segunda-feira, 13 de maio de 2024

Médicos-monstros espalham fake news no RS

Ilustração do site Istock

Por Altamiro Borges

Na semana passada, o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social (Secom), enviou à Polícia Federal uma relação de suspeitos para serem investigados por difundirem fake news sobre a tragédia no Rio Grande do Sul. Segundo Mônica Bergamo, “dois médicos estão na lista. Eles postaram vídeos em suas redes sociais afirmando que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estaria impedindo aviões particulares de decolarem com medicamentos doados às vítimas da catástrofe – o que a agência nega de forma enfática”.

A dermatologista Roberta Zaffari Townsend está na lista encaminhada à PF. A farsante “afirmou a seus 33,5 mil seguidores no Instagram que ela e ‘colegas médicos’ tinham conseguido ‘aviões particulares’ de ‘amigos’ que estavam doando remédios. Os medicamentos, porém, não chegavam ao estado por causa da burocracia da Anvisa. ‘Por favor, Anvisa, libera as medicações. A gente precisa salvar vidas de pessoas’”, postou a farsante. O segundo bandido já é bastante conhecido pela Justiça brasileira. Trata-se do médico Victor Sorrentino.

Preso por assédio sexual no Egito

Com 1,3 milhão de seguidores no Instagram, ele postou que aviões privados, “em três aeroportos, carregados de medicamentos”, não conseguiram decolar por causa da “burocracia da Anvisa... Estão fazendo as pessoas morrerem sem medicamentos aqui”. O vídeo desse médico-monstro teve forte repercussão nas redes digitais, levando a Anvisa a divulgar uma nota, sem mencioná-lo, garantindo que “não efetuou qualquer restrição ao transporte de medicamentos destinados ao Rio Grande do Sul”.

Victor Sorrentino adora provocar. Como lembra Mônica Bergamo, “ele já foi detido no Egito, em 2021, acusado de assédio sexual, e suspenso por um mês, em abril deste ano, pelo Conselho Regional de Medicina do RS por violar o Código de Ética da profissão”. O caso do assédio ocorreu em maio de 2021. Em vídeo postado no seu Instagram, ele fez comentários sexistas em português a uma vendedora ao comprar um papiro. “Vocês gostam é do bem duro. Comprido também fica legal, né?”, vomitou o médico asqueroso. O vídeo acabou viralizando e entidades feministas pediram e conseguiram a prisão do assediador. Ele ficou detido no Cairo por quatro dias.

Na época, uma matéria da Folha ainda registrou que “Sorrentino é defensor do chamado tratamento precoce para a Covid-19 e deu entrevistas defendendo a hidroxicloroquina, medicamento ineficaz para a doença... Um vídeo antigo que voltou a circular agora mostra o presidente Jair Bolsonaro, quando ainda era deputado federal, dizendo que Sorrentino é ‘mais que um amigo virtual, é um irmão de farda e de fé’”.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Palestina — universidades e escolas destruídas, 6.250 estudantes mortos e 10.300 feridoss

Em Bordeaux, na França, professores e alunos reuniram-se em apoio ao
povo palestino. 
Fotos: @PalestineMo

Devemos lutar para que pesquisadores da Ucrânia e Palestina não sejam tratados com dois pesos e duas medidas


1.

Este texto está sendo escrito enquanto dezenas de tradicionais universidades nos Estados Unidos estão ocupadas por acampamentos de estudantes demandando o fim do genocídio palestino, rupturas de contratos universitários com empresas que apoiam e sustentam o genocídio e a liberdade de milhares de manifestantes presos.

Enquanto, nessas metrópoles do império mundial, os manifestantes nos campi estão sofrendo medidas policiais e administrativas, bombas de gás e prisões generalizadas, em Gaza quase todas as escolas e todas as universidades foram destruídas logo nos primeiros meses dos ataques israelenses a partir de outubro de 2023.

Um movimento histórico e fundamental está acontecendo nos Estados Unidos, com potencial de transformar a educação universitária e até de interferir no cenário da guerra imperialista no Oriente Médio.

Quando estudantes ocupam o campus e desafiam suas carreiras universitárias por motivos de solidariedade internacional, cabe refletir qual é o papel das universidades e instituições educativas em outros países, como o Brasil.

2.

Ainda em janeiro de 2024, o Ministério da Educação da Palestina dava conta que 280 escolas governamentais e 65 escolas administradas pela Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA) já haviam sido destruídas ou danificadas pelo assalto israelense.

Várias delas (como Al Fakhoura, Al-Buraq e Shadia Abu Ghazzala) foram atacadas enquanto serviam de abrigo para pessoas que já tinham perdido suas casas.

A continuidade pedagógica está gravemente comprometida, não apenas pela destruição física, mas pela dispersão forçada de alunos e professores. Todas as universidades de Gaza foram destruídas. Apenas para ilustrar, a Universidade Al-Israa foi literalmente implodida com 315 minas, no dia 17 de janeiro de 2024 (Al Jazeera, 2024).

Figuras acadêmicas, científicas e intelectuais e suas famílias haviam sido alvos de ataques em suas casas sem aviso prévio. Os alvos incluíam até janeiro 17 indivíduos que possuíam graus de professor, 59 que possuíam doutorados e 18 que possuíam mestrados (EMHRM, 2024).

Fundada em 2014, a Universidade Al-Israa consolidou-se em poucos anos como uma das
mais importantes da Palestina. Fotos: Reprodução de vídeo

Até 17 de abril, o Ministério da Educação Palestino (v. gráfico abaixo) contou 6.237 estudantes mortos e outros 10.300 outros feridos, bem como 296 professores e servidores administrativos mortos e 973 feridos.

Isso apenas na Faixa de Gaza, sem contar os estudantes, docentes e servidores mortos, feridos ou presos no mesmo período, na Cisjordânia ocupada. Esses números tampouco revelam a quantidade exponencial de crianças, jovens e adultos privados do direito à educação pela interrupção das atividades escolares e universitárias: 620 mil só em Gaza.

A perda de tais instituições resulta não apenas na interrupção imediata da educação, mas também no prolongamento do trauma e na dificuldade de recuperação no longo prazo.

São atos de violência epistêmica que removem a capacidade dos palestinos de sustentar e desenvolver seus próprios conhecimentos e cultura.

Para Elham Kateeb (apud Jack, 2024), decana na Universidade Al-Quds, em Jerusalém Oriental, “as universidades podem desempenhar um papel crucial na liderança dos palestinos em direção aos seus objetivos e na construção do Estado”, já que “esse compromisso está incorporado em suas missões fundamentais de educação, pesquisa e serviço comunitário”.

