terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O feminismo burguês e a emancipação da mulher


Por Osvaldo Bertolino

Feminismo e emancipação feminina. Eis uma questão que atravessa os tempos e desafia as formulações políticas que enfrentam a histórica ordem econômica e social regida pela opressão. Compreender o conceito de emancipação é o primeiro passo. Ele tem no entendimento de que a dicotomia opressores e oprimidos não é natural, uma condição que pode ser superada pelo domínio da ciência sobre as leis que determinam os fenômenos sociais, conhecido na história como socialismo científico, a grande síntese do pensamento sobre a igualdade social, desde a Antiguidade Clássica.

O tema está no livro Trajetória teórica e política do feminismo emancipacionista, publicação da Secretaria Nacional da Mulher do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), uma coletânea de texto do período entre 1954 e 2012, infelizmente pouco conhecido. É uma espécie de síntese daquilo que Vladimir Lênin, o líder da Revolução Russa de 1917, definiu como “base teórica clara e precisa” do movimento feminino. A secretária da Mulher, Liège Rocha, explica na apresentação que os textos foram publicados em revistas, jornais, boletins e outros veículos, além de informes de congressos do Partido.

O marxismo como síntese

São 403 páginas de textos de especialistas no tema: Ana Rocha, Clara Araújo, Iracema Ribeiro, Jô Moraes, Liège Rocha, Lilian Martins, Loreta Valadares, Lúcia Rincón, Mary Garcia Castro, Milton Barbosa, Olga Maranhão e Sara Romero da Silva. O texto que abre o livro, de Jô Moares, intitulado A origem da opressão da mulher, é uma espécie de apresentação da ideia emancipacionista. À indagação sobre se o homem é por natureza opressor, ela responde: “Nos movimentos de mulheres sempre surge a ideia de que a nossa luta é contra os homens. O preconceito com que a maioria da população vê o termo ‘feminismo’ vem daí.”

Loreta Valadares, no texto A ‘controvérsia’ feminismo-marxismo, é enfática. “As críticas à pretensa ‘insuficiência’ do marxismo sobre a questão da mulher se fazem presente em quase todas as análises sobre a situação de dependência e inferioridade na sociedade, bem como sobre as origens de sua opressão. Evidentemente, as diversas teorias feministas não param somente na crítica à interpretação do marxismo sobre o processo de transformação da sociedade, mas, sobretudo, investem contra o caminho apontado pelo marxismo para a luta de emancipação da mulher”, escreve.

Sara Romero da Silva, no artigo A classe operária e a questão de gênero, ressalva que no campo da teoria marxista vai sendo evidenciado o esgotamento de uma série de modelos teóricos e práticos, “sem o suficiente desenvolvimento científico do próprio marxismo por parte de seus seguidores”. “O marxismo-leninismo afirma, e a vida, tanto no mundo capitalista como das experiências socialistas, tem confirmado que a exploração de classe é decisiva em relação à opressão de gênero e que esta última não se resolverá sem que se resolva a exploração de classe.”

A questão é compreender o marxismo como síntese do pensamento social na história. “O marxismo apresentou a primeira formulação sistematizada acerca da opressão da mulher”, escreve Liliam Martins no artigo As mulheres e o socialismo. “Incorporando ideias formuladas pelas primeiras feministas, pelos socialistas utópicos, como Fourier, desvendou a origem dessa opressão como intrinsecamente ligada ao surgimento da propriedade privada, à formulação das classes sociais.”

O poder da reprodução humana

No artigo Gênero, trabalho e pobreza: para além dos direitos iguais, Clara Araújo constata que “as crises do capitalismo agravam sobremaneira as adversas condições de vida da maioria das mulheres”. “A chamada globalização tem como um dos pontos constantemente abordados o argumento de que, em uma economia internacionalizada, de mercados transnacionais, o Estado vai perdendo sua razão de ser, assim como o próprio conceito de soberania”, diz. “A ideologia neoliberal é, portanto, contrária à própria essência das reivindicações materiais das mulheres, que dependem de iniciativas de cunho social.”

