terça-feira, 26 de julho de 2011

Milhões de somalis e quenianos perto de morrer de fome


Miriam Gathigah - IPS da Carta Maior
Nairobi – Para escapar da seca que assola seu país, cada somali deve percorrer 80 quilômetros de deserto arenoso entre a fronteira e o acampamento de Dadaab no Norte do Quênia, suportando um calor de 50 graus. A travessia demora nove dias.

A viagem a Dadaab é traiçoeira, e fica ainda mais perigosa quando cruza territórios caóticos com bandoleiros armados e inclusive policiais que investem contra os refugiados. E quando os que sobrevivem à viagem finalmente chegam a Dadaab, dão-se conta de que o acampamento está longe de ser o refúgio que esperavam. Estima-se que em todo o Quênia há cinco milhões de pessoas que sofrem fome severa devido à seca, segundo Abbas Gullet, secretário-geral da Cruz Vermelha queniana.

No Norte do país, a comunidade de Turkana está tão desnutrida quanto os refugiados em Dadaab. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indicam que das quase 850 mil pessoas que vivem em Turkana mais de 385 mil crianças e 90 mil mulheres grávidas e em período de amamentação sofrem de desnutrição aguda. Isto aumentou para 78% a proporção de novas admissões de crianças desnutridas.

“Esta é uma situação muito séria. Em toda a região (o Corno de África) há mais de dez milhões de pessoas afetadas. Deste total, dois milhões de crianças estão severamente afetadas, metade delas sofre desnutrição aguda e muitos estão à beira da morte”, disse o diretor-executivo do Unicef, Anthony Lake. Isto ocorre menos de dois meses após o presidente do Quénia, Mwai Kibaki, declarar a seca como desastre nacional, já que as vidas dos habitantes de Moyale, Turkana, Wajir, Marsabi e Mandera estão por um fio devido à falta de comida e água.

“Quando estive em Turkana, uma das regiões mais afetadas pela seca, vi uma mãe umedecer os frutos de palmeira em pó na sua boca antes de colocar na boca do seu bebê, por falta de água. Isto é uma crise”, disse Lake em entrevista coletiva no dia 17, em Nairobi. O Ministério de Programas Especiais e a Cruz Vermelha do Quénia dão assistência alimentar aos mais afetados pela seca, mas, com a chegada de uma grande quantidade de refugiados, a população local diz que agora essa ajuda se destina a Dadaab.

“Estes são tempos difíceis tanto para os refugiados como para as comunidades que os recebem, que enfrentam penúrias semelhantes, e as coisas vão piorar porque continua sem chover”, disse Fatima Billow, trabalhadora social na localidade de Mandera, no Norte, perto de Dadaab. Os solicitantes de asilo, que no caminho para Dadaab sucumbem ao calor e à falta de água, são enterrados a curta distância do acampamento, num cemitério improvisado. O lugar serve para recordar aos vivos que, a menos que a situação melhore, eles também poderão morrer logo.

“Dadaab foi construído para receber no máximo 90 mil refugiados, mas agora são 423 mil, com 50 mil mais a construir acampamentos improvisados ao redor do complexo principal”, explicou uma fonte da Cruz Vermelha do Quênia. E isso não é tudo. “Há mais refugiados a caminho. Já estamos lotados, e os números continuam a crescer. Esta situação é uma emergência humanitária”, disse a enfermeira Nenna Arnold, da organização Médicos Sem Fronteiras. Como cada vez há mais pessoas a chegar aos três acampamentos que formam o complexo de Dadaab, a disponibilidade de serviços essenciais, como água, comida e saneamento básico fica inadequada para atendê-las.

Após uma viagem pelas áreas do Quênia devastadas pela seca, o secretário britânico de Estado para o Desenvolvimento Internacional, Andrew Mitchell, disse que milhões de pessoas correm o risco de morrer enquanto o Corno de África enfrenta a crise humanitária mais severa do mundo. A Unicef confirmou que um em cada três somalis sofre uma catástrofe humanitária. Os somalis suportaram uma crise socio-política durante cerca de 20 anos, o que só aumentou a pobreza, a insegurança alimentar e a instabilidade.

A situação na Somália propagou-se para os países vizinhos, particularmente para Quênia e Etiópia, onde também há milhões de pessoas que precisam de alimentos e água com urgência. Isto gerou animosidade nas comunidades anfitriãs, que sentem que os refugiados competem com elas pela escassa ajuda alimentar. “Agora, a comunidade anfitriã expressa frustração pelo que considera negligência, enquanto o governo e as agências de ajuda apressam-se a ir ao resgate dos refugiados”, disse Lake.

“Os moradores locais perguntam-nos por que se dá tanta atenção aos refugiados enquanto a nossa gente em Turkana, Wajir, Mandera, Marsabit e outras regiões sofrem o mesmo destino”, disse Mohammad Abdi, comerciante de gado que teve sérios prejuízos com a seca. “Compreendemos que os refugiados precisam de ajuda. Mas nós não estamos melhores. Sentimo-nos muito abandonados. Quem alimenta as visitas que chegam à sua casa enquanto os seus próprios filhos morrem de fome?”, perguntou Abdi.

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