Assim, “as universidades palestinas têm sido historicamente pioneiras na formação da identidade nacional, na promoção da resiliência e na contribuição para o desenvolvimento da comunidade”, e isso só pode acontecer sobre um fundamento de justiça e liberdade.

Comunidades inteiras têm perdido não apenas suas escolas e universidades, mas também o acesso a um espaço crítico para a formação de identidades coletivas e individuais, o desenvolvimento de habilidades e a transmissão de conhecimentos culturais.

A educação é um ato de resistência e reafirmação da humanidade contra as forças de opressão. A destruição de tais instituições é, portanto, um ataque direto à própria essência da identidade e da resistência palestinas.

3.

O relatório preliminar da organização Bibliotecários e Arquivistas com a Palestina (LAP, 2024), documentou extensivos danos a patrimônios culturais em Gaza devido a ações militares israelenses, entre outubro de 2023 e janeiro de 2024.

Dentre as perdas, destacam-se a destruição total dos Arquivos Centrais da Cidade de Gaza e da Biblioteca e Mesquita Omari, incluindo coleções raras de livros. A Biblioteca Diana Tamari Sabbagh e a Biblioteca da Universidade Islâmica de Gaza também foram completamente destruídas.

O relatório menciona ainda a destruição da Biblioteca e Museu Nacional da Universidade Al-Israa, que continha mais de 3.000 artefatos arqueológicos.

Além dos prejuízos materiais, vários bibliotecários e arquivistas perderam suas vidas, sublinhando o alto custo humano e cultural dos conflitos. Estes dados são representativos de apenas uma fração do total de danos, devido às dificuldades em documentar completamente a situação durante o conflito.

Os recursos educacionais, históricos, culturais e religiosos na Faixa de Gaza vêm sendo sistematicamente destruídos.

A destruição inclui a maioria dos edifícios públicos, centenas de marcos culturais e instalações de serviços, bem como o extermínio de pessoas com elevadas capacidades intelectuais e especializações, incluindo médicos, acadêmicos, e especialistas em tecnologia, programação e engenharia de computação, bem como as sedes de suas empresas.

A destruição deliberada de patrimônio cultural é reconhecida no Direito Internacional como um crime de guerra, com vários precedentes no Tribunal Penal Internacional (Moreira, 2023; Cuno. Weiss, 2022), buscando a responsabilização pelo ataque generalizado a bens culturais essenciais para a identidade e a história dos povos.

Universidade Al-Azhar antes e depois da agressão israelense em curso na Faixa de Gaza (WRP, 2024). 

A Convenção de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais de 1977 proíbem explicitamente danos intencionais ao patrimônio cultural por forças invasoras ou ocupantes, incluindo saques e o uso de patrimônio em ações militares.

Esses tratados também protegem o patrimônio cultural de ataques e represálias, considerando-os alvos civis e não militares. Além disso, protocolos adicionais, como o de 1980, proíbem e sancionam o uso de minas e outros dispositivos em locais culturais importantes.

Não se trata apenas de eliminar indivíduos, mas também destruir a infraestrutura cultural, educacional e tecnológica que sustenta essa sociedade, atacando sua autonomia intelectual e cultural e tentando romper os laços históricos entre o povo e sua terra.

Uma guerra de ocupação colonial não se baseia apenas na eliminação física e dominação direta dos colonizados. Na América Latina, temos vivido isso há mais de 500 anos.

Na “Conquista” espanhola contra a civilização mexicana, o elemento fundamental foi a destruição dos códices (os pergaminhos que registravam toda a cultura, história, língua e mitos de origem do povo nativo), dos lugares de culto e das entidades espirituais.

Tenochtitlán, o nome originário da atual Cidade do México, foi literalmente soterrada, para que a cidade espanhola fosse construída por cima.

Mas o Templo Mayor dos mexicas jaz literalmente debaixo do Palácio de Governo do colonizador, e a Catedral Metropolitana da Cidade do México foi construída sobre as ruínas do principal local de adoração da deusa Tonantzin.

Não foi diferente na grande Cusco, sede da civilização Inca, onde os espanhóis mantiveram os sólidos alicerces de pedra milenares para construir os novos edifícios coloniais.

As cidades antigas que haviam sido abandonadas antes da chegada dos conquistadores, como Tikal, na atual Guatemala, ficaram intocadas, o que demonstra que os colonizadores se dirigiram para as cidades mais populosas e vivas, que representavam as bases e a reprodução da cultura originária.

Parafraseando Enrique Dussel (1993), aquilo que, para a filosofia eurocêntrica, representava um des-cobrimento, sob o olhar dos nativos se tratou de en-cobrimento, o que vem acontecendo desde as Cruzadas e as Grandes Navegações, momentos constitutivos da chamada civilização ocidental, e que tem continuidade hoje nos territórios palestinos ocupados. Esta é uma dimensão particular do genocídio: o epistemicídio.

Na dimensão atual das trocas de informações, em que a ciência é tratada como “narrativa” e os meios de comunicação contam uma história única, seguindo à risca as determinações editoriais dos centros do capital midiático, onde abundam qualificações seletivas de “terroristas” e os agentes do império até hoje se apresentam como xerifes para “organizar” as casas que eles mesmos vêm destruindo, o risco do epistemicídio é ainda maior.

Naquela ideia de que a história contada é sempre a história dos vencedores, a destruição das instituições educativas palestinas visa eliminar as possibilidades de desmascaramento atual e futuro da História, a eliminar as provas e até a consciência do genocídio.

Violações contra a educação na Palestina, entre 7 de outubro de 2023 e 16 de abril de 2024 (PMoE, 2024)



4.

O Estado brasileiro tem se manifestado de maneira resoluta e solidária nas instituições internacionais, contra o genocídio e em defesa do Estado palestino, além de medidas concretas como os voos de repatriados e seus familiares.

Há muitas outras medidas concretas que podem ser praticadas, tendo em vista, sobretudo, que a cooperação entre os povos é um dos princípios da sua política internacional (art. 4º da Constituição Federal).

Ações de cooperação nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia podem dar respostas eficazes ao epistemicídio e à destruição das escolas e universidades palestinas.

Um exemplo desses tipos de ações é o Programa de Acolhida a Cientistas Ucranianas, da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná.

A vinda de pesquisadoras de alto nível, deslocados da guerra naquele país, para universidades paranaenses, tem sido percebida como uma oportunidade ímpar para reconstruírem suas vidas com suas famílias em solo brasileiro.