Pelo mesmo viés, Lúcia Rincon comenta, no artigo O papel da maternidade, que “o poder da reprodução humana sempre foi alvo privilegiado de preocupações daqueles que detêm o poder econômico e político e que procuram dominá-lo e controlá-lo”. “Na sociedade patriarcal e, depois, na sociedade capitalista, muitos foram os cientistas e ideólogos que se dedicaram a compreender e a explicar a reprodução humana”, escreve.

Nos textos, o ponto de vista marxista é o norte das argumentações, mas não são poucas as observações críticas sobre leituras artificias do conceito emancipacionista. Mary Garcia Castro destaca, no artigo Feminismo marxista – mais que um gênero em tempos neoliberais, que o marxismo é uma teoria científica e um movimento social crítico das sociedades de classe, em particular contra o capitalismo. “A referência no feminismo de corte liberal e social-democrata e mesmo dito ‘radical’, porque destacaria sexualidade e diferenças, é uma mulher genérica, desterrada da classe e raça. Mas em tendências no feminismo socialista, que se pautam por leituras acríticas do marxismo, também se aporta a uma mulher proletária genérica. Sem circulação na raça ou em outras identidades marcadas por sistemas político-econômico-culturais de opressões.”

Sara Romero Silva, no artigo Origens da opressão de gênero, afirma que “houve um tempo em que militantes socialistas consideravam, em termos práticos (e até teóricos), que a luta de classes explicava tudo”. “No entanto, Marx e Engels trazem o ensinamento de que é preciso conhecer melhor a realidade, não fechar o ângulo de visão. O próprio surgimento das ideias marxistas sobre a questão da família e da mulher traz essa lição também.”

Milton Barbosa, no bem ilustrado artigo Pequena contribuição metodológica ao feminismo emancipacionista, escreve que “durante um tempo demasiadamente longo e enfadonho, a filosofia e a ciência, com seus mais ilustres e melhores representantes, desqualificaram a mulher, tornando-a uma obviedade desinteressante para a investigação racional”. “Mais do que isso, a apropriação privada pré-capitalista e capitalista, que inicialmente aprisionou-as à vida doméstica, impedindo-as de desenvolver uma visão ampla da sua existência e de suas possibilidades enquanto ser humano, hoje as objetifica e mercantiliza, faz do corpo feminino um meio de acesso à vida pública para eternizá-la como objeto de desejo dos machos, velhos e novos.”

Uma vida livre e feliz

Ana Rocha encerra o livro com o texto Impactos da ideologia neoliberal na subjetividade feminina. “Vimos que a mulher avançou sua presença no espaço público, mas que a questão da dupla jornada permanece como um problema crônico, que tem afetado a vida da mulher, aumentando seus impasses, estresse e sobrecargas. Para entendermos como o neoliberalismo aprofundou essa sobrecarga e traz uma ameaça de retrocesso na condição feminina é necessário abordarmos em que consiste a vitória ideológica-cultural do neoliberalismo no mundo.”

Antes, o livro tem dois textos do 4º Congresso do Partido, realizado em 1954. O primeiro é uma intervenção de Iracema Ribeiro. “O trabalho de ganhar milhões de mulheres para o Programa (do Partido) só poderá se desenvolver com pleno êxito quando deixar de ser apenas tarefas das seções do trabalho feminino e das organizações de base femininas e for incluído entre as tarefas permanentes e diárias de todos os organismos do Partido.”

Olga Maranhão, também em intervenção no 4º Congresso, disse que o Partido Comunista do Brasil é herdeiro das gloriosas tradições de luta do povo e dirige “as lutas das massas femininas pelos direitos e interesses da mulher, pela paz, pelas liberdades democráticas e pela independência nacional”. “O Partido nos ensina que a ação unida e organizada das grandes massas femininas é indispensável para assegurar às mulheres uma vida livre e feliz.”

