O jornalismo investigativo é uma vertente em franca expansão no país.
Aparentemente otimista, a afirmação pode encontrar eco na respeitável
quantidade de reportagens a que o público vem tendo acesso nas últimas
duas décadas. O jornalismo investigativo prospera à medida que a
democracia se fortalece e faz emergir escândalos, esquemas e facínoras.
Mas aumenta o otimismo em torno desse tipo de jornalismo também quando
se percebe o crescimento do interesse pelo tema, seja na forma de
lançamentos editoriais ou na realização de eventos que o discutam. A
criação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) há
dez anos ilustra isso com muita evidência. Numa escala menor, a
realização do 2º Seminário Brasil-Argentina de Pesquisa e Investigação em Jornalismo (Bapijor), nos dias 17 e 18 de abril, em Florianópolis, também reforça a cena.
O evento reuniu jornalistas e acadêmicos dos dois países para debater
avanços na área, mas quero desatacar um punhado de aspectos que me
inclino a pensar como desafios. Se o jornalismo investigativo tivesse
uma agenda, penso que ela não poderia prescindir de enfrentar esses
cinco desafios, colhidos a partir das falas de alguns convidados do
Bapijor.
Terra sem lei
Num plano jurídico-institucional, duas condições são complicadoras do
trabalho de profissionais e veículos: a ausência de alguns marcos
regulatórios no setor da comunicação e a inexistência de sistemas
garantidores para a atuação dos jornalistas. O professor Guillermo
Mastrini, da Universidad Nacional de Quilmes, apresentou um levantamento
de como os governos progressistas da América Latina vêm construindo
formas de regulação da mídia em seus países. Na última década, Argentina
e Venezuela têm se destacado em termos de política de comunicação,
enquanto o Brasil demonstra pouca disposição para enfrentar o assunto.
Perduram a concentração dos meios nas mãos de poucos controladores, a
falta de transparência no sistema de concessões de radiodifusão, o vácuo
jurídico criado com o fim da lei de imprensa e a total inexistência de
uma lei geral de mídia eletrônica, entre outros impasses.
A diretora da Abraji, Luciana Kraemer, relatou que a Organização das
Nações Unidas criou em março passado um plano de segurança para
jornalistas, iniciativa que não contou com o voto da representação
brasileira. A jornalista lembrou ainda da existência de um Sistema
Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, que abarcaria também
violações à liberdade de expressão, dimensão diretamente ligada ao
trabalho jornalístico. Em terras brasileiras, a alternativa para
assegurar melhores condições seria a aprovação do Projeto de Lei nº
4575/2009, que prevê a crição de um programa de proteção dos defensores
dos direitos humanos. Em tramitação no Congresso Nacional, a iniciativa
já tem projetos semelhantes adotados em cinco estados: Bahia, Minas
Gerais, Espírito Santo, Pernambuco e Pará. Mas enquanto o anteprojeto
não é votado em plenário, o país fica sem oferecer um sistema nacional
que proteja jornalistas, principalmente em investigações de casos que
violem outros direitos humanos.
Empirismo e instinto
Em termos operacionais, outros três aspectos se colocam como desafios
para o jornalismo investigativo: jornalistas precisam se aliar a
profissionais da tecnologia; é necessário priorizar a sistematização de
métodos de investigação; a mídia deve voltar a mira para si mesma.
Especializada em jornalismo em bases de dados, a jornalista Sandra
Crucianelli é quase uma doutrinadora. Para ela, as condições atuais
exigem que jornalistas adotem seus próprios meios de verificação de
informação e se consorciem a programadores de sistema e especialistas em
informática. Os repórteres precisam voltar a estudar matemática,
disciplina de base para dar mais precisão e fidelidade aos relatos
jornalísticos. Devem aprender linguagens computacionais, dominar
ferramentas e aplicativos, aliar técnicas jornalísticas e tecnologia da
informação, enfatiza.
Ao mesmo tempo em que Crucianelli abre o leque das possibilidades,
acadêmicos e profissionais voltam seus olhares para o interior da
atividade jornalística: na maioria das vezes, falta método e sobra
intuição. A jornalista Daniela Arbex, uma das mais premiadas repórteres
da sua geração, reconhece que impera o empirismo e o binômio tentativa e
erro. Algumas técnicas de apuração são até compartilhadas, inclusive em
cursos oferecidos pelos colegas de profissão, mas elas se restringem a
um ou outro aspecto da investigação, completa o professor Samuel Lima,
que pesquisa o assunto. Presumo até que, em se tratando de jornalismo
investigativo, haja cuidados sobressalentes dos repórteres em dividir
modus operandi que foram lapidados ao longo de suas carreiras e que se
tornaram verdadeiros segredos da profissão. Preservar a técnica
contribuiria para impedir avanços nos métodos na medida em que não se
motiva sua discussão, nem se testa sua eficácia e alcance.
Do sigilo do repórter ao segredo das redações. Um último desafio para
o jornalismo investigativo é voltar-se para a própria atividade
profissional e levantar informações ocultadas para preservar situações
particulares em detrimento do interesse público. No Brasil, vigora um
acordo tácito que faz com que a mídia não cubra a mídia. Isto é, os
meios de comunicação simplesmente preferem ignorar temas que tratem da
política, economia, ecologia e cultura midiáticas, como se esses
assuntos fossem de interesse restrito e não de caráter social.
Evidentemente que a aplicação desses filtros alija o grande público de
informações que podem impactar no seu imaginário e no seu cotidiano
social. Se a mídia não cobre a mídia, que dirá investigá-la, questiona o
jornalista Leandro Fortes.
Em tempos de CPI do Cachoeira, quando não só baluartes da moralidade
são colocados na berlinda, mas a lama também parece atravessar a soleira
de algumas redações jornalísticas, a ideia de contarmos com jornalistas
investigando os negócios da própria mídia é muito atraente e oportuna.
Uma agenda para o jornalismo investigativo não poderia prescindir de uma
abordagem deste calibre sob pena de se esvaziar ética e moralmente.
Fonte: ObjETHOS
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