As universidades e a sociedade que os recebem só têm a ganhar. Devemos lutar para que pesquisadores da Ucrânia e Palestina não sejam tratados com dois pesos e duas medidas.

*Julio da Silveira Moreira é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

Referências:

AL JAZEERA. How Israel has destroyed Gaza’s schools and universities. 24 jan. 2024. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2024/1/24/how-israel-has-destroyed-gazas-schools-and-universities.

CUNO, James; WEISS, Thomas G. (ed.). Cultural Heritage and Mass Atrocities. Los Angeles: Getty Publications, 2022. Disponível em: https://www.getty.edu/publications/cultural-heritage-massatrocities.

DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

EURO-MED HUMAN RIGHTS MONITOR (EMHRM). Israel kills dozens of academics, destroys every university in the Gaza Strip. 20 jan. 2024. Disponível em: https://euromedmonitor.org/en/article/6108/Israel-kills-dozens-of-academics,-destroys-every-university-in-the-Gaza-Strip.

EURO-MED HUMAN RIGHTS MONITOR (EMHRM). Israel’s demolition of educational institutions, cultural objects in Gaza is additional manifestation of genocide. 16 fev. 2024. Disponível em: https://euromedmonitor.org/en/article/6163/Israel%E2%80%99s-demolition-of-educational-institutions,-cultural-objects-in-Gaza-is-additional-manifestation-of-genocide.

JACK, Patrick. Academia in Gaza ‘has been destroyed’ by Israeli ‘educide’. Times Higher Education, 29 jan. 2024. Disponível em: https://www.timeshighereducation.com.

LIBRARIANS AND ARCHIVISTS WITH PALESTINE (LAP). Israeli Damage to Archives, Libraries, and Museums in Gaza, October 2023–January 2024: A Preliminary Report from Librarians and Archivists with Palestine. Disponível em: https://librarianswithpalestine.org/gaza-report-2024/.

MOREIRA, Julio da Silveira. Pela Palestina: textos selecionados sobre Direito Internacional. Prefácio de Camilo Pérez-Bustillo. Toledo, PR: Instituto Quero Saber, 2023. Disponível em: https://www.institutoquerosaber.org/editora72.

PALESTINIAN MINISTRY OF EDUCATION (PMoE). Violations against education in Palestine, October 7, 2023 to April 16, 2024. Disponível em: https://twitter.com/PalestineMoE.

WORKERS REVOLUTIONARY PARTY (WRP). Annihilation of Gaza Education: Israel is systematically erasing the entire education system!. The News Line, 15 mar. 2024. Disponível em: https://wrp.org.uk/features/annihilation-of-gaza-education-israel-is-systematically-erasing-the-entire-education-system/.

FONTE: Viomundo

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Grupos armados atuam para expulsar moradores de paraíso turístico do PI

Praia Barra Grande, Cajueiro da Praia.
Foto: Pref. de Cajueiro da Praia



Por Carlos Madeiro da UOL

Comunidades tradicionais que moram em Barra Grande, litoral de Cajueiro da Praia (PI), relatam ameaças e ataques de milícias que atuam para expulsar moradores. O caso foi denunciado pela DPU (Defensoria Pública da União).

Nos últimos anos, a praia de Barra Grande viveu um boom no turismo, com a abertura de pousadas. O destaque é a prática do kitesurf — a região apresenta condições ideiais para o esporte e atrai pessoas do Brasil e do mundo, inclusive para competições.

"As terras passaram a ter um valor econômico grande, e isso trouxe a cobiça de gananciosos grileiros que tentam se apropriar dessas terras e explorá-las economicamente com empreendimentos, em detrimento das comunidade tradicionais que lá residem há décadas." 

- José Rômulo Sales, defensor público da União

Sales conta que esteve no local em janeiro e colheu relatos de casos de violência. Para tentar resolver o problema, ele diz que prepara duas ações civis públicas para que a União regularize e dê posse das áreas devidas aos moradores tradicionais.

O litígio e suposta grilagem de terras são investigados em inquérito civil aberto em junho de 2023 pelo MPF (Ministério Público Federal).

Segundo o órgão, a praia fica na APA (Área de Proteção Ambiental) Delta do Parnaíba, que é de titularidade da União e "potencialmente ocupada pelos agricultores há 60 anos". Como as investigações estão em curso, o órgão não passou detalhes.

Prática de Kitsurf leva turistas e Competidores
à Barra Grande. Foto: Reprodução

A SPU (Secretaria de Patrimônio da União), ligada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, afirmou que realizou uma fiscalização no local e observou "indícios de irregularidades relacionadas à ocupação e uso indevido da área". "A apuração está em curso e o relatório final será encaminhado ao MPF"

Relatos de violência

Nas últimas três semanas, o UOL ouviu moradores, recebeu vídeos e leu documentos e decisões judiciais que apontam para uma atuação de grupos armados, contando inclusive com policiais.

O pescador Demétrio Oliveira da Silva, 36, nasceu e cresceu em uma família com seis irmãos na praia. "Meu pai é pescador até hoje, ele chegou aqui ainda adolescente", diz.

Casa destruída por ação de homens armados, segundo
moradores de Barra Grande. Foto Arquivo pessoal

Ele é presidente da Associação Comunitária do Projeto de Assentamento da Nova Barra Grande e explica que desde a pandemia essa situação piorou, especialmente para a comunidade pescadora da região.

No início, tivemos muitas pesqueiras e canoas queimadas. Tivemos barracas derrubadas por conta de empresários que não queriam os pescadores na frente do terreno deles para não atrapalhar a visão dos turistas. Foram situações horríveis, ao ponto de a comunidade entrar em desespero.

- Demétrio Oliveira, da associação comunitária

A associação produziu um relatório e enviou às autoridades — no texto, os moradores acusam um grupo de empresários locais de tentativa de grilagem das terras onde vivem dezenas de famílias.

Um dos casos citados ocorreu em 1º de junho de 2023, quando seis homens que se diziam policiais civis entraram em roças na comunidade Nova Barra Grande. "Armados e com um trator, tentaram destruir casas e expulsar os agricultores."

A ação, dizem os moradores, ocorreu por eles não terem conseguido apoio das autoridades policiais. Os agricultores relatam que, diante da ameaça, se mobilizaram e desarmaram o líder e os supostos milicianos que davam suporte à ação.

"Com esses milicianos foi apreendida pela comunidade uma pistola cromada, sendo que a arma terminou por ser posteriormente devolvida pela comunidade por medo de represálias dos bandidos."