Mulheres contra os homens

Um ponto abordado em algumas passagens do livro, referente à indagação de Jô Moares sobre a natureza opressora do homem, representa um dilema histórico. O que se convencionou chamar de “sexismo” é tratado por ela no artigo A nova etapa do feminismo como “ruptura”, que se dá, “fundamentalmente, com o chamado feminismo da igualdade na sua expressão liberal-reformista”. “A concepção da universalidade da condição feminina reforçou-se com a ideia da ‘irmandade de mulheres’, que constituía o modelo feminino de fazer política. Expressa com força no feminismo americano, a ideia da irmandade se desenvolveu amplamente pelo mundo”, relata.

Jô Moraes traz um conceito que, às vezes, tenta se impor pelas palavras, tirando do debate o arejamento das ideias e o exercício reflexivo. Essa discussão, na verdade, é antiga. No Partido Comunista do Brasil ela aparece, por exemplo, numa sabatina do então deputado constituinte comunista Carlos Marighella, em 1946, em Salvador. “Com a presença de grande número de mulheres, operárias, donas de casa, elementos femininos progressistas de várias classes sociais e representantes da Liga Femina Democrática, além de pessoas outras, teve lugar na sede da Associação dos Empregados do Comércio, a sabatina com o deputado Carlos Marighella com as mulheres baianas”, noticiou a agência de notícias do Partido, Iter Press.

Segundo Marighella, a mulher só poderia se libertar “procurando se organizar e conseguindo participar da produção, porque então obterá uma situação de independência econômica, de onde decorrerão todas as outras situações de liberdade e vida digna e moderna”. Citou como exemplo a União Soviética, onde, mesmo após a vitória do socialismo, persistiu a violência contra a mulher. Mas “as mulheres mais esclarecidas se organizaram e se uniram às companheiras e, após séria luta organizada, conseguiram a sua independência”. E falou do falso feminismo, que se dizia disposto a emancipar as mulheres, um movimento de mulheres contra os homens.

Marighella citou o exemplo de mulheres no parlamento na França e na União Soviética para dizer que, com o atraso político no Brasil, mulher alguma tomava assento no Legislativo, a exemplo da dirigente comunista Adalgisa Cavalcanti, de Pernambuco, cuja candidatura à Assembleia Constituinte não foi reconhecida. Era um momento em que o Partido promovia debates sobre a emancipação da mulher. O Barão de Itararé, nome mais conhecido de Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, era um dos palestrantes.

Destruir Cartago

Em 1956, A Editoria Vitória, ligada ao Partido, publicou, em livreto, uma coletânea de textos de Lênin, sob o título O socialismo e a emancipação da mulher. Num dos textos ele diz que “a verdadeira emancipação da mulher, o verdadeiro comunismo, só começa onde e quando comece a luta das massas (dirigida pelo proletariado, que detém o poder do Estado) contra a pequena economia doméstica, ou melhor, onde comece a transformação em massa dessa economia na grande economia socialista”.

Em outra passagem, ele relata que “em dois anos, em um dos países mais atrasados da Europa, o poder soviético fez pela emancipação da mulher, por sua igualdade com o sexo ‘forte’, mais do que haviam feito todas as repúblicas avançadas, cultas, ‘democráticas’, do mundo inteiro, no curso de cento e trinta anos”.

O livreto inclui um cativante artigo de Clara Zetkin (personagem histórica do feminismo marxista), intitulado Lênin e o movimento feminino, relatando uma longa conversação com ele em 1920. Vale reproduzir essa pérola: “Fazer a crítica histórica dessa sociedade significa dissecar sem piedade a ordem burguesa, desnudar sua essência e suas consequências e estigmatizar, além disso, a falsa moral sexual. Todos os caminhos levam a Roma. Toda análise verdadeiramente marxista de uma parte importante da superestrutura ideológica da sociedade ou de um fenômeno social importante deve conduzir à análise da ordem burguesa e de sua base, a propriedade privada; cada uma dessas análises deve conduzir a essa conclusão: ‘É preciso destruir Cartago.’ Lênin sorria e fazia com a cabeça sinais de aprovação.”

