quinta-feira, 30 de junho de 2022

Não vão conseguir enganar as mulheres



Como era previsto, o pior governo de todos os tempos, desesperado porque sabe que perderá as eleições de outubro, fará de tudo para engatar sua pauta de costumes.

Para tentar tirar a atenção da CPI do MEC, que irá investigar a corrupção do ex-ministro terrivelmente evangélico por quem o presidente botava a cara no fogo, o governo quer lançar uma CPI do Aborto. Em vez de falar sobre algo concreto, como corrupção e gastos astronômicos do cartão corporativo, quer tentar incriminar uma menina de 11 anos, sua mãe, a procuradora que permitiu que a garota fizesse um aborto legal, os médicos, as jornalistas do Portal Catarinas e Intercept Brasil que expuseram o caso (se não fosse por elas, a menina ainda estaria presa no abrigo para que não pudesse abortar, ou talvez já tivesse morrido por complicações na gravidez), as parlamentares de esquerda, as feministas, enfim, qualquer pessoa ou instituição que possa servir de alvo do Gabinete do Ódio.
Ontem foi o primeiro passo dessa agenda. Foi feita uma audiência pública, praticamente só com figuras conservadoras e "pró-vida" (só enquanto estão dentro do ventre), para discutir uma nova norma técnica sobre atendimento ao aborto legal do Ministério da Saúde. O governo, contrariando uma lei de mais de 80 anos (já que o aborto é permitido por lei em casos de estupro desde 1940), quer proibir o aborto em todos os casos. E, para tal, insiste na mentira de que não existe aborto legal, que todo aborto é crime, só que em alguns casos a mulher que aborta não é punida. É um discurso típico de quem odeia as mulheres e quer controlá-las.
A hipocrisia dos "pró-vida" mais uma vez veio à tona com dois casos recentes: o da menina de 11 anos e o da atriz Klara Castanho. Uma youtuber bolsonarista e dois colunistas de fofocas, todos asquerosos, revelaram que a jovem atriz global doou seu filho recém-nascido à adoção. Classificaram isso como "abandono de incapaz". Klara teve que reviver todo o seu trauma e contar a sua história: foi estuprada, só descobriu que estava grávida muito depois (apesar de ter tomado a pílula do dia seguinte), deu à luz e, cumprindo todos os trâmites legais, que não são poucos, encaminhou o bebê à adoção. Já no hospital, uma enfermeira a ameaçou, dizendo "Imagina se um colunista descobre o que você está fazendo". Um show de horrores.
Então lembrem-se do caso de Klara da próxima vez que um pró-vida te falar que, se a menina ou mulher não quiser ter o filho, é só dar pra adoção. Vejam como os reaças (que não dão a mínima pras mulheres, pras crianças, pros bebês) tratam uma mulher que não abortou e fez exatamente o que eles mandam fazer.
A propósito, lembram da menina de 10 anos que, em 2020, teve que sair do Espírito Santo, escondida, para realizar um aborto a que tinha direito num hospital em Recife? Ela havia sido estuprada pelo tio (um exame de DNA comprovou isso e o tio foi condenado a 44 anos de prisão). Ela corria risco de morrer se prosseguisse com a gestação (dois casos em que o aborto é permitido). Ainda assim, a extremista Sara Winter divulgou seus dados e o hospital em que a menina faria o aborto. Ela foi recepcionada aos gritos de "assassina". Ela teve que mudar de identidade e de endereço. Está num programa de proteção para que os "pró-vida" não a matem.
Recomendo muito o editorial que o Portal Catarinas publicou hoje sobre a audiência de ontem. O título não poderia ser mais propício: "Audiência pública sobre aborto vira espetáculo de ódio às mulheres", com direito a tratar a pílula do dia seguinte como abortiva (eles falam o mesmo sobre contraceptivos), e de chamar aborto legal de estupro médico ("Numa violação sexual a mulher é roubada de sua pureza, nesse estupro médico é roubada a sua maternidade", disse um reaça de alguma associação anti-mulher, quero dizer, "pró-vida").
E recomendo também o belo discurso de 10 minutos da deputada federal (Psol-SP) Sâmia Bomfim. Concordo muito com ela: somos nós mulheres que vamos mandar este governo e todos os seus asseclas para a lata de lixo da história.
Assim como Bolso quebrou a cara acreditando que subindo o valor do auxílio dado aos mais pobres (auxílio que, durante décadas, ele chamou de bolsa-esmola) ele compraria seus votos, os reaças também ficarão surpresos ao perceber que, no caso da menina de 10 anos do Espírito Santo, a maior parte da população ficou ao lado dela e condenou a reação dos carolas. Neste caso da menina de 11 anos de SC, só os mais conservadores acharam correta a atitude da juíza (prender a menina num abrigo para que não pudesse abortar). No caso de Klara, quase todo mundo rechaçou a youtuber bolsonarista e os colunistas de fofocas.
A maior parte da população é a favor do direito ao aborto em caso de estupro, risco de morte para a gestante, e se o feto for anencéfalo. A maior parte da população acha horrível que uma menina de 10 ou 11 ou 14 anos seja forçada a ser mãe. O que o padre de extrema-direita Paulo Ricardo e o atual residente do inferno Olavo de Carvalho disseram numa live num outro caso emblemático (aquele de 2009 da menina de 9 anos grávida de gêmeos, em que o arcebispo excomungou os médicos, as feministas, a mãe da menina, todo mundo menos o estuprador) -- de que "ter um bebezinho é o sonho de toda menina, é por isso que brincam de boneca, se tiver um bebezinho direto já salta a etapa da boneca" -- está longe de ser a opinião da maioria.

Felizmente, o brasileiro médio não é tão conservador, ignorante, misógino e oportunista como o bolsonarista médio. Quem achar que vai conseguir enganar as mulheres (60% das quais reprovam o governo Bolso com todas as forças) vai se dar mal.


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