- Relatório da associação

Os moradores ainda citam invasões de espaços das roças dos agricultores.

"A gente vive ameaçado. Eu mesmo há três anos que tento levantar uma casa, não posso. A gente faz uma roça, eles vêm e derrubam. Muitas vezes a gente chega às 5h da manhã, está tudo no chão. Sempre chega gente e diz: 'não pode levantar'. Mas por que não pode se aqui sempre foi da gente?"

- Maria Esmeraldina Alves, 49, agricultora.

Roçado destruído em Barra Grande(PI).
Foto: Arquivo Pessoal

Ação da SSP e redução de ação

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Piauí informou ao UOL que o secretário Chico Lucas já determinou que o caso seja apurado pela Corregedoria da PM à Delegacia Geral da Polícia Civil, para saber se há policiais envolvidos. Uma investigação também sobre os grupos armados foi aberta e está em curso pelo Departamento de Repressão às Ações Criminosas Organizadas.

Além disso, a SSP diz que criou um grupo de trabalho com a participação de vários órgãos para tentar chegar a soluções definitivas sobre o problema.

Segundo Liliana Souza, presidente da ONG Comissão Ilha Ativa, após as denúncias da Defensoria em abril, as ações de milícias têm diminuído, "mas ainda existem."

"Ainda há ações de ameaças, de desrespeito. É absurdo que comunidades tenham medo de ir pescar, e serem abordados no seu trajeto, tendo armas apontadas para si."

- Liliana Souza, da ONG Comissão Ilha Ativa

Ela explica que a região que é alvo foi historicamente povoada por comunidades pesqueiras e agricultores familiares. Uma das maiores dificuldades é que elas pedem reconhecimento, já que se trata de área pública da União.

"São inúmeros processos de solicitação engavetados; em paralelo, essas áreas solicitadas estão sendo ocupadas de forma irregular, sem nenhuma ação dos órgãos."

- Liliana Souza

FONTE: UOL

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Extremismo nas redes: grupos espalham discurso de ódio sem moderação das plataformas

Publicação da Força Nacionalista no X relaciona mulheres pró-aborto
a 'cúmplices do morticínio de bebês' 
Foto: reprodução

Por Danilo Queiroz
- Agência Pública

Mais de 20 grupos extremistas estão ativos e organizados no Brasil, e boa parte deles espalha seus discursos de ódio na internet, sem qualquer moderação das plataformas. Um mapeamento do Global Project Against Hate and Extremism (GPAHE – Projeto Global Contra o Ódio e o Extremismo), organização de defesa de direitos humanos, ao qual a reportagem teve acesso, localizou grupos de extrema direita em atuação no país e constatou que muitas das organizações extremistas listadas usam as redes sociais para disseminar mensagens de ódio, violência e discriminação.

O estudo do GPAHE lista o Instituto Conservador-Liberal, fundado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como entidade que promove conteúdos LGBTfóbicos, misóginos e de fundamentalismo religioso. Ele cita também o Partido Liberal (PL) como propagador de discursos LGBTfóbicos e ódio contra mulheres.

Boa parte das organizações mapeadas tem perfis em redes como Facebook, X (antigo Twitter), YouTube e Telegram. Coordenadora do estudo, Heidi Beirich diz que o Brasil é um terreno fértil para o crescimento de grupos extremistas por ser “a segunda nação que mais gasta tempo na internet no mundo e pela falta de regulação das plataformas”. Os debates em torno do Projeto de Lei 2.630/2020, que pretende regular as redes sociais, esquentaram depois dos ataques do dono da rede X, Elon Musk, ao ministro do STF Alexandre de Moraes. Contudo, no início de abril, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), diminuiu o ritmo para aprovação da proposta quando anunciou a criação de um grupo de trabalho que vai analisar o texto.

Enquanto isso, a pesquisadora do GPAHE diz que houve uma “escalada de grupos extremistas no Brasil à medida que as mídias sociais passaram a ser usadas mais por grupos e indivíduos para espalhar medo, desinformação e conteúdo desumanizante”. Ela ainda afirma que “Bolsonaro e sua família foram um fator definitivo no crescimento do extremismo de extrema direita no Brasil”.

Ataques direcionados à população LGBTQIA+

De acordo com o mapeamento realizado pelo GPAHE, São Paulo é o estado com mais grupos extremistas em atividade – oito entre as 22 organizações localizadas na pesquisa. O Rio de Janeiro e Santa Catarina ficam em segundo e terceiro lugar, respectivamente. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste reúnem 68% dos grupos. O Norte é a única região onde a pesquisa não apontou organizações em atividade.

A população LGBTQIA+ é o alvo mais frequente dos ataques. Entre as organizações que estão presentes nas redes sociais, a Força Nacionalista Brasileira (FNB) faz postagens misóginas em sua página do X. Quando o Parlamento francês tornou o aborto um direito previsto na Constituição, a FNB fez postagens associando mulheres pró-aborto a “cúmplices do morticínio de bebês” e “asseclas do diabo”.

Na rede X, o grupo nacionalista branco, que defende a separação do Sul do restante do país, Falanges de Aço, faz postagens racistas e xenofóbicas contra nordestinos. Eles espalham cartazes com mensagens de ódio pelas ruas de Porto Alegre e, em novembro de 2022, participaram de manifestações antidemocráticas que reuniram bolsonaristas na capital do Rio Grande do Sul.

No ano passado, o grupo extremista perdeu sua conta do Instagram e um canal no Telegram, segundo o relatório, mas não se sabe se as contas foram removidas por moderação das plataformas. A conta do X permanece ativa.

Publicação na rede social X do grupo nacionalista branco,
Falanges de Aço 
Foto: reprodução

A Resistência Sulista (RS) é um pequeno grupo separatista que atua em rede com a Milícia Independente do Sul e a Falange de Aço. Eles perderam o canal do Telegram, mas ainda mantêm um grupo privado do Facebook, onde dizem que são contra “o liberalismo hegemônico global em todas as suas formas, seja da direita ou da esquerda”. O grupo, de acordo com o relatório, tem mais de 500 seguidores.

Em dezembro do ano passado, o canal da Força Nova do Brasil no Telegram reunia mais de 200 seguidores. Eles são um braço brasileiro do partido político italiano neofacista Forza Nuova, que defende o nacionalismo branco, critica imigrantes e pessoas LGBTQIA+. No Brasil, eles celebram a ditadura militar e espalham conteúdos LGBTfóbicos. A pesquisa da GPAHE localizou também “publicações que elogiam grupos neonazistas” entre as postagens do grupo.