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Ceará é o único estado em que gás do lixo vira combustível para distribuição

5% de todo o gás canalizado do Ceará vem do lixo. Sustentabilidade é isso! 
 Foto: Reprodução/Gasmig

O Ceará é o único estado do país em que o gás do lixo de aterros vira combustível e é injetado diretamente na rede de distribuição para moradores. Detalhe: a quantidade é significativa: 15%!

Sim, 15% do gás que abastece o Ceará inteiro vem de resíduos tratados, segundo uma reportagem do Fantástico. O aterro sanitário de Caucaia, próximo a Fortaleza, consegue receber e tratar 6 mil toneladas de resíduos por dia.

Quando se decompõem, os restos de comida produzem gás metano, que é captado e transformado em combustível para diversos usos. O processo, além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, contribui para a preservação ambiental!

Vanguarda no país

O Ceará mais uma vez está exportando bons exemplos para o país, não é?

Para Hugo Nery, diretor-presidente da Marquise Ambiental, os benefícios do GNR, o gás natural renovável, não são apenas financeiros. Trata-se também de uma questão de cuidar do planeta.

“É um produto extremamente verde, renovável, e além disso, faz sentido financeiro, porque ela está pagando mais barato do que o gás de petróleo”, explicou em entrevista ao JN.

Quando não é tratado, o metano, produzido pelo lixo, é um dos principais vilões do clima. Sem os cuidados necessários, ele vai para a atmosfera e aquece o planeta.

Vantagens do gás natural

Sim, o processo é um ganha-ganha.

Uma das principais vantagens é o fato de o combustível ter um impacto ambiental reduzido, já que a emissão de gases poluentes em relação aos derivados do petróleo e carvão é significativamente menor.

Além disso, o processo garante uma alta produtividade e um maior nível de segurança, uma vez que o produto não precisa ser armazenado em vasilhames.

O transporte também se beneficia, pois o GNR é transportado via gasodutos, o que garante maior agilidade e dinamismo.

O aterro sanitário de Caucaia, consegue receber e tratar 6 mil toneladas de resíduos por dia
Foto: JN
O que é o GNR

O gás natural renovável é muito diferente de combustíveis fósseis.

À medida que materiais biodegradáveis, como óleo de cozinha usado, resíduos de animais, lodo e efluentes, entre outros, se decompõem, o metano é liberado.

Depois, ele é capturado e convertido durante um processo em GNR.

Como o metano é o principal componente do gás natural, o GNR pode ser usado em motores a gás natural sem precisar de modificações.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Como o Brasil poderia melhorar a destinação do seu lixo

Brasil gerou 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos em 2023.
Na foto, um local de triagem de lixo no DF. (
Foto: CentCoop)

Um quilo de lixo por dia. Isso é o que cada brasileiro em média descarta de itens variados como alimentos,
plástico, papelão, vidro, metais, roupas e calçados e equipamentos eletrônicos.

É muito lixo. Em 2023, seria o suficiente para encher dois mil estádios do Maracanã, segundo cálculo da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).

Naquele ano, o Brasil gerou no total 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU). E apenas parte disso é coletada e vai parar no destino adequado.

Segundo um relatório da Abrema, o país coletou naquele ano 75,6 milhões de toneladas de RSU, das quais 69,3 milhões foram encaminhadas para disposição final, ou seja, 86% do total de lixo produzido.

Do montante encaminhado para disposição final, apenas 58,5% acabaram em aterros sanitários legalizados – um número considerado baixo por especialistas. Os outros 41,5% foram parar em lixões, aterros irregulares, terrenos baldios, ruas, valas, córregos e rios, segundo o levantamento.

A taxa de reciclagem é baixa. Do total de RSU produzido, 8,3%, ou 6,7 milhões de toneladas de material reciclável como papel, plástico, alumínio e vidros, foram enviadas pela coleta pública ou por catadores para o reaproveitamento.

