A mídia
global, na ânsia de catar pretensos erros do Governo (mas não da oposição, que
ela representa), prossegue no que parece ser uma mórbida fixação. A
impressão que dá é de que só pode exercer o jornalismo (e também outras
atividades) nessa Organização quem, de antemão, comprometa-se a fazer o jogo
dela, mandando os escrúpulos às favas em nome de empregos e/ou brilharecos de
notoriedade.
Digo isso porque novamente
o Império contra-ataca no terreno do ENEM para tentar denegrir as provas
(e o MEC). E volta à carga na área da linguagem, acusando o ENEM de enfatizar o
“uso polêmico” de termos coloquiais, que de polêmico nada tem, pois se vincula
à boa história dos usos de qualquer língua. Deram-se ao trabalho de contar as
questões que, na prova, versam sobre esse assunto, para concluir , ou levar à
conclusão de que está em curso uma política educacional de “emburrecimento “
dos estudantes.
Pode ser que efetivamente
esteja existindo, por parte dos jovens brasileiros, um processo de
deterioração do interesse pelo conhecimento – a chamada “vontade de saber” ,
que anda escassa. Mas esse é um debate que extrapola os limites da Educação e
envolveria uma séria análise dos rumos que a nossa sociedade consumista ,
individualista e hedonista vem tomando, em função de toda uma ideologia que lhe
é inoculada e que , no fundo, pretende exatamente isso: evitar que
se pense...
Como está valendo tudo em
termos de propósitos políticos, estão fazendo retornar, a partir da prova e das
tais questões, o caso de um livro didático que , diziam então – em uma das
maiores desonestidades intelectuais a que assisti nos últimos tempos -,
“ensinava errado” e valorizava a negação da gramática.
O que mais lamento nisso
tudo é o fato de que há profissionais – professores que conheço e respeito –
que estão entrando nessa onda, creio que sem perceber as intenções de quem os
procura para declarações. De minha parte, prefiro ficar com uma outra corrente,
capitaneada pelo mestre Evanildo Bechara, que prega a necessidade de fazermos
de cada brasileiro “um poliglota na sua própria língua”.
O assunto “variantes
linguísticas”, pois é disso que se trata, é conteúdo obrigatório e expressivo,
hoje, em todas as boas aulas de Língua Portuguesa. Isso desde o Ensino
Fundamental. O Português é grande exemplo da unidade na diversidade, refletindo
os diversos componentes culturais da nação, que se distinguem por
aspectos históricos, geográficos, sociais e contextuais. É evidente que a
Escola continuará enfatizando o emprego da norma culta, como cabe em qualquer
processo pedagógico que pretenda dotar os estudantes de todos os meios para
crescer como cidadão, inclusive no mercado de trabalho. Quem se der ao prazer
de verificar os Parâmetros Curriculares fixados pelo MEC para os diversos
segmentos da Educação perceberá claramente essa preocupação.
Aliás, é tão surreal
imaginar-se que pudesse ser diferente que chega a ser risível essa
“análise crítica” que vê pretensões escusas em meia dúzia de questões. Por
parte da mídia, além de surreal, hipócrita, com suas novelas inflando os ares e
lares brasileiros com “pra tu”, “tu foi”, “tu tá” e outras construções,
justamente porque pretende traduzir essa diversidade (às vezes com preconceito)
e tornar cativo um público que vem crescendo socialmente ... Tudo isso com o
deleite extasiado do público letrado brasileiro...
O Enem, desde o início ,
revelou sua intenção de ser uma “prova cidadã”, ou seja, uma prova que, além da
verificação de competências e habilidades e da cobrança de conteúdos
pré-fixados, provocasse nos estudantes a reflexão, o juízo crítico e a busca de
soluções para situações-problema. No caso da área de Linguagens, a prova
apresenta textos dos mais diversos gêneros, com os quais, quase sempre,
pretende fazer pensar. Se isso é “fazer a cabeça” dos estudantes, salve o Enem!
É preciso mesmo fazê-los pensar sobre discriminações e privilégios incabíveis,
sobre valores de respeito ao outro, solidariedade, alteridade. É preciso
construir , neles, uma ideologia cidadã bem diferente dessa que os bombardeia
diariamente a partir dos interesses consumistas do mercado e da valorização de
um espírito de competição predatório, marca do atual estágio do capitalismo. E
esse reconhecimento do outro e de seus valores, sem preconceitos, inclusive no
campo da linguagem, isso, amigos, vale bem mais do que o conhecimento das
orações subordinadas...
Mesmo assim, voltando ao
Português no Enem, não custa lembrar que há uma prova isolada de redação – que,
sozinha, vale muito mais pontos do que toda a prova de Linguagens -
, onde se cobra como requisito fundamental o exercício, na construção do texto,
dos ditames da norma culta. Qualquer colégio interessado na promoção dos seus
alunos sabe disso e trabalha, por isso mesmo, exaustivamente, os conteúdos
gramaticais que envolvem aspectos de ortografia, concordância, regência,
colocação, pontuação, semântica e todo o resto que se exige de um bom cultor e
redator da língua, sem o que, frise-se, o aluno não logrará passar no Enem.
É preciso combater essas
falácias que não fazem bem aos princípios da correta informação nem contribuem
pedagogicamente para coisa alguma. Penso que até mesmo alguns professores, em
cuja honestidade e competência aposto, têm que refletir sobre o atual
momento, para não fazer o público engolir gato por lebre...
Fonte: Reproduzido do Blog Direto da Redação
Colaboração: Cido Araújo/SP
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