Já a Frente Integralista Brasileira, segundo o relatório, é a maior organização do movimento integralista moderno do Brasil. Eles têm páginas ativas no YouTube e Facebook. O grupo possui ao todo quase 4 mil seguidores. No site da organização, há informações que comprovam a instalação de uma sede em São Paulo, uma aba que especifica membros do conselho diretor nacional, além de uma sessão de documentos e diretrizes para se tornar membro. Eles realizam uma campanha de contribuição com mensalidades que podem chegar até R$ 60.

Canal do YouTube da Frente Integralista Brasileira com mais de 3 mil inscritos 
Foto: reprodução

O relatório aponta também grupos que se sustentam vendendo produtos nazifascistas na internet. O Movimento Linearista Integralista Brasileiro (MIL-B) mantém uma página com notícias, podcast, vídeos, e-books e produtos com símbolos integralistas. O grupo representa o movimento facista nascido na década de 1930, com a Ação Integralista Brasileira (AIB), cujo lema era “Deus, pátria e família”. Décadas depois, Bolsonaro usou o mesmo lema em sua campanha para a Presidência.

Instituto criado por Eduardo Bolsonaro é citado como grupo extremista

Criado por Eduardo Bolsonaro, o Instituto Conservador-Liberal oferece cursos e outros conteúdos a partir de financiamento dos usuários. Os valores mensais para se tornar aliado vão de R$ 25 a R$ 250. Já a doação única pode chegar até R$ 5 mil. O estudo do GPAHE indica que os conteúdos publicados pela entidade têm teor nacionalista, sexista e antiaborto.

O Instituto Conservador-Liberal tem site e newsletter e está presente em redes como WhatsApp, YouTube, Instagram, Facebook e X. Somando as plataformas, eles ultrapassam 100 mil seguidores. O relatório da GPAHE relaciona o Instituto Conservador-Liberal à organização americana pró-Trump de extrema direita Conservative Political Action Conference (CPAC). Em 2022, a Agência Pública mostrou que o instituto de Eduardo Bolsonaro promoveu eventos da CPAC com patrocínio da rede social Gettr, comandada pelo ex-assessor de Trump.

A pesquisa da GPAHE cita também o Partido Liberal (PL), do ex-presidente Bolsonaro e do seu filho, entre os grupos extremistas. “Esse partido entrou na nossa lista como grupo extremista de ódio por ser parte significativa do crescimento da extrema direita no Brasil. Essa escolha se deu porque no PL há demonização de uma comunidade-alvo, com frente de atuação antimulher e anti-LGBTQIAPN+”, dizem os pesquisadores.

A Pública questionou a Meta, Google e YouTube, citadas no estudo entre as plataformas onde grupos extremistas e de ódio espalham suas mensagens sem sofrer moderação de conteúdo. Em nota, a Meta informou que “as políticas da rede proíbem conteúdo que incite ou promova violência, tampouco permite a presença de pessoas ou organizações que anunciem uma missão violenta ou estejam envolvidas em atos de violência nas plataformas da Meta. Isso inclui atividade terrorista, atos organizados de ódio, assassinato em massa (ou tentativas) ou chacinas, tráfico humano e violência organizada ou atividade criminosa”.

Embora os conteúdos citados pela reportagem não tenham sido derrubados, a empresa disse que “remove conteúdo que expresse apoio ou exalte grupos, líderes ou pessoas envolvidas nessas atividades, e também não permite discurso de ódio no Facebook e no Instagram, retirando qualquer conteúdo que viole nossos Padrões da Comunidade”. O YouTube e o Telegram não responderam até a publicação.

terça-feira, 30 de abril de 2024

Uberização deteriora saúde de motoboys

 (Foto: revista Duas Rodas)

Enquanto a expectativa em torno da regulamentação do trabalho de motofretistas (motociclistas que fazem entregas de mercadorias) por aplicativo tem atraído a atenção de diversos setores da sociedade, as discussões sobre a questão se mantêm restritas a seus aspectos trabalhistas, previdenciários, legais e tecnológicos. À margem dessa conversa, a saúde pública segue arcando com o custo principal da uberização: cuidar de suas vítimas. As evidências do impacto para a saúde desse trabalho “sob demanda” – condição em que a pessoa fica disponível para ser convocada quando a empresa determinar – estão no Dossiê das Violações dos Direitos Humanos no Trabalho Uberizado.

A obra, que chega para ampliar esse debate, traz os primeiros resultados de uma pesquisa da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH) da Unicamp empreendida em 2023 com 200 motofretistas de Campinas. Visto que a uberização diminuiu o salário e as proteções legais de toda a categoria dos entregadores, o estudo abrangeu trabalhadores que têm como principal (ou única) fonte de renda as corridas via aplicativos e também os motoboys que não dependem das plataformas digitais para obter seu sustento. “É preciso qualificar essa discussão, do ponto de vista da cidadania, e pensar sobre o direito de viver dignamente e prover dignidade para a família, como está posto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Refletir sobre como nós, enquanto sociedade, toleramos esse arranjo laboral”, diz Silvia Santiago, diretora-executiva da DEDH e uma das autoras do dossiê.

"É preciso refletir sobre esse arranjo laboral"
Silvia Santiago - Diretora Executiva da DEDH

Os resultados da avaliação expõem um panorama mais complexo do que fazem crer as empresas da área. Dos 200 entrevistados, 90% eram do sexo masculino e quase 60%, negros – corroborando estudos anteriores que já haviam constatado esse abismo racial. Embora em média mais jovens, os que dependiam dos aplicativos para trabalhar como entregador apresentaram mais questões de saúde preocupantes, com a mesma proporção de medidas de pressão arterial alteradas do grupo geral (com média de idade maior) e menor ingestão de líquidos ao longo do dia. A situação dos primeiros se revelou pior também em relação à renda.

A socióloga Ludmila Abílio, pesquisadora visitante
 da DEDH: "O cenário é trágico"

“Vimos que quem tem mais tempo de trabalho adere menos aos aplicativos, porque já tem clientes e experiência, porque consegue enxergar a longo prazo. Ainda assim, suas condições laborais foram transformadas, pois a uberização impacta o setor como um todo, dado os processos de oligopolização alcançados por essas empresas. Quando as pessoas se uberizam da forma como está posta, suas vidas se degradam mais. Toda a categoria, porém, está submetida à deterioração da saúde. O cenário é trágico”, relata a socióloga Ludmila Abílio, pesquisadora visitante da DEDH e coautora do dossiê.