Disparidades regionais

A região Sudeste é a campeã na geração de resíduos, com 452 kg por habitante ao ano, o que equivale a 1,237 kg por habitante por dia. A região é responsável por gerar 39,9 milhões de toneladas anuais, ou metade do total nacional.Na outra ponta, está a região Sul, com 284 kg anuais por habitante, ou 0,779 kg diários. Os dados estão no Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, da Abrema.

Quando o assunto é coleta, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste estão acima da média nacional, com 97,2%, 98,8% e 95,2% dos resíduos coletados, respectivamente. Já as regiões Norte e Nordeste coletaram aproximadamente 83% do lixo produzido, sendo o restante descartado a céu aberto, como em lixões, terrenos baldios e áreas públicas.

"Se compararmos a situação do Brasil com a da União Europeia ou dos Estados Unidos, por exemplo, a geração de RSU é moderada. O problema não é só consumir demais ou de menos, mas sim a responsabilidade com a qual lidamos com aquilo que é consumido, ou seja, a destinação que damos a esses resíduos", pontua Karin Brüning, cientista e ambientalista que atua no ramo de educação ambiental.

Atualmente o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia.

Caminhos para a melhor gestão dos resíduos

Um dos lixões irregulares que acabam servindo de depósito a céu aberto é o do município de Envira, no estado do Amazonas, próximo da divisa com o Acre. O lixão existe há 10 anos e ameaça a terra indígena Cacau do Tarauacá, onde moram 320 indígenas do povo Kulina.

"A presença de lixões irregulares e a baixa taxa de reciclagem são pontos que precisamos melhorar através de campanhas com a população e incentivo público para os municípios investirem na coleta seletiva e na manutenção de aterros sanitários legalizados", diz Pedro Maranhão, presidente da Abrema.

Especialistas apontam que uma união de esforços da população e do governo poderiam solucionar o problema. Mas para isso é necessário que se priorize políticas de redução, reutilização e reciclagem para enfrentar o problema da geração de resíduos sólidos urbanos.

"Um ponto importante é incentivar a coleta seletiva. Criar ecopontos, carros de coleta seletiva e medidas educacionais para a população. Todo esse subsídio de informação, de oferecer facilidades para a separação e direcionamento correto do lixo, faz com que se abram caminhos logísticos para que a sociedade possa direcionar o seu lixo e automaticamente aumentar a reciclagem", diz o biólogo Bruno Reis, especialista em licenciamento ambiental.

Oportunidade para produção de combustível

Já os resíduos orgânicos, que compõem quase a metade dos resíduos sólidos urbanos, podem ser reciclados por meio da compostagem ou biodigestão, o que poderia produzir biometano ou biogás e reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa.

Atualmente, menos de 0,2% desses materiais são transformados em gás natural através da decomposição dos resíduos orgânicos depositados nos aterros sanitários brasileiros. Esse gás passa por uma purificação e então dá origem ao biometano.

Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), apontam que o Brasil tem seis plantas de produção de biometano localizadas em aterros sanitários, número considerado baixo pelos especialistas ouvidos pela reportagem. Essas plantas ficam três em São Paulo, duas no Rio de Janeiro e uma em Fortaleza.

Resíduos orgânicos podem ser usados para produzir biometano ou biogás
(
Foto: Henry Milleo/dpa/picture alliance)

"Precisamos pensar em outras fontes de combustíveis que não sejam o fóssil, uma alternativa viável é justamente investir na produção de biometano a partir dos resíduos sólidos orgânicos. A sua extração é mais econômica e contribui para a descarbonização", acrescenta Maranhão.

Ainda segundo Maranhão, com o melhor aproveitamento da estrutura já existente, incluindo a operação de outras sete plantas que estão em processo de autorização, o Brasil teria capacidade para suprir cerca de 5% da atual demanda nacional por gás natural.

