursos, programas de rádio e TV,
publicações, seminários, etc.; foram divulgadas como uma forma de
mostrar que homens e mulheres devem ser iguais em direitos. Esta é minha
contribuição para a Campanha. Espero que a sua seja mudar a história
através da linguagem, porque não podemos silenciar diante da opressão.
Reprodução com atualização: Blogueiras Feministas
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