A fim de não relegar mais a um segundo plano o diagnóstico sobre a precarização do bem-estar físico e mental dos motoboys, o dossiê sugere medidas inspiradas nos modelos de cogestão e gestão participativa do próprio Sistema Único de Saúde (SUS), que visam proteger esses trabalhadores e transformar o progresso tecnológico em evolução social – e não em retrocesso. O documento recomenda também a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), atualizada frente às mudanças sociais, como base para o reconhecimento da subordinação desses trabalhadores às plataformas digitais. “Na forma como a situação está posta, enquanto o Estado se omite, há uma série de danos para o trabalhador e a sociedade. Nosso objetivo é oferecer instrumentos analíticos para quem quiser entrar na conversa, pois a uberização nos atravessa, pressionando o mercado como um todo. Suas características estão se generalizando”, diz a socióloga.



O estopim

Em janeiro de 2021, cerca de 220 motofretistas participaram de uma ação realizada pela Força-Tarefa da Unicamp contra a Covid-19. A expectativa, confirmada mais tarde, era encontrar muitos casos da doença nesse grupo. Já a surpresa foi o alto índice de desidratação entre os motoboys, dificultando a coleta de sangue necessária para fazer o teste da doença. “Devido a uma provável diminuição da fluidez [sanguínea], havia dificuldade em obter uma gota de sangue para o teste”, relata Santiago, que é professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e que coordenou aquela ação.

O quadro, explica a professora, resultava de uma rotina exaustiva em que o acesso a banheiros e a disponibilidade de água fresca para beber eram restritos. A descoberta, somada a outros achados inesperados da iniciativa, impulsionou a realização da investigação sobre as condições laborais e de saúde da categoria, ação realizada pela DEDH em 2023 – e que deu origem ao dossiê. “Não conhecíamos nenhuma atividade que imprimisse aquele modo de organizar o trabalho, em que a pessoa está subordinada a uma plataforma e vive em função disso”, justifica Santiago. Os resultados do novo estudo não apenas corroboraram as descobertas feitas na pandemia como também trouxeram achados surpreendentes, confirmando o dano provocado pela uberização na saúde e na qualidade de vida dos integrantes dessa categoria.

Acesse pelo QR code o dossiê


Apesar de atingir setores como a educação, a medicina, a comunicação e o direito, a oligopolização promovida por essas empresas favoreceu a uberização dos motoboys, pontua Abílio, que estuda as mudanças ocorridas nesse tipo de trabalho ao longo dos últimos anos. “Primeiro, jogaram o valor da entrega para o alto, para quebrar todas as concorrentes, o que conseguiram. Agora, essas plataformas têm meios técnicos de organizar 100 mil, 1 milhão de trabalhadores, popularizando e barateando o serviço.” Graças a esse modelo de negócio, as grandes corporações conseguiram manter à sua disposição milhares de pessoas no mesmo espaço de tempo. “Portanto não há necessidade de determinar uma jornada, o que torna qualquer regulação desnecessária. Para o direito e para o Estado, isso é um desafio.”

Totalmente legalizadas, essas empresas imprimiram uma operação calcada na informalização: sem regulamentação, a falta de transparência torna-se regra. “As regras perderam as formas estáveis e reconhecíveis”, resume Abílio. Não é necessário, por exemplo, disponibilizar os critérios utilizados para não recrutar um motoboy – mesmo que ele esteja acessível – ou para definir o valor de cada corrida. “Trata-se de uma relação diferente, de total instabilidade e imprevisibilidade”, afirma a socióloga. Nessa nova configuração, não há possibilidade de negociar. Ao trabalhador, cabe submeter-se.

Com a dataficação – processo em que qualquer ação, comportamento e situação são transformados em dados –, é possível prever comportamentos do trabalhador e do consumidor. Usado para definir estratégias operacionais a partir do cruzamento de informações, esse processo permite, por exemplo, mudar regras, criar bonificações e expectativas e definir preços e penalizações. Com base, por exemplo, na dinâmica do trânsito da cidade, na previsão meteorológica, no tempo que o motofretista passa conectado no aplicativo e na avaliação feita pelo consumidor. É o que Abílio chama de gerenciamento algorítmico. “Isso traz novas possibilidades para a forma de organização do trabalho.”

FONTE: Reproduzido do Jornal da Unicamp

quarta-feira, 6 de março de 2024

Escravos dos aplicativos conquistam direitos

Charge: Vicky Leta

Por Altamiro Borges*

Em solenidade no Palácio do Planalto nesta segunda-feira (4), o presidente Lula apresentou o projeto de lei que regulamenta o trabalho dos motoristas por aplicativos. Foi uma dura negociação com as empresas de Apps para a construção dessa proposta de regulamentação. O projeto não é dos mais avançados, mas representa um primeiro passo no enfrentamento da escravidão no setor. Ele prevê pagamento mínimo por hora de trabalho no valor de R$ 32,09, contribuição para a previdência social e auxílio maternidade.

O projeto de lei agora irá à votação no Congresso Nacional. Se aprovado, ele beneficiará cerca 1,2 milhão de trabalhadores da Uber e 99, entre outras plataformas. O novo modelo atende a parte das demandas dos escravos do setor, mas também serve aos interesses das empresas de aplicativos, que rejeitaram a hipótese de contratação pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e tratam os funcionários como “autônomos”. Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) elogiou o projeto:

As limitações da regulação do setor

“A proposta contempla as prerrogativas de uma atividade na qual a independência e a autonomia do motorista são fatores fundamentais. Certamente será usada como exemplo para muitos países que hoje discutem a regulação deste novo modelo de trabalho”. Já a poderosa Uber festejou o projeto, afirmando ser “um importante marco visando a uma regulamentação equilibrada do trabalho intermediado por plataformas... O projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos para geração de renda”.

O projeto também não conseguiu abarcar a totalidade dos escravos por App. As empresas de aplicativos por entrega, como IFood, rejeitaram qualquer acordo. Na solenidade em Brasília, Lula até mandou um recado para o inflexível empresário. “É preciso lembrar, [senador] Jaques Wagner, que o dono do iFood é da Bahia. A gente tem que convencê-lo a entender que é prudente ele sentar na mesa de negociação para a gente fazer um bom e grande acordo... Vamos encher tanto o saco que o iFood vai ter que negociar”.

