Alfonso Cano, Comandante das FARC-EP |
Do Blog Maxista-Leninista
Abaixo alguns trechos da entrevista de Alfonso Cano, comandante das FARC-EP, ao jornal espanhol Público (a primeira que ele concede a um meio de comunicação em 19 meses). A tradução para o português foi feita pelo Diário da Liberdade. Cano respondeu às perguntas através de um questionário que devolveu assinado a 21 de maio de 2011 "nas montanhas da Colômbia".
Quais são as razões pelas quais as FARC lutam?
Nossos objetivos são a convivência democrática com justiça social e exercício pleno da soberania nacional, como resultado de um processo de participação cidadã em massa que dirija a Colômbia para o socialismo.
As FARC-EP são a guerrilha mais antiga do mundo. Seguem vigentes os motivos pelos quais iniciaram sua luta armada ou estes mudaram com o tempo?
Nestes 47 anos desatou-se uma vertiginosa transformação na ciência e na tecnologia, elevaram-se os índices de crescimento econômico em muitos países, colapsou o modelo soviético de construção socialista e irrompeu imparável a República Popular da China. No entanto, apesar de todo isso e a muitas outras novidades transcendentes, a fome cresceu no planeta, as injustiças, as fendas sociais e os conflitos persistiram e aumentaram enquanto cerca de 10.000 indivíduos muito abastados decidem a sorte de milhares de milhões de pessoas. As FARC nascemos resistindo à violência oligárquica que utiliza sistematicamente o crime político para liquidar a oposição democrática e revolucionária; também como resposta camponesa e popular à agressão latifundiária e fazendeira que inundou de sangue os campos colombianos usurpando terras de camponeses e colonos, e nascemos, também, como atitude digna e beligerante de rejeição à ingerência do Governo dos EUA na confrontação militar e na política interna de nossa pátria, três razões essenciais que gestaram as FARC tal como se assinala no Programa Agrário de Marquetalia elaborado e difundido em 1964. Uma simples olhada sobre a realidade colombiana de maio de 2011 mostra-nos que, apesar do contexto internacional indicado, estes três fatores germinais persistem e se agravam na atualidade.
Por que faz sentido a luta armada para as FARC e não a defesa através de vias democráticas dos ideais políticos e as transformações socioeconômicas que consideram necessárias?
Porque, na Colômbia, a oposição democrática e revolucionária é assassinada pela oligarquia. O massacre da União Patriótica é a mostra evidente.
Todo líder, qualquer organização não oligárquica que ameace os poderes estabelecidos, é assassinado ou massacrado, como parte de uma estratégia oficial de Segurança Nacional. Os poderosos instituíram-na como caraterística da cultura política e agora a têm incorporado na concepção do Estado.
Extensos capítulos da história nacional que partem de setembro de 1828, quando as facções progringas colombianas de então atentaram contra o Libertador Simón Bolívar, até estes anos, passando pelo assassinato do Grande Marechal de Ayacucho, Antonio José de Sucre, do líder liberal Rafael Uribe, de Jorge Eliécer Gaitán, de Jaime Pardo Leal, de Luis Carlos Galã, de Bernardo Jaramillo Ossa, de Manuel Cepeda Vargas e de centenas de líderes mais, parecem ratificar um velho e descarnado ditado popular: a oligarquia colombiana não entende senão a linguagem dos tiros.
Aqui nas FARC pensamos que apesar dessa histórica agressão antipopular que carateriza o devir nacional, é realista e inadiável trabalhar a construção de espaços de convergência, onde entre todos os colombianos construamos os acordos que alicercem a convivência democrática. O comandante Jacobo Arena fez questão de que o destino da Colômbia não podia ser a guerra civil, em consequência lutamos, vez ou outra, para encontrar com os diferentes governos uma saída política ao conflito colombiano. Não se conseguiu porque a oligarquia pensa em rendição e nós em mudanças profundas e democráticas à vida institucional e às regras de convivência, mas nem por isso havemos de deixar de lutar por uma solução incruenta como essência de nossa concepção revolucionária e sustento da Nova Colômbia.
Que lições as FARC-EP tiraram da criação do partido União Patriótica?
Foi uma experiência tão cheia de riqueza quanto dolorosa, que devemos analisar e referir permanentemente. Dentro de suas muitas lições lhe poderia mencionar algumas como o difícil que é avançar em um processo de solução política, quando a oligarquia colombiana mantém suas estratégias de paz dos sepulcros e Pax Romana, pois em frente a este projeto mostrou sua mesquinhez e foi essencialmente sanguinária e cruel. Preferiu o assassinato de cerca de 5.000 dirigentes democráticos e revolucionários em uma razzia de corte hitleriano, a abrir espaços a todas as vertentes da esquerda, feito com que de se ter conseguido gerasse uma nova dinâmica na confrontação política e possibilitado a concreção integral dos Acordos da Uribe faz mais de 25 anos.