Hoje essa demanda é estimada em 58,4 milhões de Nm³/dia pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Esse mercado é formado por diferentes setores econômicos, como industrial, automotivo, residencial, comercial, geração elétrica, por exemplo.

"Para isso, todas as cidades com mais de 320 mil habitantes precisam destinar seus resíduos para aterros sanitários com planta de biometano. Mas para chegarmos a esse patamar é necessário maior investimento na logística desse material", diz.

A produção de biometano funciona assim: após coletado, os resíduos sólidos são encaminhados para a triagem onde os materiais recicláveis como vidro e plástico são separados dos materiais orgânicos.

A parte orgânica então vai para o aterro onde é encapsulada. Os resíduos são enterrados e começam a se decompor, liberando o biogás. Uma tubulação capta esse gás e o encaminha para filtros. Parte do biogás vai para a produção de energia elétrica e outra parte é purificada e transformada em biometano.

O papel fundamental dos catadores

Para a outra parte dos resíduos, aquela que é reciclável, investir em cooperativas, formalizar e remunerar os serviços prestados pelos catadores é essencial para estimular a reciclagem. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que os catadores são responsáveis por coletar quase 90% de todos os materiais recicláveis no Brasil.

"Reciclar faz com que eu traga de volta esses materiais à cadeia produtiva, reduzindo a necessidade de extração de muitos desses produtos da natureza, como o papel por exemplo. Também reduz a necessidade de criação de novos aterros. Lembrando que está cada vez mais difícil encontrar espaços para isso", explica Carlos Alberto Moraes, membro do Comitê Gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil.

Catadores são responsáveis por coletar quase 90% de todos os materiais recicláveis no Brasil.
Na foto, uma unidade de triagem em São Paulo. (F
oto: Divulgação / ANCAT)



Fora esses aspectos, a conscientização da população sobre consumo consciente e destinação adequada de resíduos deve ser intensificada desde a infância, seja por aulas na escola ou através de campanhas que estimulem o reaproveitamento.

"Por exemplo, as pessoas podem dar preferência para materiais ou objetos que podem ser utilizados várias vezes, como usar ecobags ao invés de sacolinha de plástico. Ou então, preferir o uso de copos que não sejam descartáveis e assim reduzir ao máximo o descarte e aumentar o reaproveitamento de materiais. Mas essa mudança de hábitos é algo que deve ser condicionado desde a infância", acrescenta Brüning.

Lixões já deveriam ter sido erradicados

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, estabelece diretrizes para o manejo adequado de resíduos sólidos no Brasil e promove a responsabilidade compartilhada entre governos, empresas e população.

A PNRS prevê ações como a destinação correta dos mais diversos tipos de materiais, coleta seletiva, reciclagem e compostagem de resíduos orgânicos. Além disso, ela prioriza a não geração de lixo e a redução de desperdícios, com o objetivo de reduzir os impactos ambientais, proteger os recursos naturais e fomentar uma economia sustentável.

Apesar de mais de uma década desde sua criação, muitos dos objetivos da PNRS ainda não foram alcançados, como a erradicação de lixões, que deveriam ter sido encerrados até agosto de 2024. A estimativa da Abrema aponta que ainda existem três mil lixões no país.

As maiores dificuldades dos municípios para extinção dos lixões e implantação de aterros sanitários estão relacionadas a carências dos municípios, principalmente de quadros técnicos especializados na área de meio ambiente, para desenvolver projetos e acompanhar a implementação das políticas ambientais, bem como a ausência de taxas e tarifas para custear as despesas de implantação, operação e manutenção dos serviços de coleta e destinação de resíduos.

Estima-se que ainda existam três mil lixões no país. Este da foto, localizado em Brasília, foi fechado em 2018. (Foto: Getty Images/AFP/S. Lima)



"É imprescindível que ocorra o fortalecimento institucional dos municípios para gerir os sistemas de resíduos sólidos, como a instituição de taxa de resíduos sólidos e a elaboração de planos de resíduos, bem como o agrupamento de municípios em consórcios para ganho de escala e rateio de custos de infraestrutura e gestão (aterros sanitários, caminhões de coleta, equipe técnica, unidades de tratamento, entre outros)", disse o Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, em nota enviada à DW. E acrescentou que vem oferecendo apoio aos municípios por meio de programas de apoio e incentivo à reciclagem.