Os avanços trabalhistas e sociais

Conforme síntese publicada pela Folha, o projeto apresentado pelo governo “reconhece o motorista de aplicativo como ‘trabalhador autônomo por plataforma’. As empresas irão contribuir para o INSS com 20% sobre a remuneração mínima, que irá corresponder a 25% da renda bruta. O trabalhador terá desconto de 7,5%. A contribuição dará direito a benefícios previdenciários como auxílio-maternidade, previsto no projeto, e aposentadoria, entre outros”.

“Já o valor de R$ 32,09 corresponde ao período da chamada ‘hora em rota’ ou hora trabalhada, que começa a contar a partir do momento em que o profissional aceita o pedido de corrida até deixar o passageiro. Do total, R$ 24,07 são para cobrir os custos com a atividade profissional, como celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos, entre outros. O texto ainda prevê que a jornada de trabalho em uma mesma plataforma não poderá ultrapassar 12 horas diárias. Os trabalhadores devem realizar pelo menos 8 horas diárias para ter acesso ao piso”.

A matéria lembra também que “a proposta de legislação do Brasil vai ao encontro das regulamentações que estão sendo feitas em alguns países do mundo, em busca da proteção desses trabalhadores e da arrecadação de impostos. Chile, Espanha e Uruguai, por exemplo, fizeram reformas para incluir os motoristas de aplicativos na legislação trabalhista”.

*Altamiro Borges - Jornalista, presidente do Centro de Estudos
da Mídia Alternativa Barão de Itararé, militante do PCdoB e 
autor do livro "A ditadura da mídia"




terça-feira, 5 de março de 2024

EUA dificultam até remédios para Cuba

Foto: Blog do Miro

Por Álvaro Gomes*

No artigo, o diretor do Sindicato dos Bancários da Bahia e presidente do IAPAZ , Álvaro Gomes, faz um balanço da última visita que fez à Cuba, em dezembro de 2023.

Atualmente em Cuba, os efeitos da internet, através das redes sociais, têm contribuído para difusão de mentiras. Uma delas é de que não existe bloqueio econômico e muitos acreditam na fake news. Eu conversei com alguns cubanos em diferentes locais durante a última visita que fiz de 26 de dezembro de 2023 a 12 de janeiro deste ano, onde elas diziam que não existe bloqueio e que o governo era o responsável pela situação do país. A verdade é que Cuba vem sendo perseguida há décadas pelo imperialismo estadunidense. O bloqueio existe, inclusive, para acesso a medicamentos.

No discurso do presidente de Cuba Miguel Díaz-Canel, no Foro Social do Conselho de Direitos Humanos, em 02 de novembro de 2023, em Genebra, ele ressalta que durante a pandemia da Covid-19, os Estados Unidos impediram o fornecimento de respiradores pulmonares, dificultaram a aquisição de oxigênio de outros países e não autorizaram a compra de insumos para o desenvolvimento de vacinas.

Apesar desse cerco e em função de um sistema de saúde sólido e eficiente, com cientistas talentosos, Cuba desenvolveu três vacinas contra a Covid-19. Em função disso, foi possível vacinar 90% da população e ao mesmo tempo apoiar outros países no combate a pandemia. Foi o primeiro país do mundo a vacinar crianças a partir dos dois anos de idade, demonstrando a efetividade do imunizante. Em torno de 85% dos produtos para tratamento da Covid-19 foram elaborados no país através de sua indústria de biotecnologia, inclusive desenvolvendo um modelo próprio de respirador pulmonar. (Granma, 3 de novembro de 2023)

Foram 243 medidas adicionais de bloqueio a Cuba implementadas pelo então presidente Donald Trump, e com isso agravando ainda mais a crise econômica e social do país. O problema é tão grave que interfere até na aquisição de medicamentos ou insumos para a indústria farmacêutica. Já foram 31 resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) até 2023 contra o bloqueio econômico a Cuba que foram descumpridas pelo governo estadunidense. Os Estados Unidos, não se conformam com o socialismo e nem com a política de justiça social implementada pelos cubanos.


*Álvaro Gomes: é diretor do Sindicato dos Bancários da Bahia e presidente do IAPAZ

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

PF tem vídeo de Bolsonaro com ministros discutindo 'dinâmica golpista'

Valdemar, Heleno, Braga Neto e Anderson Torres (Foto: Poder360)

A Polícia Federal tem um vídeo de uma reunião do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com ministros, em que discutem uma "dinâmica golpista".

O que aconteceu

Gravação do dia 5 de julho de 2022 foi apreendida na casa do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.

A transcrição do vídeo aparece na decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes que embasa a operação de hoje, mirando a organização criminosa que atuou para tentar um golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

Moraes diz que a reunião "nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte". Ele também diz que todos os participantes ajudaram a difundir mentiras no período eleitoral sobre o então candidato Lula (PT), o TSE e os ministros do STF.

Leia trechos da transcrição do vídeo feita pela Polícia Federal:

Jair Bolsonaro: "Hoje me reuni com o pessoal do WhatsApp, e outras também mídias do Brasil. Conversei com eles. Tem acordo ou não tem com o TSE? Se tem acordo, que acordo é esse que tá passando por cima da constituição? Eu vou entrar em campo usando o meu exército, meus 23 ministros."

Jair Bolsonaro: Nós vamos esperar chegar 23, 24, pra se foder? Depois perguntar: por que que não tomei providência lá trás? E não é providência de força não, c*! Não é dar tiro. Ô PAULO SÉRGIO [Nogueira, ex-ministro da Defesa], vou botar a tropa na rua, tocar fogo aí, metralhar. Não é isso, p*!"

Jair Bolsonaro: Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar, ele vai vir falar para mim porque que ele não quer falar. Se apresentar onde eu estou errado, eu topo. Agora, se não tiver argumento pra me... demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Tá no lugar errado.

Anderson Torres: "Estamos aí, Presidente, desentranhando a velha relação do PT com o PCC. A velha relação do PT com o PCC. Isso tá vindo aí através de depoimentos que estão há muito guardados aí... isso aí foi feito ó. Tá certo? Isso tudo tá vindo à tona. Isso não é mentira. Isso não é mentira. Então, muita coisa está vindo à tona aí. Muita coisa que a população é ... sabe, mas tudo precisa ser rememorado. Tá certo? Então, essa questão das urnas, essa questão dos inquéritos, nós montamos um grupo lá ? é ... é ... é ... O Diretor Geral da Polícia Federal montou um grupo de policiais federais. E agora uma equipe completa. Não só com peritos. Mas com delegados, com peritos, com agentes pra poder acompanhar, realmente, o passo a passo das eleições."