Com o extermínio da UP não só se perdeu uma geração quase completa de dirigentes revolucionários, a maioria deles de grande dimensão política e imensos valores éticos, cuja ausência hoje é notória no palco público da nação como do continente, também se frustrou, por muitos anos, a possibilidade de assinar um acordo de convivência.
A experiência da UP ensinou-nos que qualquer avanço para a paz que surja de acordos exige a transparência, que qualquer entrave seja esclarecido antes de subir um novo degrau, pois os Acordos de Uribe, origem da UP, foram sabotados pelo Alto Comando militar desde o primeiro momento apesar do qual, todos os comprometidos com ditos acordos, lutamos como Quixotes, por torná-los viáveis.
Mas conseguir a assinatura de acordos de paz na Uribe em 1984 e garantir seu cumprimento total até culminá-los, foi impossível. De modo que os colombianos que empreendemos com grande otimismo e maior entusiasmo uma histórica jornada pela convivência, perdemos essa batalha civilizada em frente aos "inimigos ocultos da paz", que hoje já não se escondem tanto.
Um processo de paz bem sucedido tem como premissa inevitável o apoio lento, decidido, transparente e ativo, da maioria da população.
Não me cabe a menor duvida que as novas gerações de colombianos, em um futuro próximo, renderão honras e farão reconhecimento aos mártires da União Patriótica que "de peito aberto" lutaram por um melhor país para seus filhos, pela democracia e a convivência, com uma generosidade, um despreendimento e uma valentia instâncias.
A seguir à morte de Jorge Briceño em um bombardeio a 22 de setembro, o presidente Santos reiterou que já se enxergava o fim do fim das FARC. Qual sua opinião sobre isto?
Desde 1964 conhecemos tal declaração oficial em boca de diferentes presidentes e ministros de guerra, em ocasiões fazendo de agoureiros, outras vezes em forma de promessa e outras em forma de ameaça, sempre com a pretensão de ocultar as raízes do conflito que fizeram necessária a existência das FARC.
Assim, justificaram a violência terrorista do Estado.
Assim, incrementaram ano após ano o orçamento militar e policial, para bem-estar dos generais e dos senhores da guerra.
Assim, ocultaram desde faz tempo sua própria incapacidade, sua intransigência e a profunda corrupção que corrói as instituições oficiais.
Assim, pretendem ocultar a sua vergonhosa e humilhante genuflexão em frente ao Pentágono Norte-americano e à Casa Branca.
Enquanto não abordarmos seriamente, entre todos, a busca de soluções aos problemas estruturais do país, a confrontação será inevitável. Umas vezes mais intensa, outras nem tanto. Em alguns momentos com a iniciativa militar do Estado, em outros, com a iniciativa popular, em uma trágica ciclotimia que devemos superar, inteligentemente, com grandeza histórica.
Se prosseguir a confrontação, terá mais mortos. De ambos os lados. Mais tragédias para o povo. E não chegarão a paz e nem a convivência para a Colômbia.
Não se trata da morte de um ou de outro comandante guerrilheiro. O conflito não é assim tão simples. As circunstâncias históricas do país são muito particulares. A existência de guerra de guerrilhas revolucionárias na Colômbia não é consequência do voluntarismo de um punhado de valentes ou de uns aventureiros, ou de uns "terroristas" ou de uns "narcoterroristas", tais qualificativos podemos deixá-los para a propaganda oficial. A insurgência colombiana é reflexo do sumum de uma série de fatores estruturais que os diferentes governos não podem insistir, teimosa e criminosamente, em desconhecer.
A oligarquia colombiana conformou uma força pública armada a mais de 500 mil homens, em um país de uns 45 milhões de habitantes com enormes necessidades e carências. Inaudito! Cerca da quinta parte do orçamento nacional que entra anualmente foram aprovados para despesas militares. Investiram-se quase $10.000 milhões de dólares de ajuda norte-americana no Plano Colômbia, para uma guerra fracassada. No entanto, a confrontação prossegue.
Quando bombardearam o acampamento do comandante Jorge Briceño, com quase uma centena de aeronaves que deixaram cair milhares e milhares de toneladas de explosivos durante muitos dias, em um dantesco inferno. Instalaram na periferia do local de tendas de campanha com espelhinhos e presentes e roupa nova, sapatos Reebok e Nike convidando os guerrilheiros através de alto-falantes, durante semanas, à traição e à deserção.
Tudo o que obtiveram foi uma heroica resposta militar da guerrilha, colmatada de moral e de consciência revolucionária, que produziu centenas de baixas na força de ocupação oficial e o pedido em massa de entrada de novos guerrilheiros na região e em muitas outras zonas do País.
A proximidade da paz democrática, da convivência e da justiça social não pode ser medido em litros de sangue. Isso o sabe o país e certamente o presidente Santos.
Em seu último informe a ONG colombiana Novo Arco Íris, que faz acompanhamento do desenvolvimento do conflito militar cruzando informações oficiais e de analistas, embora reconheça a supremacia aérea do governo, disse que os combates em terra lhes são notoriamente adversos.
Fonte: Anncol
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