"O governo federal tem apoiado municípios e consórcios públicos em projetos para desvio de resíduos dos lixões por meio da reciclagem, criando as condições adequadas para que se promova a erradicação com a inclusão socioprodutiva dos catadores de materiais recicláveis", acrescenta a nota.

Paralelamente a isso, em dezembro, o plenário do Senado aprovou um projeto de lei que proíbe a importação de resíduos sólidos, como papel, plástico, vidro e metal pelo Brasil. A proposta altera a PNRS e aguarda sanção presidencial. Entre 2012 e 2021, a importação de resíduos sólidos pelo país mais que dobrou, saltando de 4,12 mil toneladas para 8,62 mil toneladas, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Fonte: DW

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Brasil manda petróleo do pré-sal para fora

Plataforma P-74 no campo de Búzios no pré-sal da Bacia de Santos
(Foto: André Ribeiro/Agência Petrobras)

Por Marcos de Oliveira

Diretora da Petrobras alerta que reservas do pré-sal declinarão em 5 anos; petróleo bruto lidera pauta de exportações em 2024

Na véspera do Natal do ano passado, a diretora de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia dos Anjos, alertou em entrevista que o Brasil corre o risco de perder a autossuficiência em petróleo em menos de dez anos se não descobrir novas reservas em grandes volumes. Segundo ela, a produção do pré-sal, que responde por mais de 80% das reservas da estatal, começará a declinar a partir de 2029 ou 2030. A diretora defendeu autorização para exploração da Margem Equatorial, permissão que está empacada no Ministério do Meio Ambiente.

O declínio do pré-sal daqui a 5 anos decorre da exploração desmedida das reservas, voltada para exportação de óleo cru sem agregar valor. Nesta segunda-feira, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) divulgou o resultado da balança comercial de 2024. O petróleo bruto tomou o lugar da soja entre as maiores exportações brasileiras no ano passado. O valor exportado subiu 5,2%, com o volume embarcado aumentando 10,1%, e o preço médio caindo 4,4%. O valor chegou a US$ 44,8 bilhões (a China ficou com quase a metade: US$ 20 bilhões).

Dessa forma, jogamos fora a oportunidade de utilizar o petróleo descoberto no pré-sal para o desenvolvimento do Brasil. Segundo o engenheiro Fernando Siqueira, da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás), o petróleo do pré-sal poderia acabar com todos os nossos problemas sociais, econômicos e financeiros.


terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Podcast Joule discute como atender o aumento da demanda de gás natural

Allan Kardec Duailibe, da Gasmar

Allan Kardec Duailibe, diretor-presidente da Companhia Maranhense Gás (Gasmar), é o entrevistado da semana

O gás natural é um importante insumo para a indústria e a demanda por este combustível é crescente. Além de servir como matéria-prima, o gás natural é utilizado como fonte de energia e o Brasil tem procurado formas de ampliar a oferta dele. As soluções para isso são debatidas no mais recente episódio do Joule, podcast de energia do JOTA.

As possibilidades ao mercado brasileiro são apontadas Allan Kardec Duailibe, diretor-presidente da Companhia Maranhense Gás (Gasmar) e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Entre as opções que estão sendo consideradas, o entrevistado do Joule da semana fala da importação de gás natural de Vaca Muerta, da Argentina.

Ouça o novo episódio:

A conversa ainda aborda o edital para obter propostas de suprimento de gás natural, a ser movimentado pelo gasoduto Meio-Norte, a partir do ponto de conexão de São Luís, no Maranhão. "A chamada pública [com entrega fim em 2028] é para aproveitar os recursos naturais do Brasil, país rico em gás natural tanto onshore quanto offshore ", disse Kardec.

FONTE: JOTA