Paulo Sérgio Nogueira: "O que eu sinto nesse momento é apenas na linha de contato com o inimigo. Ou seja... na guerra a gente é linha de contato, linha de partida. Eu vou romper aqui e iniciar minha operação. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato. Nós temos que intensificar e ajudar nesse sentido pra que a gente não fique sozinhos no processo"

Augusto Heleno: Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro"

FONTE: Uol

PF faz megaoperação contra Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe


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Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira (8/2) a Operação Tempus Veritatis, para apurar organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República no poder. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é um dos alvos.

Além dele, a PF mira o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno; e os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil) e Anderson Torres (Justiça).

Segundo a coluna de Igor Gadelha, foram presos Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, e o coronel Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência e atual segurança do ex-presidente contratado pelo PL. Segundo fontes da PF, Martins foi preso em Ponta Grossa (PR).

A PF deu 24 horas para que Bolsonaro apresente o passaporte. Agentes foram à casa onde ele se encontra, em Angra dos Reis, no litoral do Rio.

Ao todo, são cumpridos 33 mandados de busca e apreensão, quatro de prisão preventiva e 48 medidas cautelares diversas da prisão, que incluem proibição de manter contato com os demais investigados, proibição de se ausentarem do país, com entrega dos passaportes no prazo de 24 horas, e suspensão do exercício de funções públicas.

Policiais federais cumprem as medidas judiciais, expedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos seguintes estados: Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Goiás e no Distrito Federal.

Viaturas da PF e da Polícia do Exército foram vistas às 6h30 na porta das residências de oficiais do Exército em Goiânia.
Atuação nas eleições

Investigações da Polícia Federal (PF) apontam que políticos e militares se aliaram para uma tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. O objetivo, segundo as apurações, era manter Jair Bolsonaro (PL) no poder e colocar em dúvida o resultado das eleições realizadas em 2022.

As apurações apontam que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas Eleições Presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital.

O primeiro eixo constituiu na construção e propagação da versão de fraude nas eleições de 2022, por meio da disseminação de que a urna eletrônica poderia ser adulterada, discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados do segundo turno do pleito em 2022.

O segundo eixo de atuação consistiu na prática de atos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito, por meio de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais no ambiente politicamente sensível.


O Exército Brasileiro acompanha o cumprimento de alguns mandados, em apoio à Polícia Federal.

Os fatos investigados configuram, em tese, os crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Fonte: Metrópole

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

IPHAN reconhece quilombos como patrimônios culturais

Reprodução: Prefeitura de Aracaju

A história dos quilombos no Brasil remonta a um passado marcado pela luta e resistência contra a brutalidade da escravidão. Surgidos como refúgios de liberdade para pessoas que eram escravizadas, os quilombos não são meramente áreas habitadas, mas sim símbolos de resistência negra.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu o tombamento dos sítios com reminiscências históricas dessas comunidades, mas a decisão recente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em reconhecê-los como patrimônios culturais representa um marco significativo no valor histórico e cultural dessa forma de organização social. Mas o que esse reconhecimento significa para a sociedade como um todo?

“A decisão do IPHAN em reconhecer os quilombos como patrimônios culturais é de extrema importância porque o patrimônio cultural é, como diz o Professor Carlos Marés, a garantia de sobrevivência social de um povo, de uma sociedade humana, na medida em que é fruto e testemunho de sua vida”, responde o professor da Universidade Tiradentes (Unit) e Promotor de Justiça em Sergipe, Augusto César Leite de Resende.

Esse reconhecimento vai além de uma mera preservação histórica. “A cultura abrange aspectos como língua, modos de vida, culinária, vestimentas e crenças, sendo um reflexo da história e geografia de um povo. Nesse contexto, o patrimônio cultural assume um papel fundamental na garantia de sobrevivência social”, reitera.
Instrumentos jurídicos de proteção

Além do reconhecimento, há diversos instrumentos jurídicos de proteção do patrimônio cultural brasileiro, dentre os quais destaca-se o tombamento, um ato administrativo que reconhece o valor histórico-cultural de bens, no caso, os documentos e os sítios detentores de reminiscências dos antigos quilombos, que passam a ser preservados.

“Um dos pilares desse processo de tombamento é justamente assegurar o direito à memória, à justiça e à reparação, ou seja, assegurar a todos o acesso a informações relativas ao período escravocrata e, com isso, construir um sentimento coletivo de reprovação aos atos de violência praticados contra os escravizados, reconhecendo-os como importantes atores sociais que lutaram e resistiram à opressão vivenciada”, elenca.

A Portaria IPHAN 135/2023 reforça o propósito do tombamento, destacando a resistência quilombola à escravização, discriminação e violações de direitos humanos. Este reconhecimento visa também ressaltar o protagonismo da população afro-brasileira na luta pela liberdade através do quilombismo e do aquilombamento.

“A preservação desse inestimável patrimônio cultural brasileiro permitirá a visibilização da escravidão e, principalmente, de seus efeitos deletérios na vida do povo preto. Isso porque o racismo estrutural existente na sociedade brasileira é filho da liberdade, eis que a libertação não veio acompanhada de políticas públicas de inclusão social e econômica, ao contrário houve uma verdadeira política oficial de embranquecimento da população nacional, com a implementação de práticas racistas, tais como a criminalização da religião e cultura da negritude, para além do incentivo à imigração europeia, com doação de terras e facilitação de empregos para os imigrantes, o que não ocorreu com os pretos libertos”, reforça Augusto.
Preservação e reparação

A visibilidade proporcionada pela preservação dos quilombos como patrimônios culturais contribui para enfrentar o racismo estrutural enraizado na sociedade brasileira. O racismo, que impede a ascensão de negras e negros em posições de prestígio social, político e econômico, precisa ser confrontado. A preservação da memória da resistência quilombola é, portanto, um passo essencial na luta contra o racismo, permitindo a conscientização sobre os efeitos duradouros da escravidão na vida do povo preto.

“O racismo atual impede que as negras e os negros ocupem posições de prestígio social, político e econômico e visibilizar tal fato é o primeiro passo para a mudança efetiva desse cenário. Então, a preservação da memória da resistência e lutas dos povos quilombolas é essencial na luta contra o racismo”, revela.

O reconhecimento dos quilombos como patrimônios culturais não é apenas um ato simbólico, mas uma medida concreta para promover a justiça social, construir uma consciência coletiva de reprovação aos atos de violência contra os escravizados e trilhar o caminho rumo a uma sociedade mais inclusiva e igualitária.