A explanação mais sensata para esse estado de coisas remete aos fatos que são as causas fundamentais e reais desta situação social em nosso país: os mais de trezentos anos de escravidão a que foram submetidos os negros no Brasil e, também, o total desamparo a que foi relegada a população negra do Brasil após o fim da escravatura. Desde 1.888, o Estado brasileiro jamais praticou políticas públicas visando integrar os segmentos populacionais afro descendentes na sociedade nacional, alijando-os do acesso à educação, ao emprego formal, à moradia e aos outros serviços públicos básicos, essenciais para a formação de uma autêntica sociedade civil civilizada e de uma cidadania política consistente e atuante.
O resultado dessa ausência secular de ação pública e política em prol da população negra teve como conseqüências as mazelas sociais que tanto marcam nossa paisagem social: as favelas sem infra-estrutura urbana, desprovidas de saneamento básico, de escolas pública de qualidade, de hospitais decentes, de transporte adequado e mais um imenso rol de serviços públicos que faltam nessas localidades carentes, nas quais a violência campeia. A propósito, também os negros morrem em maior número do que os não negros em decorrência da violência urbana.
Um detalhe importantíssimo é o relativo à perversidade extrema do sistema educacional brasileiro, o qual reproduz e amplia a desigualdade entre brancos e negros, entre ricos e pobres em nosso país e perpetua e eterniza as iniqüidades de nosso sistema social. Senão vejamos: os negros e pobres freqüentam os ensinos fundamental e médio nas escolas públicas cuja qualidade é extremamente deficiente e, na hora de cursar o ensino superior, têm que pagar as mensalidades das faculdades particulares, caras, as quais a maioria desse contingente não possui recursos suficientes para custear. Enquanto isso, os ricos e a classe média branca preparam seus filhos nas melhores escolas particulares para que, depois, esses brasileiros abastados passem no vestibular e freqüentem as universidades públicas gratuitas com ensino de muito melhor qualidade do que as suas congêneres privadas freqüentadas pelos negros de baixo poder aquisitivo. As cotas, ou raciais ou sócio-econômicas, qualquer que seja o critério, são mecanismos para tentar superar este círculo vicioso e promover a ascensão social de setores secularmente marginalizados.
Felizmente, o Governo brasileiro passou a agir norteado pela isonomia e pela eqüidade, que consistem exatamente em tratar desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade, de modo a equalizar as oportunidades e mitigar as injustiças e distorções sociais no Brasil. A política de cotas nas universidades públicas se assemelha ao mandamento constitucional brasileiro de que o sistema tributário nacional, no que se refere ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, de competência da União, seja progressivo, ou seja, que os contribuintes de maior renda sejam tributados com alíquotas maiores do que os contribuintes que possuem menor renda.
Do mesmo modo, na política de cotas há a compensação e a reparação por séculos de opressão e de falta de oportunidades, mediante o ingresso, nas universidades públicas, de pessoas admitidas com menor rigor do que aquelas que desfrutaram de melhores condições sócio-econômicas ao longo da vida. A exigência para entrada na universidade pública deve ser proporcional ao nível de dificuldades materiais com o qual o indivíduo se deparou na vida. Isso não significa que o mérito não será mais o parâmetro principal para a seleção dos que vão ingressar na universidade; significa apenas que o critério meritocrático será ponderado, combinado, com parâmetros de outra natureza, tais como a cor ou a renda dos candidatos ao ensino superior.
A política de cotas é vital para tornar a sociedade brasileira mais justa e menos iníqua, e deve continuar a ser implementada até o momento em que os não brancos tenham alcançado um grau apropriado de ascensão social em nosso país, de modo que nossos governantes concretizem aquilo que Joaquim Nabuco pregou há mais de um século, no sentido de que os negros fossem amparados pelo Poder Público como forma de reparação pelos malefícios de que haviam sido vítimas por mais de três séculos. A propósito, tenho plena convicção de que o STF considerará constitucionais as políticas de ação afirmativa.
Do: Jus Navigandi
Por: Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga
Nenhum comentário:
Postar um comentário